06 Janeiro 2018
“O Concílio é a nossa marca registrada”: foi assim que o presidente, Pe. Roberto Repole, apresentou ao pontífice o trabalho da Associação Teológica Italiana (ATI), que, em 2017, festejou o cinquentenário da sua fundação. O Vaticano II, explicou, “sempre representou a bússola do nosso trabalho comum”: um ponto de referência não só para os temas tratados, mas também para a virada teológica que ele representou, pela sua pastoralidade e pela imagem de Igreja que entregou, a “do povo de Deus”.
O texto foi publicado no jornal L’Osservatore Romano, 30-12-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Além disso, acrescentou o Pe. Repole, os fundadores da ATI tiveram como intenção “traduzir o Concílio para o italiano”. Desde os primeiros anos, a associação foi o lugar onde pôde ser feita uma verdadeira pesquisa teológica a partir de dentro de uma comunidade: “Naquele debate livre e franco que tal pesquisa requer e pressupõe, e no respeito pelas posições, até mesmo as mais diversas”. Um caminho não isento do risco de passos em falso, já que, disse ainda o presidente, “a maior tentação de um teólogo é de falar de Deus como de um ausente”, tanto que o padre De Lubac dizia a esse respeito: “Maldito o conhecimento que não leva a amar!”.
Um caminho, porém, que, em 50 anos, também trouxe frutos preciosos, fazendo com que a associação se tornasse um dos mais importantes lugares de elaboração teológica na Itália. E “uma das alegrias mais profundas de um teólogo”, afirmou o Pe. Repole, “é a de poder conhecer, cada vez mais intimamente, aquele Deus a quem se ama e por quem fomos chamados e atraídos, e de poder comunicá-lo generosamente aos outros”.
No encontro, o Papa Francisco proferiu um discurso às teólogas e aos teólogos italianos.
Caros irmãos e irmãs,
Dou-lhes as boas-vindas e agradeço ao seu presidente pelas suas palavras. Nestes dias, estamos imersos na contemplação jubilosa do mistério do nosso Deus, que se envolveu e se comprometeu de tal modo com a nossa pobre humanidade a ponto de lhe enviar o seu Filho e de assumir, n’Ele, a nossa frágil carne. Todo pensamento teológico cristão só pode começar, sempre e incessantemente, a partir daí, em uma reflexão que nunca esgotará a fonte viva do Amor divino, que se deixou tocar, olhar e saborear na manjedoura de Belém.
Em 2017 a Associação Teológica Italiana completou meio século. Quis me unir a vocês ao dar graças ao Senhor por aqueles que tiveram a coragem, há 50 anos, de tomar a iniciativa de dar vida à Associação Teológica Italiana; por aqueles que aderiram a ela nesse tempo, oferecendo a sua presença, a sua inteligência e o esforço de uma reflexão livre e responsável; e, sobretudo, pela contribuição que a associação de vocês deu ao desenvolvimento teológico e à vida da Igreja, com uma pesquisa que sempre se propôs – com o esforço crítico que lhe compete – a estar em sintonia com as etapas fundamentais e os desafios da vida eclesial italiana.
É digno de nota o fato de que a Associação Teológica Italiana nasceu, como diz o primeiro artigo do seu Estatuto, “no espírito de serviço e de comunhão indicado pelo Concílio Ecumênico Vaticano II”. A Igreja sempre deve se referir àquele evento, através do qual teve início “uma nova etapa da evangelização” (bula Misericordiae vultus, 4), e com o qual ela assumiu a responsabilidade de anunciar o Evangelho de um modo novo, mais adequado a um mundo e a uma cultura profundamente modificados.
É evidente que esse esforço pede de toda a Igreja, e dos teólogos em particular, que seja recebido sob o sinal de uma “fidelidade criativa”: na consciência de que, nesses 50 anos, ocorreram ainda mais mudanças, e na confiança de que o Evangelho possa continuar tocando também as mulheres e os homens de hoje.
Por isso, peço-lhes que continuem permanecendo fiéis e ancorados, no seu trabalho teológico, ao Concílio e à capacidade que, lá, a Igreja mostrou de se deixar fecundar pela perene novidade do Evangelho de Cristo; assim como vocês fizeram, aliás, nessas décadas, como atestam os temas escolhidos e tratados por vocês nos congressos e nos cursos de atualização, além do recente e poderoso trabalho de comentário a todos os documentos do Vaticano II.
Em particular, é um claro fruto do Concílio e uma riqueza que não deve ser desperdiçada o fato de vocês terem sentindo e continuarem sentindo a exigência de “fazer teologia juntos”, como associação, que hoje conta com mais de 330 teólogos. Esse aspeto é um fato de estilo, que já expressa algo de essencial da Verdade a cujo serviço a teologia se põe. De fato, não se pode pensar em servir a Verdade de um Deus que é Amor, eterna comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e cujo desígnio salvífico é o da comunhão dos homens com Ele e entre si, fazendo-o de modo individualista, particularista ou, pior ainda, em uma lógica competitiva.
A pesquisa dos teólogos só pode ser pessoal; mas de pessoas que estão imersas em uma comunidade teológica mais ampla possível, da qual se sentem e fazem realmente parte, envolvidas em laços de solidariedade e também de amizade autêntica. Esse não é um aspecto acessório do ministério teológico!
Um ministério do qual hoje continua a haver uma grande necessidade na Igreja. De fato, é verdade que, para ser autenticamente crente, não é necessário ter feito cursos acadêmicos de teologia. Há um sentido das realidades da fé que pertence a todo o povo de Deus, até mesmo daqueles que não têm meios intelectuais particulares para expressá-lo, e que pede para ser interceptado e escutado – penso no famoso “infalível in credendo”: devemos ir frequentemente lá – e existem pessoas até muito simples que sabem aguçar os “olhos da fé”.
É nessa fé viva do santo povo fiel de Deus que cada teólogo deve se sentir imerso e pelo qual também deve se saber sustentado, transportado e abraçado. Porém, isso não impede que sempre haja a necessidade daquele trabalho teológico específico por meio do qual, como dizia o santo doutor Boaventura, se possa chegar ao “credibile ut intelligibile”, àquilo em que se crê enquanto é compreendido. É uma exigência da plena humanidade dos próprios crentes, acima de tudo, para que o nosso crer seja plenamente humano e não fuja da sede de consciência e de compreensão, a mais profunda e ampla possível, daquilo em que cremos. E é uma exigência da comunicação da fé, para que apareça sempre e por toda a parte que ela não só não mutila aquilo que é humano, mas também se apresenta sempre como apelo à liberdade das pessoas.
É sobretudo no desejo e na perspectiva de uma Igreja em saída missionária que o ministério teológico, nesta conjuntura histórica, é particularmente importante e urgente. De fato, uma Igreja que se repensa assim se preocupa, como eu disse na Evangelii gaudium, em tornar evidente às mulheres e aos homens qual é o centro e o núcleo fundamental do Evangelho, ou seja, “a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado” (n. 36). Tal tarefa de essencialidade, na época da complexidade e de um desenvolvimento científico e técnico sem precedentes, e em uma cultura que foi permeada, no passado, pelo cristianismo, mas na qual hoje podem se insinuar visões distorcidas do próprio coração do Evangelho, de fato, torna indispensável um grande trabalho teológico.
Para que a Igreja possa continuar a fazer ouvir o centro do Evangelho às mulheres e aos homens de hoje, para que o Evangelho chegue realmente às pessoas na sua singularidade e para que permeie a sociedade em todas as suas dimensões, é imprescindível a tarefa da teologia, com o seu esforço de repensar os grandes temas da fé cristã dentro de uma cultura profundamente modificada.
Há a necessidade de uma teologia que ajude todos os cristãos a anunciar e a mostrar, sobretudo, o rosto salvífico de Deus, o Deus misericordioso, especialmente em relação a alguns desafios inéditos que hoje envolvem o humano: como o da crise ecológica, do desenvolvimento das neurociências ou das técnicas que podem modificar o homem; como o das desigualdades sociais cada vez maiores ou das migrações de povos inteiros; come o do relativismo teórico, mas também prático. E, por isso, há a necessidade de uma teologia que, na melhor tradição da Associação Teológica Italiana, seja feita por cristãs e cristãos que não pensem em falar apenas entre si, mas que saibam que estão a serviço das diversas Igrejas e da Igreja; e que assumam também a tarefa de repensar a Igreja, para que seja conforme ao Evangelho que deve anunciar.
Gosto de saber que, muitas vezes e em diversos modos, também recentemente, vocês já fizeram isso: abordando explicitamente o tema do anúncio do Evangelho e da forma Ecclesiae, da sinodalidade, da presença eclesial em contextos de laicidade e de democracia, do poder na Igreja. Por isso, desejo que as pesquisas de vocês possam fecundar e enriquecer todo o povo de Deus.
E gostaria de acrescentar alguns pensamentos que me vieram à mente enquanto você falava [dirigindo-se ao Pe. Repole]. Não perder a capacidade de se admirar; fazer teologia no estupor. O estupor que Cristo nos traz, o encontro com Cristo. É como o ar no qual a nossa reflexão será mais fecunda. E repito também outra coisa que eu disse: o teólogo é aquele que estuda, pensa e reflete, mas faz isso de joelhos. Fazer teologia de joelhos, como os grandes Padres. Os grandes Padres que pensavam, rezavam, adoravam e louvavam: a teologia forte, que é fundamento de todo o desenvolvimento teológico cristão.
E também repetir uma terceira coisa que eu disse aqui, mas quero repeti-la porque é importante: fazer teologia na Igreja, isto é, no santo povo fiel de Deus, que tem – direi isso com uma palavra não teológica – o “faro” da fé. Recordo uma vez, em uma confissão, o diálogo que tive com uma idosa portuguesa que se acusava de pecados que não existiam, mas era muito crente! E eu lhe fiz algumas perguntas, e ela respondia bem; e, no fim, tive a vontade de lhe dizer: “Mas, diga-me: a senhora estudou na Gregoriana?”. Era mesmo uma mulher simples, simples, mas tinha o “faro”, tinha o sensus fidei, aquele que, na fé, não pode errar. O Vaticano II retoma isso.
Abençoo-os de coração e, por favor, não se esqueçam de rezar por mim.
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A tarefa da teologia hoje, com a bússola do Vaticano II. Discurso do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU