O processo: contra Francisco ou de Francisco?

Praça de São Pedro | Foto: Michal Osmenda - Wikimedia Commons

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12 Dezembro 2017

Dois significados de processo estão se enfrentando no debate eclesial contemporâneo. Parece-me útil refletir brevemente sobre essa distinção, que gira em torno do significado da mesma palavra.

O comentário é de Andrea Grillo, teólogo italiano, professor do Pontifício Ateneu Sant'Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua, publicado no blog Come se non, 11-12-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

a) Por um lado, existem minorias relutantes, mas muitas vezes bem financiadas, que pensam colocar "sob processo" o papa, levantando objeções sobre as suas posições doutrinais e disciplinares. Nesse caso "processo" assume o significado técnico de "colocar sob acusação".

b) Pelo outro lado, existem as palavras repetidas com as quais o próprio Francisco, juntamente com grande parte do episcopado e do povo de Deus, convida a assumir de uma nova maneira a identidade eclesial como "processo". O convite para a saída da autorreferencialidade e o reconhecimento do primado do tempo sobre o espaço é justamente a redescoberta do "processo" como lógica da fé.

Poderíamos observar, de um modo muito geral, que o sentido "jurídico" do "processo contra Francisco" e aquele "ontológico", do "processo de Francisco", não são necessariamente excludentes.

Na verdade, não é de todo certo que não possam e não se devam encontrar correlações precisas entre o primeiro e o segundo. Mas o fato é que, no atual debate, os dois significados acabam excluindo-se radicalmente. Especialmente o primeiro, o jurídico, não consegue compreender as razões do segundo, o ontológico. Pode "fazer processos" apenas porque não "reconhece processos".

Gostaria de me alongar um pouco sobre essa dificuldade.

A reação visceral ao pontificado de Francisco, evidentemente, está baseada em algo bem mais antigo do que ele, ou seja, sobre a ferrenha resistência da identidade católica no mundo moderno. A questão não é Francisco, mas a abertura da Igreja à modernidade, que encontrou uma virada decisiva no "processo" inaugurado pelo Concílio Vaticano II.

Uma vez que tal abertura não é compreendida, aliás, é considerada a causa de todo o mal, então a falta de aceitação do "processo conciliar" determina a "colocação sob acusação" do Vaticano II e, obviamente, do primeiro papa que aparece, não só biograficamente, como filho legítimo daquele Concílio.

A novidade do Concílio é, precisamente, ter assumido uma relação não-estática, mas processual e criativa com a tradição. A esse respeito, vale à pena ler o que escreve Ch. Theobald na última edição de "Vita e Pensiero" (5/2017, 77-84) com o título Uma nova gramática para reler o Concílio. Se o "depositum fidei" é essencialmente um "processo", que jamais se resolve em uma simples evidência proposicional ou intelectual, o discernimento da tradição precisa necessariamente lidar com a história comum, com história civil, com a cultura do ambiente. Para o discernimento da tradição não só a Palavra de Deus, mas também a "experiência dos homens" tornam-se assim decisivos (cfr. GS 46).

A alegação de "colocar sob acusação" essa leitura é uma antiga tentação das reações anticonciliares. Já havia se iniciado durante o próprio Concílio e acompanha todas as décadas subsequentes.

A alegação de um "processo inquisitório" contra Francisco depende da incapacidade de compreender a verdade e a urgência do processo com o que o Concílio reinterpretou profundamente a tradição.

Instaurar o processo não tem como objetivo Francisco ou o Concílio, mas a própria ideia de "processo", como forma de tradição. A resistência a Francisco torna-se assim tanto mais visceral, quanto mais se liga a uma concepção estática e monumental da tradição, sobre a qual ninguém tem o direito de encostar um dedo.

Sob esse ponto de vista, não se deveria falar sobre processo contra Francisco, mas de processo contra a tradição entendida como processo, como "gramática geradora", como "racionalidade histórica e procedural" (Theobald). A cultura católica bloqueada e traumatizada pelo mundo tardo-moderno se expressa "colocando sob processo" tudo o que não coincide com a sua própria visão fechada e asfixiada não só da experiência dos homens, mas, mais ainda, da Palavra de Deus. Maximalismo moral e fundamentalismo bíblico são os horizontes insuperáveis dessa cultura. E, não por acaso, trata-se de posições visceralmente estáticas, desprovidas de qualquer processo.

São a favor do processo apenas aqueles que não reconhecem a fé e a Igreja como processo.

Nota:

Andrea Grillo estará no Instituto Humanitas Unisinos - IHU participando do XVIII Simpósio Internacional IHU – A virada profética de Francisco. Possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo, de 21 a 24 de maio de 2018. Mais informações aqui.

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