11 Abril 2018
Dono do Bahamas também cria cavalos em propriedade já ocupada por sem-terra e leiloada por dívida trabalhista; ele aponta MST como motivação para comemorar prisão de Lula.
A reportagem é de Alceu Castilho, publicada por De Olho nos Ruralistas, 09-04-2018.
Toca o telefone no Bahamas Hotel Club. O psicólogo e fazendeiro Oscar Maroni Filho – dono do bordel em São Paulo – atende e pergunta qual o perfil do De Olho nos Ruralistas, de que lado está o observatório. “Porque pode ser dos sem-terra fazendo essas palhaçadas”, explica. Conta que já foi comunista, acreditou em reforma agrária. “Até ficar rico”. Ele responde objetivamente às perguntas, a começar da primeira: o que foi feito da Fazenda Santa Cecília, em Araçatuba (SP), ocupada cinco vezes por sem-terra, leiloada pela justiça trabalhista e depois colocada à venda, por R$ 55 milhões?
“Você está pegando a época que Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil”, diz ele. Maroni faz questão de pronunciar frases de efeito ao longo da entrevista. Pré-candidato a deputado federal pelo PROS (o número de urna terá o final 69), ele conta que a Fazenda Santa Cecília da OMF – iniciais de Oscar Maroni Filho –, no oeste paulista, foi arrendada para a Cosan. A rigor, 600 dos 700 alqueires. “Está lá, plantado com cana. A Cosan vai desenvolver um centro de pesquisa com a Shell”.
A brasileira Cosan e a anglo-holandesa Shell compõem a multinacional Raízen, a maior exportadora brasileira de açúcar. Os 100 alqueires restantes (240 hectares do total de 1.685 hectares) continuam com Maroni: a sede, o gado, o haras. “Vou voltar a confinar gado, agora com seleção de carnes especiais”, conta. “Estou estruturando com técnico da Luiz de Queiroz para desenvolver carnes especiais”. Ele se refere à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, o polo de agronomia da Universidade de São Paulo (USP).
A propriedade que já pertenceu ao grupo Liquifarm, do Vaticano, chegou a ir a leilão, há dois anos, por dívidas trabalhistas. Segundo o fazendeiro, de R$ 42 mil. O lance mínimo estabelecido pela 1ª Vara do Trabalho de Araçatuba, na ação movida pela União, era de R$ 31,2 milhões. Mas o leilão acabou sendo sustado. “De modo inteligente fui até o último dia, fiz o pagamento e não foi a leilão”, orgulha-se Maroni.
A propriedade estava avaliada pelo Tribunal Regional do Trabalho em R$ 55 milhões. Exatamente o preço pelo qual o fazendeiro tentou vendê-la, posteriormente. “Passei um período muito delicado da minha vida onde durante seis anos tive cinco invasões de sem-terra”, relata. “Falei: Vou vender a fazenda”. Diante de novo período de estabilidade, ele desistiu.
– Coloquei à venda porque estava se tornando impraticável ser um homem da atividade rural no Brasil. Lei não funciona, propriedade privada não tem o respeito que tem de ter. Constituição é uma merda, feita pelo senhor Ulysses [Guimarães], que foi político a vida inteira, para beneficiar os políticos. E cada um a interpreta como quer. Ela incentiva pessoas que não têm vocação nenhuma para a terra, com funções politiqueiras, de movimentos de pessoas que nunca trabalharam.
Uma das cinco ocupações feitas por movimentos de sem-terra – três delas internas, duas vezes na frente da propriedade – ocorreu em 2009. Na época o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) estava à frente da ocupação. “Cheguei a falar com o José Rainha [ex-líder do MST], uma pessoa muito simpática”, relata Maroni. “Ele me disse: sua fazenda dá mais ibope que a do Fernando Henrique Cardoso. Ganhei todos os processos na Justiça. PM arrancou todos lá de dentro”.
O MST defendia a desapropriação para fins de reforma agrária. O movimento alegou na época que queria chamar a atenção para os baixos índices de produtividade de 20 fazendas da região. “Os fazendeiros estão mascarando as propriedades para aparentes altos índices de produtividade”, disse uma das lideranças, Jonas da Silva. O fazendeiro, que arrendava a propriedade para cana e gado, a definia como “um modelo de pecuária”.
Maroni sobe o tom ao falar do MST, em específico, movimento que ele já chamou de “terrorista”, e dos camponeses sem-terra, de um modo geral. “A propriedade privada é tão sagrada quanto a sala de sua casa”, filosofa. “Todo fazendeiro deveria ter autorização especial para possuir armas para não ser invadido. Ficamos no meio do mato, sujeitos à invasão de irresponsáveis, inconsequentes”.
Maroni distribuiu 9 mil cervejas, na sexta-feira, em frente do Bahamas, em evento divulgado pelo Movimento Brasil Livre, o MBL, como comemoração da prisão do ex-presidente Lula. Foram projetadas em um telão imagens do juiz Sergio Moro e da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmen Lúcia. No dia em que prometeu as bebidas ele também acenou com cerveja de graça o mês inteiro. Mas só para alguém muito específico. “Cerveja de graça o mês todo, se matarem ele lá na cadeia”. Alguém pergunta: “E se for sofrida a morte?” Ele responde: “Aí eu dou o rabo”.
Dias depois, uma manhã tranquila de segunda-feira em São Paulo, pergunto ao empresário, apresentado em livro como “o colecionador de emoções”: a visão que ele tem do MST e o fato de ter tido fazenda ocupada pelo movimento fizeram diferença no momento de comemorar a prisão do Lula?
Ele responde: sim. Nesse momento ele passa a diferenciar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do que chama de “marginal” Lula, segundo ele corrompido pela Odebrecht. “O ex-presidente é um homem de esquerda, de grupos de esquerda, que acreditam que a terra é um bem social que tem de ser dividido para todos”, afirma. “Que nunca viram um cabo de enxada, que não sabem se bois têm chifres”.
Maroni pergunta o que João Pedro Stédile, um dos coordenadores nacionais do MST, fez na área rural: “Ele organiza grupos com interesses políticos”. E diferencia os sem-terra dos jovens que consumiram cerveja em Moema no dia 6 de março. “Os grandes movimentos de apoio ao PT são MST e CUT, que vão lá ganhar sanduíche de mortadela, não é o cidadão que veio à porta do Bahamas, feliz”.
Por causa do Bahamas, o psicólogo nascido em Jundiaí (SP) já foi condenado, esteve foragido e preso, acusado de formação de quadrilha e tráfico de mulheres. “É prostituição de luxo, sim”, costumava admitir. “Não vamos ser hipócritas”.
Em abril de 2017, porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a absolvição do empresário por exploração de prostituição. Seria culpado, na visão do colegiado, se o estabelecimento tivesse somente essa atividade. No entanto, alegou o ministro Rogério Schietti, o próprio Ministério Público do Estado de São Paulo definiu o Bahamas como sauna, bar e restaurante, com mesa de bilhar, piscina e pista de dança.
Hoje Maroni define o Bahamas como atividade “completamente lícita, mesmo sendo putaria, com garotas de programa”.
O empresário já foi candidato a vereador em São Paulo, em 2008, pelo PTdoB, com números finais 111 (o mesmo dos presidiários mortos no Carandiru), numa coligação chamada Tostão Contra Milhão. Obteve 5.804 votos. Na época ele declarou possuir R$ 73 milhões em bens. A maior parte (R$ 58 milhões) referente à construção do hotel Oscar, de 11 andares, excessivamente próximo do Aeroporto de Congonhas, e por isso interditado pela prefeitura – o que o leva a ter especial desprezo pelo ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD, à época no DEM).
Faziam parte de seu patrimônio, há dez anos, as cotas de R$ 150 mil na OMF Bahamas Hotelaria Restaurante American Bar e Balnearia Ltda, em Moema, e a Fazenda Santa Cecília da OMF, em Araçatuba, declarada por R$ 3,8 milhões – mais de dez vezes menos que o atual preço de venda. Mais um Jaguar, um Mercedes-Benz e um jet-ski, entre outros veículos. Ele também declarou uma distribuidora de bebidas – no papel a OMF Cobranças e Eventos Ltda, atualmente no nome do filho Aratã.
Aos 67 anos, quatro filhos (a primogênita Aritana participou dos reality shows MasterChef e, assim como o pai, A Fazenda), ele quer a Câmara dos Deputados. Slogan: “Quero ser a granada sem pino na casa dos deputados federais”. Ele diz que quer fazer “revolução interna” na Casa. Apresentará uma cartilha registrada em cartório, com propostas como pena de morte, redução da maioridade penal para 15 anos e reforma jurídica: “Não aceito que no STF ministros sejam indicados por pessoas: cabrita para tomar conta da horta”.
Essa cartilha terá 69 itens. “Que de putaria e zona eu entendo. Pode colocar, Brasília tá uma putaria mesmo”. O primeiro discurso também será registrado em cartório: “Vou dizer que não vou chamá-los de digníssimos colegas”. Desabrido, Maroni fala sem constrangimento de sua atividade principal e do que gostaria de fazer com esta ou aquela mulher. “Estou feliz graças ao Moro e à Carmen Lúcia. Corinthians campeão, só falta a Gisele Bündchen dar para mim”.
O candidato Oscar Maroni Filho diz que quer representar os pequenos e médios fazendeiros, aqueles com menos de mil alqueires. “Uma das mágoas minhas é a área rural”, afirma. “Não somos representados”. Diz acreditar numa reforma agrária séria, como na Austrália. “O Estado tem áreas férteis. Seriam desenvolvidos núcleos, com cooperativas, onde pessoas que queiram trabalhar com terra seriam arrendatárias. O Estado forneceria maquinário e conhecimento técnico”. Ele completa: “Não para quem não tem conhecimento”.
Ele não se vê representado pelos principais políticos ruralistas do país. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi? “Gostaria de debater com esse homem o custo para engordar um boi. Eu quero saber se esse ministro entende um pouco disso. Se ele sabe o que é um palanque de aroeira, se sabe o que é ter marginal na propriedade sem ter uma arma. Ministro da Agricultura só mexe com a soja?”
Ex-ministra da Agricultura, senadora Kátia Abreu (PDT-TO)? “O que Katia Abreu fez pela área rural? Não diria que ela desconhece, ela não conhece nada. Eu posso ser um médico que não conhece a medicina? Ela recebeu as terras de herança do marido. O que a CNA [Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil] faz para o agricultor? É um sindicato que nos rouba como os outros. Sempre me neguei a pagar, paguei na Justiça. Quero que me mandem o que fizeram nos últimos dez anos”.
Senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), fundador da União Democrática Ruralista, nos anos 80? “Caiado, vamos acordar mais, arregaçar um pouco mais a manga. Quando dou um tiro é direto. [Ele explica que está falando em tiro no sentido figurado]. Será que ele fez um bom trabalho na área rural? Área rural é uma situação caótica e confusa. O que Caiado fez? Vê o caos, a insegurança que é viver nas nossas terras”.
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Candidato ruralista à Câmara, Oscar Maroni arrenda fazenda polêmica, de R$ 55 milhões, para a Cosan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU