16 Janeiro 2018
O Papa Francisco não apenas liberou as energias sufocadas do Concílio Vaticano II, mas está liderando a tentativa de ajudar a Igreja a seguir um novo paradigma.
O comentário é de Robert Mickens, publicado por La Croix International, 12-01-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Nesta semana, o Cardeal Pietro Parolin abordou a questão mais importante que se tornou a força motriz da pequena, mas tenaz oposição ao Papa Francisco e seu pontificado.
É a "mudança de paradigma" em larga escala na qual o Papa está trabalhando tanto para trazer para a Igreja Católica global.
Não foi exatamente assim que o Secretário de Estado do Papa articulou em uma entrevista em vídeo, postada na quinta-feira no sítio de notícias do Vaticano.
Mas olhando para as muitas mudanças e processos de mudança que Francisco tem começado desde sua eleição para Bispo de Roma, em março de 2013, a mudança de paradigma está definitivamente acontecendo. E isso tem tirado o sono de algumas pessoas muito influentes – dentro e fora da Igreja.
O que disse afinal o Cardeal Parolin? Ele usou a palavra "paradigma" por três vezes na recente entrevista conduzida pelo Secretariado da Santa Sé para a Comunicação.
Usou a palavra pela primeira vez para fazer referência à abordagem criativa do Vaticano na preparação para a reunião do próximo mês de outubro, o Sínodo dos Bispos, que discutirá questões relativas à juventude atual.
"Acredito que o aspecto mais inovador desta abordagem é a busca por uma nova relação entre a Igreja e os jovens, com base em um paradigma de responsabilidade que elimina qualquer forma de paternalismo", disse o cardeal.
Nas outras duas vezes em que usou a palavra, referiu-se à recepção da exortação apostólica do Papa sobre a família, Amoris Laetitia, pelos católicos.
"Sobre isso, também, acredito que usaria o mesmo termo, ou seja, em última análise, o que Amoris Laetitia trouxe foi um novo paradigma, que o Papa Francisco está levando adiante com sabedoria, prudência e também paciência”, afirmou.
O cardeal disse que críticos ao documento podem ter problemas com "certos aspectos do conteúdo", mas suas dificuldades “devem-se justamente a esta mudança de atitude que o Papa está pedindo de nós – uma mudança de paradigma”. Ele disse que esta mudança é "inerente ao próprio texto" e exige "este novo espírito, esta nova abordagem."
O cardeal fez alusão à centralidade assumida por essa "mudança de paradigma" – embora não repita o termo –nas reformas que o Papa lentamente vem tentando trazer para a mentalidade e as estruturas da Cúria Romana.
Mas o que ele não disse é que o próprio cristianismo passou por uma série de mudanças de paradigma ao longo da história. A mais recente - que estamos vivendo agora - na verdade começou a se desenrolar bem antes de o Concílio Vaticano II (1962-65) estar em andamento.
Os padres do Concílio tentaram discernir os sinais dos tempos e os estímulos do Espírito Santo e, quase com unanimidade, rearticularam os princípios da eclesiologia, da teologia, do ecumenismo e das relações eclesiais e civis para ajudar a preparar a Igreja Romana para essa grande mudança. Mas cada Papa que foi eleito durante e depois do Concílio Vaticano II – por excessiva prudência e, às vezes, reticência – procurou controlar cuidadosamente ou até mesmo refrear este processo.
Aliás, até a chegada do Papa Francisco.
O 265º sucessor de Pedro e quinto sucessor da era pós-conciliar não apenas liberou as energias sufocadas do Concílio Vaticano II que ajudariam a Igreja a entrar no novo paradigma, mas está liderando essa tentativa.
Isso é algo completamente novo. Pois, apesar de uma mudança de paradigma de base estar em andamento em muitas partes do mundo católico há décadas, nunca foi totalmente abraçada ou incentivada pelo Bispo de Roma ou por seus assessores no Vaticano. Muito pelo contrário!
A Igreja de Roma lutou com vigor por mais de um milênio e meio para proteger certas prerrogativas, privilégios e poderes acumulados, não através de qualquer mandato divino ou em cumprimento às Escrituras, mas através da benevolência e cálculos políticos dos governantes mundanos. Mais especificamente, apegava-se ao paradigma pós-Constantiniano inicial do cristianismo e à estrutura monárquica e os protocolos que foram adotados do Império Romano em colapso.
À medida que o cristianismo global continua sendo reestruturado no atual paradigma ecumênico, a Igreja Romana, em suas estruturas e seu ethos ultrapassados, desconectados do Evangelho e historicamente anacrônicos, está implodindo.
"A única forma de o Papa Francisco ajudar a salvar a Igreja de sua implosão é operando mudanças estruturais que promovam (uma) doutrina de governança compartilhada entre ele e todos os bispos, bem como aumentando a consciência da Igreja como communio de todos os batizados e garantindo sua plena participação na liturgia e a missão da Igreja”, conforme escrevi, em março de 2013, em um artigo no Tablet, nos primeiros dias do novo pontificado.
A continuação do artigo foi publicada várias semanas depois, argumentando o seguinte:
"Significa que o Papa Francesco vai ter que ajudar a libertar o papado de suas formas monárquicas e armadilhas e a Igreja Universal do eurocentrismo exclusivo. Por ser o primeiro Papa de fora da Europa em 13 séculos, ele parece ser a pessoa certa para acionar esta reforma radical e necessária..."
"Por ser nascido e criado no Novo Mundo, o Papa argentino também parece ser imune à mentalidade do ancien régime, que ainda habita a mente de muitos clérigos europeus conservadores de sua geração. A este respeito, opõe-se radicalmente de seu antecessor imediato”.
"Bento XVI certamente compreendeu a necessidade de reformar o papado e liberá-lo pelo menos de algumas de suas formas monárquicos, mas foi impossível para ele até mesmo saber como fazer isso. Como um eclesiástico Europeu de certa idade, por excelência, lamentou a perda da antiga ordem mundial, em que a nobreza (entre eles os bispos) trouxe estabilidade à sociedade e protocolos milenares ajudaram a preservar uma cultura e um ethos Euro-Católicos em erosão”.
"O Papa Francisco aparentemente não compartilha dessa mentalidade, nem parece minimamente interessado nos rituais da corte papal antiga, muitos dos quais ainda permanecem e são defendidos com obstinação por figuras influentes em Roma... É mais provável que a ideia de monarquia – e, certamente, os desenvolvimentos monárquicos (deformações) do papado – tenha pouco ou nenhum valor para ele”.
"Portanto, dispensar a pompa não apenas seria muito fácil e natural para ele, mas também um dever essencial para satisfazer as exigências do Evangelho e ser fiel à verdadeira mensagem do cristianismo" (Tablet, 1º de junho de 2013).
Julgue por si mesmo se essa avaliação (ou previsão), escrita há mais de quatro anos e meio, é verdade.
Essas palavras certamente expressaram os receios dos críticos mais ferozes do Papa Francisco. Essas pessoas podem agarrar-se firmemente ao Código de Direito Canônico, ou ao "Denzinger" (livro do dogma do século XIX) e dizer que criticam por amor a Cristo e à sua Igreja; que o único objetivo é preservar seus ensinamentos imutáveis e milenares. Mas, como sugeriu o cardeal Parolin esta semana, sua oposição ao Papa Francisco tem pouco que ver com questões do ensino da Igreja.
Pelo contrário, a luta contra o atual Bispo de Roma tem que ver com sua obstinação de libertar a Igreja, de uma vez por todas, dos que (assim como eles) continuam teimando em se agarrar a cada último vestígio cambaleante das estruturas e da mentalidade de seu ancien régime exclusivista monárquico.
Esses críticos do Papa parecem ter muita dificuldade em distinguir o que pertence à essência da fé cristã Católica do não-essencial ou meramente cultural. Ficaram presos a um velho paradigma que – graças ao Papa Francisco – está desaparecendo ainda mais depressa.
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Francisco em busca de uma 'mudança de paradigma' em larga escala - Instituto Humanitas Unisinos - IHU