20 Janeiro 2018
“Jesus disse a Pedro que confirmasse na fé a comunidade cristã. Hoje queremos isso de Francisco, que continue nos confirmando na fé, sem esquecer que esta se expresse na justiça e na solidariedade, no respeito a toda pessoa e a todo ser vivo, no cuidado da criação inteira”
A opinião é do teólogo peruano Enrique Vega-Dávila, professor da Pontifícia Universidade Católica do Peru, em artigo publicado no sítio Religión Digital, 19-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco chegou ao Peru, e me parece oportuno revisar as diferentes posturas existentes em torno da sua chegada. Em todas as paróquias de Lima, podem-se ver faixas que saúdam o papa, mas o clima não é o mesmo, dada a situação política do país.
As diferentes tendências evidenciadas no jornal peruano La República foram se polarizando, dado o contexto político e social em que se vive. Gostaria, nas seguintes linhas, de continuar a reflexão daquela coluna [disponível aqui, em espanhol] e aprofundar algumas delas.
Manteremos as cinco tendências evidenciadas na coluna acima mencionada: 1) de alegria, 2) de rejeição aberta, 3) acomodatícia, 4) de insatisfação e 5) de indiferença.
Do primeiro grupo, dissemos anteriormente que ele se identificava com o catolicismo praticante que motivou que uma boa quantidade de jovens fizesse parte da chamada “guarda do papa” e organizou uma série de eventos como vigílias, concursos de cantos, jornadas de reflexão sobre os temas abordados por Francisco ou o significado dos lugares que ele visitará nas terras peruanas – relacionados com o fenômeno El Niño e com a Amazônia tão bela quanto vulnerável, associada ainda à vulnerabilidade de muitas pessoas que vivem o tráfico ou de uma terra destruída pelo desmatamento e pela mineração ilegal.
Mas essa alegria não penetrou apenas no setor praticante, mas também no comercial, que, como em outros lugares, foi elaborando não só um kit com o necessário para a peregrinação, mas também camisetas, bandeiras e outros suplementos: o comércio não pôde perder a oportunidade de obter rendimentos com essa visita.
A segunda tendência, de rejeição aberta, foi se acentuando cada vez mais devido à insistência de um Estado que se reconhece como laico, mas que não soube se relacionar de modo correto com a Igreja Católica.
A isso, deve-se somar que a crítica atual está relacionada com a conjuntura do país, com um Executivo frágil, cada vez mais rejeitado e que se encontra associado à corrupção. Critica-se que o Arcebispado de Lima receba dinheiro de uma das instituições mais deslegitimadas do país, como o Congresso da República, pois dá a impressão de que, com uma mão, dão-se as doações e, com a outra, desestabiliza-se o país.
Deve acrescentar-se, além disso, que a rejeição explícita se acentuou com a falta de velocidade diante das acusações feitas pelas vítimas de pedofilia ou de violência sexual. A notícia de intervir no Sodalício foi muito bem recebida em muitos setores, mas é lida por esse setor como uma estratégia política para ficar bem diante do povo.
Devemos acrescentar, ainda, uma rejeição aberta expressada pela direita liberal, a quem a mensagem libertadora de Francisco é preocupante. Em um meio de comunicação local, lia-se recentemente, em uma coluna, que “sua percepção (de Francisco) sobre a economia de livre mercado e as causas em que supostamente ela ‘medeia’ é um sinal, pelo menos, preocupante”.
A terceira tendência, que reconhecíamos como acomodatícia, nos últimos meses, mostrou as suas garras e quis fazer de Francisco um patrimônio exclusivo. As discussões que ocorreram sobre onde deveria ser a celebração da Eucaristia na cidade de Lima evidenciaram à sociedade civil uma Igreja peruana dividida; por um lado, o Executivo coordenando ações e, por outro lado, o Arcebispado de Lima querendo monopolizar todas as coordenações.
Essa tendência certamente valoriza o magistério de Francisco – não lhe resta outra opção –, mas se sente ressentida pela mudança de perspectiva nas linhas pastorais, menos centrada no doutrinal e mais otimista com a permanente atitude missionária.
Cesar Augusto Barahona, em uma coluna anterior nesse mesmo jornal, questionava o pequeno debate teológico em torno da chegada do papa. Esse pequeno debate se deve ao fato de que aqueles que compartilham essa tendência se adequaram convenientemente a certas linhas promovidas pelo papa. Não vão entrar em debates públicos, nem vão contradizer algo dito pela Conferência Episcopal, mas tiveram, sim, suas próprias agendas em torno da visita de Francisco. Não vão dizer que estão contra ele, a sua abertura ou as críticas ao sistema econômico, mas empregam certas expressões que não lhes são favoráveis, mas sim manipuláveis.
Há também aqueles que estão insatisfeitos com Francisco, que esperam mais dele. Na primeira tendência, houve alegria com a intervenção no Sodalício – a segunda vê isso como uma estratégia política. Aqueles que participam dessa quarta tendência não são pessoas que se consideram inimigas do papa, mas assumem que aquilo que ele faz é muito barulho e pouca ação, muito pouco ou quase nada.
Eles certamente gostam das palavras de Francisco, mas, a partir dessa tendência, exigem mais estruturas de apoio que viabilizem aquilo que ele está propondo e que ele se expresse mais rapidamente. A resistência que gerou a terceira tendência foi tão forte que bloqueou ou invisibilizou qualquer iniciativa em torno da visita do papa que não esteja de acordo com um certo establishment. Isso dá corpo a essa tendência insatisfeita, pois não vê mudanças.
A atomização de certos setores progressistas católicos e a pequena participação midiática é um terreno fértil para pensar que não se faz muito. Aqueles que sentem insatisfação para com Francisco esperam, por exemplo, uma condenação clara da pedofilia e que ele rejeite presentes de pessoas relacionadas com a corrupção: uma mensagem a propósito da instabilidade política.
E não podemos esquecer “aqueles que não esperam nada de Francisco”. Nesse grupo, havíamos identificado aqueles que não professam nem o catolicismo, nem o cristianismo, nem fé alguma. A diferença entre o setor de rejeição e este é indiferença sobre o tema papal.
É verdade que o Peru tem uma maioria católica, e não existe a rejeição aberta como se manifestou no país irmão do Chile, mas também existe uma minoria para a qual Francisco será um evento social, político, certamente histórico, mas que não mudará uma vírgula da sua existência, assim como a sua figura não é relevante.
Há alguns meses, quisemos evidenciar essas tendências, já que o país é heterogêneo. E o ratificamos: não podemos rejeitar nenhuma dessas tendências, pois, a seu modo, estão expressando constantes humanas que devem ser evangelizadas não sob a imposição ou a massificação, mas pelo testemunho e pela resposta madura aos questionamentos.
Gostaria de finalizar insistindo em algo que me parece fundamental. Aqueles que, como eu, acreditam nessa primavera eclesial não devem permitir que a mensagem de Francisco seja domesticada nem pelos setores acomodatícios, nem pelas pessoas entusiastas do comércio.
É verdade que a situação política do Peru neste momento é alarmante – a institucionalidade corre o risco de ser novamente encolhida –, por isso, até a própria palavra “reconciliação”, empregada com tanto frisson por certos setores políticos, deverá ser usada com cautela.
A força de Francisco pode ser interpretada de modo acomodatício. Há atores e atrizes do mundo da política aos quais convém um papa “soft”, que não se meta nos embates políticos. Outro setor demanda uma palavra de condenação clara sobre vários temas, e o certo é que, junto com as tensões existentes, o anseio de algo melhor para o país já é um grito poderoso.
Termino repetindo o mesmo que disse na coluna anterior: “Jesus disse a Pedro que confirmasse na fé a comunidade cristã. Hoje queremos isso de Francisco, que continue nos confirmando na fé, sem esquecer que esta se expresse na justiça e na solidariedade, no respeito a toda pessoa e a todo ser vivo, no cuidado da criação inteira”.
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Como os peruanos acolherão o Papa Francisco? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU