24 Janeiro 2018
Há uma ansiedade "simplista, equivocada e binária" em torno do julgamento em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Porto Alegre. Erram os que acreditam que uma decisão definitiva sobre um futuro na prisão, como ficha-suja ou à frente do Palácio do Planalto, acontecerá nesta quarta-feira.
A avaliação é do cientista político Christopher Garman, diretor para América Latina da consultoria Eurasia Group, em Washington.
A reportagem é de Ricardo Senra, publicada por BBC Brasil, 24-01-2018.
Em relatório enviado a investidores internacionais, a equipe chefiada por Garman prevê que Lula tenha entre 30% e 40% de chances de concorrer à Presidência da República, independentemente do resultado do julgamento, que será conduzido por três desembargadores do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), a partir das 8h30.
"Se a decisão dos juízes for unânime contra o presidente, (a chance de concorrer) está mais para 30%. Se houver discordância e ficar em 2 a 1, talvez mais para 40%", explicou o diretor, que não vê a possibilidade neste momento de uma votação favorável a Lula.
As chances de Lula, mesmo em caso de derrota, seriam fruto de uma série de possíveis recursos a que seus advogados têm direito, segundo a lei brasileira (veja mais abaixo).
Já a probabilidade de o ex-presidente vencer a disputa eleitoral após o julgamento, ainda que seja condenado, estaria em 30%, segundo a Eurasia Group.
"Mesmo que Lula possa concorrer à Presidência, sua base fiel de eleitores provavelmente será insuficiente em um possível segundo turno, dada sua alta taxa de rejeição", aponta o relatório.
A última pesquisa Datafolha, divulgada em dezembro, aponta que a rejeição de Lula chega a 39%, a maior entre todos os candidatos mais bem colocados.
Por outro lado, o petista lidera as intenções de voto em todos os cenários tanto no primeiro quanto no segundo turno, segundo o mesmo instituto.
"Este processo todo pode se arrastar até o início de setembro, já em plena campanha", disse o analista à BBC Brasil. "O julgamento será o ponto de partida para uma série de desdobramentos."
Há pelo menos dois erros de avaliação comuns sobre o julgamento desta quarta-feira, segundo o diretor da Eurasia.
O primeiro seria a expectativa de que uma sentença negativa contra Lula signifique sua prisão ou a suspensão definitiva de direitos políticos.
"Não esperamos que os tribunais tomem uma decisão drástica como ordenar a prisão de Lula no período anterior às eleições", diz o relatório da consultoria.
"O TRF-4 só enviou outros condenados da Lava Jato à prisão depois que todos os embargos (ou recursos) foram concluídos. Isso significa que Lula deve permanecer fora da prisão durante todo o primeiro semestre deste ano", aponta a Eurasia, ressaltando que, se apelar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), como é esperado, Lula também poderá antecipar um pedido de habeas corpus para aguardar sua sentença em liberdade.
O segundo erro, mais frequente entre analistas do mercado financeiro, seria antecipar uma eventual avaliação unânime contra o ex-presidente como sentença irrevogável.
Uma votação unânime, sem qualquer discordância entre os juízes, é improvável, na avaliação da Eurásia.
"É pouco comum que desembargadores do TRF-4 concordem absolutamente em todas as partes da sentença. Isso nos faz acreditar que Lula provavelmente será capaz de questionar a decisão, mesmo se houver condenação unânime", aponta a consultoria.
À BBC Brasil, Garman completa: "Ao contrário do que muitos dizem, mesmo que o resultado seja 3 a 0 contra Lula, uma série de recursos será usada pelos advogados, e isso faz parte do jogo".
A defesa de Lula tem na manga duas modalidades de recursos - ou embargos -, em caso de uma nova derrota em Porto Alegre.
Se o voto dos três desembargadores for contrário ao presidente (3 a 0), Lula poderá recorrer aos chamados "embargos de declaração", que servem como pedidos de questionamentos, sem poder de alterar a decisão do julgamento.
Esses recursos são avaliados pelos mesmos desembargadores responsáveis pela sentença. "Os embargos de declaração costumam levar 15 dias para serem votados. Depois, os advogados podem entrar com um pedido de suspensão da inelegibilidade de Lula no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Isso traz tempo a Lula, mesmo que no fim das contas ele não possa concorrer."
Se houver qualquer discordância entre os juízes - 2 votos a 1, ou 3 votos a 0, mas com aplicação de penas diferentes -, a legislação permite que Lula recorra aos "embargos infringentes".
Essa ferramenta permite que a defesa questione a decisão do tribunal e a leve para a avaliação de outros três desembargadores, além dos responsáveis pelo julgamento original.
"Neste caso, os embargos infringentes devem ser decididos até junho pelo TRF-4 (responsável pelo julgamento atual), e depois devem seguir para o STJ e o STF", avalia Garman.
Mas qual é a chance de uma decisão contrária a Lula ser revertida a partir destes recursos?
"Em tese, o novo colegiado pode reverter a decisão de 2 a 1. Uma eventual inelegibilidade por ficha suja também pode ser revertida no STJ ou no STF. Mas dizer que isso é provável é um exagero. Nada garante que, em um colegiado com mais juízes, o voto será diferente."
Em caso de absolvição, o Ministério Público Federal também poderá recorrer contra o ex-presidente.
Para o diretor da consultoria, o PT deve manter a candidatura do presidente pelo maior tempo possível, independente do resultado desta quarta-feira.
"Eles farão o discurso da vítima, de que Lula é o candidato que as elites econômica e política estão tentando vetar. Nesse sentido, é curioso, porque Lula se coloca como candidato 'antiestabilishment'. Eles vão alavancar essa narrativa ao máximo, até que todos os recursos se esgotem, enquanto Lula percorre o país", aponta Garner.
Ele continua: "A ideia é alavancar o nome dele ao máximo, para que seus votos possam ser transferidos para o próximo candidato do PT em caso de inelegibilidade."
Entre investidores, especuladores da Bolsa e analistas econômicos, o principal temor em caso de vitória de Lula seria uma eventual reversão nas reformas emplacadas por Michel Temer - como o teto de gastos ou a Reforma Trabalhista.
Lula seria capaz deste feito?
"Não acho", responde o diretor da Eurasia. "Se eleito, ele começará o governo em um momento muito polarizado, com rejeição na sociedade e no parlamento."
O cenário dificultaria a formação de uma base política capaz de votar contra as reformas do antecessor, na avaliação do especialista.
"Lula não deveria em um primeiro momento ter uma coalizão muito grande, e isso tornaria as possibilidades dele conseguir reverter a Reforma Trabalhista, por exemplo, muito pequenas."
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Chance de julgamento definir futuro de Lula é 'zero', diz diretor de consultoria nos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU