21 Fevereiro 2018
Pouco se explorou as culturas pré-hispânicas, mas uma tecnologia de medição a laser, que funciona como um grande escâner, ajuda a revelar uma magnitude completamente diferente dos povoados e seus impactos na floresta. É difícil associar a Amazônia, a maior floresta tropical do planeta, com um sítio de interesse arqueológico. Mas a verdade é que sob esse manto verde se encontra um território antes largamente habitado, cujo passado está sendo explorado com a ajuda da tecnologia.
A reportagem é de Victoria Dannemann, publicada por Deutsche Welle, 20-02-2018.
“Sempre se pensou que as grandes culturas se concentraram na região dos Andes, onde estavam os incas quando os espanhóis chegaram, e os monumentos de pedra são muito mais visíveis. No caso da Amazônia, estimava-se que havia pequenos povoados que viviam em harmonia com a natureza, num estado quase primitivo de caçadores e coletores, que nunca alcançaram um desenvolvimento maior”, diz a arqueóloga e professora da Universidade de Bonn, Carla Jaimes Betancourt.
Um projeto arqueológico em cooperação boliviana e alemã iniciado em 1999 mostra uma realidade completamente diferente. A pesquisa realizada pelo Instituto Alemão de Arqueologia na Llanura beninana (Llanos de Mojos), planícies no norte da Bolívia, indica um assentamento entre 400 e 1400 d. C. que seria muito maior do que pensado anteriormente.
Embora a população pré-hispânica da região não possa ser quantificada, sabe-se que era muito mais densa do que atualmente e que as aldeias desenvolveram técnicas agrícolas para garantir uma subsistência autônoma.
“Antes se excluía a possibilidade de que na Amazônia houve cultivo. Mas com o abate de árvores e o avanço da agricultura no Brasil, muitos locais arqueológicos foram encontrados e foi notado que havia algo muito maior do que era esperado”, afirma o especialista Heiko Prümers, do Instituto Alemão de Arqueologia.
A região Llanos de Mojos compreende uma área de cerca de 110 mil quilômetros quadrados, no departamento (estado) de Beni, o maior da Bolívia. Atualmente, a região concentra grande diversidade cultural, com mais da metade dos 32 povos originários do país. Apesar de ser um ambiente difícil, com duas estações, uma chuvosa e outra seca, os povos pré-hispânicos conseguiram se adaptar ao meio ambiente com sucesso ao criar valas para evitar inundações e plataformas elevadas para o cultivo e a habitação.“Tendo sobrevivido num ambiente desse tipo, para uma população muito densa, por uns mil anos, é uma grande conquista, levando em conta as inundações, os tempos de seca e a fraca qualidade do solo”, afirma Prümers.
No sudeste dos Llanos de Mojos, arqueólogos alemães e bolivianos investigaram os montes monumentais. Trata-se de elevações de diferentes tamanhos, que hoje se parecem com colinas em meio à vegetação, mas na realidade são construções de forma piramidal em plataformas de terra, acumuladas durante mil anos. Elas cobrem até oito hectares, cercados por um aterro que os rodeia, e podem atingir até 25 metros de altura.
Nestas elevações foram estabelecidas colheitas, casas e cemitérios, e estão interligadasNestas elevações foram estabelecidas colheitas, casas e cemitérios, e estão interligadas por meio de estradas.
Nos túmulos é possível notar que se tratou de uma sociedade hierárquica. Em um deles, um homem foi enterrado com oferendas de materiais trazidos de outras regiões, uma placa de metal em sua testa, algemas de metal e um colar de dentes de onça. Há também descobertas de cerâmicas, pintadas com desenhos muito elaborados e estéticos.
No nordeste dos Llanos de Mojos, destacam-se as grandes valas circulares. Já em 2011, a equipe arqueológica boliviana-alemã havia realizado explorações nesta área com a tecnologia de varredura a laser LiDAR, a mesma que recentemente causou espanto pelos gráficos dos assentamentos maias na Guatemala e que permite fazer um mapa tridimensional da topografia do terreno e suas condições, enquanto elimina a vegetação de suas imagens.
“Fomos os primeiros a usar o LiDAR para a arqueologia em toda a Amazônia”, destaca Prümers. “É um método que economiza muito tempo e trabalho para medir e mapear, saber onde estão os sítios, quais tamanhos possuem e a relação das construções no espaço.”Na Amazônia, esta ferramenta é especialmente valiosa, pois é uma área extensa, pouco explorada, com vegetação densa e acesso difícil. “Ecologicamente, o LiDAR é muito bom, porque não é preciso desmatar para fazer medidas arqueológicas”, explica Jaimes.
O trabalho de interpretação e estudo dessas imagens é fundamental. “o LiDAR nos permitiu ver a magnitude do que enfrentamos, ao comprovar que os sítios circundados por valas não eram unidades separadas, mas parte de um sistema maior com sítios interrelacionados”, afirma a arqueóloga.
No futuro, eles esperam levar essa tecnologia à área dos montículos, onde se estima que havia cerca de 350, mas apenas três foram medidos até então. Isso significa um ano de trabalho com um topógrafo e profissionais que abriram as lacunas de medição. Com o LiDAR, esses planos seriam feitos em um dia e com mais detalhes.
“Isso certamente permitiria ver como esses montículos grandes estavam interrelacionados e, talvez, vamos acabar deixando de pensar que eles são edificações separadas”, diz Jaimes.
“As imagens em 3D das estruturas piramidais e de estradas, barragens e canais que cercam os sítios nos permitiram ver como aproveitaram a paisagem. Este intercâmbio com o meio ambiente explicaria como eles sobreviveram por mil anos nesta região”, aponta Prümers.
“Quase sempre se pensou na Amazônia como os pulmões do mundo, onde pessoas viveram em harmonia com a natureza sem afetá-la, mas os estudos de arqueólogos e ecologistas mostram que toda a riqueza e a biodiversidade desta região é um produto de atividade humana há milhares de anos”, explica Jaimes.
“Essas culturas amazônicas nos ensinam que o Homem pode ser um bom ator, que pode até ajudar a manter ou promover essa biodiversidade. Esse é o maior legado e ensinamento que esses povos nos deixaram – pensar que é possível um desenvolvimento cultural sem a necessidade de destruir nosso meio ambiente”, concluiu a especialista.
Novos estudos poderiam ajudar a esclarecer alguns mistérios, como a causa do fim do assentamento, em torno de 1400. “Esta é uma área muito sensível às mudanças climáticas, como inundações ou secas. Ainda não compreendemos muito bem o que ocorreu, mas quando os espanhóis chegaram, a área estava desocupada”, afirma Prümers.
Posteriormente vieram as epidemias, o processo de conquista e, no período colonial, a exploração da borracha. “Muitos povos da Amazônia foram escravizados, um etnocídio foi cometido. Atualmente, apesar de haver culturas muito fortes, elas são apenas vestígios do que antes existiu”, destaca Jaimes.
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Os tesouros ocultos da Amazônia boliviana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU