08 Mai 2016
O ecumenismo vive um momento "muito bom" graças ao Papa Francisco, um "reformador" próximo das pessoas, capaz de gestos apreciados no mundo reformado, como a viagem a Lampedusa. Palavra de uma bispa luterana, a alemã Margot Kässmann, embaixadora para o Ano Luterano da da Igreja Evangélica da Alemanha, que abriu um congresso internacional e interconfessional (católico-luterano) em preparação ao 500º aniversário da "Reforma" de Martinho Lutero em 2017, no Pontifício Ateneu S. Anselmo.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada no sítio Vatican Insider, 05-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No Pontifício Ateneu S. Anselmo, Margot Kässmann, teóloga e bispa, abriu nessa quarta-feira, o congresso intitulado "Sinais de perdão – Caminhos de conversão – Práxis de penitência: uma Reforma que interpela a todos". O colóquio vai se concluir nesta sexta-feira, 6 de maio, com o relatório da professora Susan Wood sobre o tema "Do conflito à comunhão".
Eis a entrevista.
O 500º aniversário da Reforma Luterana, por um lado, e, por outro, a presença de um papa comprometido com uma reforma da Igreja Católica e com o diálogo com as outras confissões cristãs: é um momento especial para o ecumenismo?
Eu diria que sim: este papa é um reformador na sua Igreja, e eu diria que Martinho Lutero era um reformador na sua Igreja. Ele queria reformar a sua Igreja Católica Romana. Estamos em um estágio muito bom do ponto de vista ecumênico, porque ecumenismo, por um lado, significa discussão sobre a Igreja, a eucaristia, o batismo, os ministérios, mas, por outro, significa agir como cristãos no mundo. E, nisso, atualmente, estamos muito próximos.
O fato de que este papa venha de uma ordem religiosa, os jesuítas, nascidos em 1500 como resposta à Reforma Protestante ou como resposta à crise da Igreja Católica, é um problema para vocês?
Em certo sentido, Inácio de Loyola também queria reformar a Igreja. Eu diria que não é um problema. O papa, com as suas origens latino-americanas, tem uma visão muito diferente sobre o mundo, e muitos luteranos ou pessoas das Igrejas reformadas estão muito entusiasmados que ele vá para Lampedusa, que ele lave os pés de pessoas pobres em uma prisão, que ele vá ao encontro das pessoas. Não é um problema que ele seja jesuíta. A oportunidade é que ele é um papa próximo das pessoas.
Os problemas no diálogo ecumênico nascem das diferenças entre as Igrejas cristãs ou dos setores conservadores dentro de cada uma dessas Igrejas?
Obviamente, há linhas-duras e fundamentalistas em todas as religiões e em todas as denominações. Mas, por exemplo, na Alemanha, em nível paroquial, as pessoas não querem que o ecumenismo torne todos iguais: seria chato. Podemos permanecer diferentes. Mas, no respeito das diferenças, especialmente nas sociedades secularizadas da Europa, o desejo é dizer: somos diferentes em algumas convicções teológicas, mas estamos mais perto uns dos outros do que com os ateus ou com pessoas de outras religiões. Para mim, esta é a grande oportunidade do ecumenismo. Certamente, as forças conservadoras de cada Igreja e de cada religião não gostam do diálogo, porque o diálogo sempre significa afirmar: a verdade sobre Deus é a minha verdade, mas talvez alguém encontre outra verdade sobre Deus, e isso é tolerável.
Para ampliar o discurso aos ortodoxos, o bom relacionamento que o Papa Francisco tem com o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu, e o encontro histórico que ele teve com o Patriarca de Moscou e de Toda a Rússia, Kirill, mostra, na sua opinião, que o diálogo ecumênico se focaliza mais em questões mais concretas, como a imigração ou a secularização da sociedade, em vez de questões teológicas fundamentais?
Pode ser verdade que o diálogo é diferente, se olharmos para as questões do mundo e para como os cristãos deveriam agir no mundo. Mas, em relação à Igreja Ortodoxa e em particular a Igreja Ortodoxa Russa, devemos dizer que a Igreja Católica e a Luterana são mais próximas, porque ambas passaram pela época do Iluminismo. Eu acho que a Igreja Ortodoxa Russa ainda não está pronta para aceitar que vivemos em uma sociedade secularizada. Para mim, esse é um tema importante, porque eu tenho a impressão de que a ortodoxia russa ainda pensa em termos de Igreja como parte do poder que guia um país, enquanto, na Europa Ocidental, nos afastamos dessa concepção. A Igreja não guia um país, a religião não guia um país.
Sobre a perseguição aos cristãos, este papa afirma que o martírio dos cristãos já é um sinal de ecumenismo, porque aqueles que perseguem os cristãos não fazem distinção entre católicos, protestantes, ortodoxos: você concorda?
Em certo sentido, é triste, mas é verdade que aqueles que perseguem os cristãos não distinguem se são católicos romanos, reformados ou ortodoxos. Como cristãos, porém, devemos dizer que, se outros nos perseguem, a nossa resposta não será de persegui-los. Por exemplo, quando os refugiados chegam à Europa, eu acredito que não devemos distinguir se são cristãos, muçulmanos, judeus ou outra coisa, mas a atitude cristã, como disse Jesus, é de ser aberto ao estrangeiro, seja ele quem for e de onde quer que venha. Penso que a nossa resposta deve ser essa e não começar a distinguir, como fazem alguns países islâmicos radicais.
O que significa para o mundo luterano a viagem do papa para Lund, Suécia, para o quinto centenário da Reforma luterana, no próximo dia 31 de outubro? Você acha que Francisco também irá à Alemanha em 2017?
Na Alemanha, os jornalistas me perguntam constantemente se o papa vai ir para Wittenberg (a cidade alemã de onde partiu a Reforma de Lutero), e eu respondo que não é necessário: teremos um aniversário da Reforma na Alemanha com os católicos, os ortodoxos e os menonitas, teremos também momentos de diálogo com os judeus e os muçulmanos. Essa é uma celebração alemã, e, pela primeira vez, não celebramos o Lutero nacional alemão, mas celebramos globalmente, abertamente, ecumenicamente. O papa em Lund, para mim, é a consequência certa. É a Federação Luterana Mundial que o convidou, é o nível certo. O papa vai para Lund acolhido por uma arcebispa sueca, e eu acho que é um bom sinal global. Se o papa fosse para Wittenberg, eu acho que haveria um foco excessivo sobre o papa. O aniversário da Reforma na Alemanha, ao contrário, a meu ver, é a oportunidade para que pessoas de Deus falem da sua fé na sociedade secularizada alemã.
O que a Igreja Católica pode aprender com a Reforma e o que a Reforma pode aprender com a Igreja Católica?
Perguntar-se sobre o que podemos encontrar em outra Igreja que nós não temos, a meu ver, é uma boa atitude. O que eu realmente admiro na Igreja Católica Romana é que ela mantém a unidade global da Igreja, embora com muitas diferenças em seu interior, porque é muito melhor para mostrar ao mundo global qual é a Igreja. Os luteranos e os reformadores podem aprender com os católicos a não separar tão facilmente. Eu acho que aquilo que a Igreja Católica pode aprender com a Igreja Luterana, por exemplo, é que as mulheres podem ser sacerdotisas, bispas e, se tivéssemos um papa, também papisas, porque, para nós, o batismo é o sacramento-chave, e quem é batizado, como dizia Lutero, pode ser padre, bispo ou papa. Não é preciso ter medo das mulheres, leigas ou ordenadas. Isso ajuda a Igreja a estar mais perto das pessoas.
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"Este papa é um reformador da Igreja, como Lutero e Inácio de Loyola." Entrevista com a bispa luterana Margot Kässmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU