Por: André | 19 Julho 2016
Com a prisão de José López, na madruga em que carregava bolsas com 9 milhões de dólares para o Mosteiro Nossa Senhora do Rosário de Fátima, coordenado pela irmã Alba, em General Rodríguez, o Episcopado argentino condenou, em um comunicado, “qualquer ato de corrupção”, em especial “aqueles que envolvem membros da Igreja”.
Agora, com a divulgação de imagens patéticas que mostram uma das irmãs ajudando a carregar as bolsas para o convento, o presidente do Episcopado, dom José María Arancedo, saiu pessoalmente para recriminar energicamente “os fatos vinculados à Igreja e que a chamuscam”.
Em uma entrevista ao jornal La Nación, Arancedo insistiu em que a Justiça tem que investigar estes graves fatos e advertiu que “a Igreja não pode cobrir ou ocultar por um espírito de corporativismo se alguém agiu mal ou cometeu um delito”.
Recolheu o sentimento e a indignação generalizada dos bispos que, com surpresa e sofrimento, vem tomando conhecimento ao ritmo das notícias dos vínculos próximos que o falecido arcebispo Rubén Héctor Di Monte, criador dessa comunidade religiosa, mantinha com o poder, particularmente com o kirchnerismo.
A entrevista é de Mariano De Vedia e publicada por La Nación, 16-07-2016. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Como repercutem na Igreja estas imagens?
Estes fatos que vinculam e chamuscam a Igreja não somente doem. Rechaçamos com toda veemência todo caso de corrupção. A Igreja deve colaborar com a Justiça para esclarecer a verdade dos fatos e submeter-se aos seus ditames, como qualquer cidadão. E como fizemos no comunicado, assim que tomamos conhecimento do escândalo das bolsas de López no mosteiro, manifestamos a nossa rejeição diante de qualquer ato de corrupção, público e privado, mas de maneira particular aqueles que dizem respeito a membros da Igreja, que, por sua missão e serviço, deveriam ser testemunhas íntegras e transparentes do Evangelho que pregamos.
Os bispos fizeram alguma avaliação, alguma autocrítica?
Nós nos pronunciamos imediatamente após o caso vir a público. Já a presença de López no mosteiro chamusca a Igreja. Diante dessas novas imagens, estamos à espera de que a Justiça esclareça os fatos, mas em um contexto de sofrimento, surpresa e de repúdio a todo ato de corrupção. Colocamo-nos a serviço da Justiça para buscar a verdade dos fatos. Os juízes têm que investigar e é fundamental que atuem com absoluta independência e sem pressões.
O Episcopado analisou a responsabilidade do mosteiro?
O arcebispo atual, Agustín Radrizzani, está analisando os fatos e seguramente investigará as responsabilidades correspondentes. A Igreja sempre respeita a jurisdição do bispo. Nós, como Episcopado, rejeitamos o que aconteceu. Encorajamos a Justiça para que atue, nos colocamos à disposição dos juízes.
As investigações podem comprometer a atuação do falecido arcebispo Di Monte?
A Igreja não pode, por corporativismo, negar se houve fatos. Sempre será meu irmão bispo, mas se alguém tem que reconhecer que agiu mal, tem que fazê-lo. O corporativismo tem um limite, e esse limite são os valores da verdade e da justiça. Pode doer, mas se alguém cometeu um ato ilícito, tenho que reconhecê-lo, dizê-lo e lamentá-lo. Não pode ser ocultado por um senso de corpo. Quando se perde esse limite, o corporativismo se converte em uma espécie de sociedade fechada, e isso não é bom.
A Igreja está preocupada em que venham à tona manobras irregulares ou vinculações pouco transparentes com o poder?
Sim, claro, nos preocupa. A relação da Igreja com o poder tem que ser de autonomia, de respeito e nunca de uma proximidade tão suspeitosa. Não podemos aprovar tudo isto. Qualquer ato de corrupção é ruim e mais ainda nestas circunstâncias. Pode haver colaboração com o Estado, mas sempre no respeito à lei. O triste é que se tenha utilizado de alguma maneira estas religiosas, embora a Justiça tenha que determinar as responsabilidades.
As religiosas do mosteiro são irmãs?
Não são irmãs, certamente. São mulheres consagradas, a quem o bispo Di Monte autorizou o uso do hábito religioso e certa estrutura. Viveram em comunidade nessa casa de retiros em General Rodríguez. Não são propriamente irmãs, mas para a opinião pública é difícil compreender a diferenças entre irmãs ou leigas consagradas. É uma associação privada de fiéis que começou a funcionar com a autorização do bispo e iniciou os trâmites em Roma para ser reconhecida como instituto de vida consagrada, mas isso não se completou.
Parece-lhe bem que tenham recebido ajuda do governo kirchnerista para a construção do próprio mosteiro?
Não conheço, neste caso, o quanto se pediu nem quanto foi dado. Mas se pediu algo ao Estado, tem que ser claro, seguindo as regras e transparente. Que não haja nenhuma possibilidade de corrupção. O Governo pode ter colaborado, assim como empresários, não sei. A Igreja quer que os fatos sejam esclarecidos, que a Justiça aja com independência e liberdade, e nós somos os primeiros a necessitar da clareza dos fatos.
Além da atuação da Justiça, cabe à Igreja investigar o que aconteceu e tomar medidas?
Cabe à Igreja através do bispo da diocese, que irá avaliando e avançando no conhecimento dos fatos. As dioceses não dependem da Conferência Episcopal, mas diretamente do Papa.
A Santa Sé ou o próprio Francisco poderiam intervir?
Poderia ser. O Vaticano tem capacidade para isso. Poderia pedir ao bispo que investigue o fato, que seja constituída uma comissão de investigação. Corre por conta da Santa Sé, através da Nunciatura. O núncio é o canal institucional e tenho entendido que levou tudo isso ao conhecimento do Papa.
Como este grave acontecimento afeta a credibilidade da Igreja?
É algo que nos faz sofrer. As pessoas têm que saber que a Igreja está comprometida com a verdade, a justiça e o amor, mas às vezes levamos esse Evangelho em vasos de barro. Que a fragilidade humana não obscureça a grandeza da mensagem de Jesus Cristo, pregado por homens frágeis. Ficamos sentidos ao tomar conhecimento do envolvimento de membros da Igreja, quando deveriam ser testemunhas íntegras e transparentes do Evangelho que pregamos. Somos os primeiros em nos acusar.
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“A Igreja não pode ocultar se alguém agiu mal”. Entrevista com José María Arancedo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU