26 Outubro 2016
A situação da saúde indígena no Rio Negro é precária. À exceção dos tempos em que a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) cuidou de sua gestão, no início dos anos 2000. Depois que passou a ser responsabilidade direta do Estado, piorou muito. A opinião é compartilhada por várias lideranças indígenas ouvidas pelo ISA, para tentar entender o que acontece agora em relação à malária, que está sendo reintroduzida em áreas onde não mais ocorria. A falta de ações e de planejamento por parte do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei-Alto Rio Negro) e problemas de gestão são os fatores apontados para explicar o agravamento dessa doença.
A reportagem é de Inês Zanchetta, publicada por Instituto Socioambiental - ISA e reproduzida por Amazônia.org, 25-10-2016.
O alerta sobre a ocorrência da doença veio de Pieter-Jan van der Veld, técnico do ISA, que, de volta à cidade de São Gabriel da Cachoeira, depois de acompanhar por três semanas um levantamento de informações no Rio Tiquié e no Baixo Uaupés ao lado de técnicos da Funai e da Foirn, relatou a situação difícil que viu, com muitos índios doentes, sem medicamentos e testes para diagnóstico rápido. “Tem muita malária em todas as comunidades que visitamos. Uma verdadeira epidemia. E os agentes indígenas e as equipes de saúde na área sem remédios. Quando finalmente chegaram os remédios, eram tantos os doentes que o estoque esgotou rapidamente”, relata. Esse levantamento é parte dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) das Terras Indígenas do Rio Negro, que o ISA apoia. Também Pieter contraiu malária. Ao chegar em Manaus foi diagnosticado com a doença no Hospital Tropical.
“Originalmente não tinha malária das Tis do Rio Negro. Tem na cidade. O que acontece é que quando os indígenas vêm para a cidade pegar o dinheiro do Bolsa Família, ficam alguns dias, em condições precárias, e acabam sendo contaminados pela picada dos mosquitos e levam a doença para o mato, para suas comunidades”, relata o líder indígena André Fernando Baniwa que trabalha na Funai em São Gabriel da Cachoeira.
Passado, se houve um surto de malária, começava sempre na cidade. Ações das equipes de saúde conseguiram acabar com ele, e os rios nas áreas indígenas ficaram livres da doença por anos. Malária nos rios era uma exceção, não a regra. Não é mais”, constata Pieter. Ele também menciona o Bolsa Família como um dos fatores responsáveis pela exposição dos índios que vêm do interior para a cidade. “Mas o mais importante é o fracasso da assistência à saúde nas áreas indígenas”, avalia.
De fato, em fevereiro deste ano, a Foirn denunciou o estado lamentável e precário em que encontrava a atenção à saúde dos indígenas no Rio Negro, com equipamentos sucateados, outros nunca utilizados e abandonados, demora no atendimento a doentes que precisavam de internação com urgência, inadequação no transporte desses pacientes e medicamentos vencidos. Já naquela ocasião, a Foirn atribuía esse descaso à má gestão do Dsei.
André Baniwa conta que na última terça-feira (11/10), Vera Lopes, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), esteve reunida com as lideranças indígenas locais, com a Foirn, com o Dsei e o Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena), na Casa dos Saberes da Foirn, em São Gabriel, para apresentar os resultados de oficinas realizadas a partir de julho, e desenhar o quadro da situação atual da saúde na região. Trata-se de começar tudo de novo, de reestruturar o Dsei. Uma das propostas da Sesai é fixar profissionais de saúde distribuídos pelos 25 polos-base do Rio Negro. Muitos deles necessitam ser construídos ou reformados para abrigar as equipes.
Para o controle da malária a proposta da Sesai a curto prazo é promover ações articuladas para entrada em área entre a Secretaria Municipal de Saúde de São Gabriel da Cachoeira e a Fundação de Vigilância em Saúde, vinculada ao governo do Amazonas. Entre as ações de curto prazo previstas estão ainda a aquisição de material médico hospitalar pelo Dsei e para isso a Sesai irá enviar uma equipe técnica no início de novembro para treinar quem irá elaborar o termo de referência para compra dos insumos e dos medicamentos. Também está prevista a compra de 21 motores e 21 botes e uma articulação com o Exército para apoio logístico temporário e emergencial. Geradores e freezers foram comprados e estão em fase de entrega.
O diretor da Foirn, Marivelton Barroso Baré, conta que a malária nas comunidades é preocupante, porque só era frequente no perímetro urbano. E para combater esta e outras doenças é preciso organizar as equipes para fazer a prevenção. “Na comunidade de Assunção do Içana, por exemplo, tem medicamento para cuidar de 100 pessoas, mas não há quem faça esse serviço”. Ele atribui isso à incapacidade de gestão do Dsei. “Sempre fomos muito claros. Não vamos tapar o sol com a peneira. Vamos zelar pela transparência dos serviços e gastos dos recursos”, crava. “A realidade das comunidades clama por melhorias”.
Marivelton está confiante de que de agora em diante, com o plano apresentado pela Sesai, mais a participação da diretoria da Foirn, das lideranças, e de ex-gestores do Dsei que trabalhavam na época em que a Funasa cuidava da saúde indígena, a situação deve melhorar. “A Sesai tem se mostrado mais ativa. Houve uma mudança na forma de atuar de alguns meses para cá”, explica Marivelton.
David Feitoza, técnico do Ministério da Saúde, responsável pelas ações de prevenção e combate a malária na Secretaria Municipal de Saúde de São Gabriel, conta que o município, com 46 mil habitantes, é o primeiro colocado no ranking da doença no Brasil. Ultrapassou até Manaus que tem mais de um milhão de habitantes. “A grande quantidade de criadouros do mosquito Anopheles aliada ao fluxo populacional que se intensificou com o advento de benefícios sociais faz com que do dia 20 de um mês ao dia 5 do outro mês a população na cidade aumente em 40%”, explica. “Como não existem ações do Dsei nas áreas indígenas, as pessoas vêm e voltam infectadas”.
Ele também informa que a malária foi reintroduzida no Tiquié em setembro de 2015 e isso aconteceu por falta de ações emergenciais e de acompanhamento. O Tiquié era área livre de transmissão. “As ações têm de ser contínuas para curar a doença e essa responsabilidade é do Dsei, que tem de ter planejamento e gestão de equipes”.
Feitoza conta que a prefeitura realiza ações de vigilância com agentes de saúde fazendo diagnósticos e tratamento nos lugares de recebimento dos benefícios sociais e também nos locais onde eles ficam alocados que são o Arauari, o porto Queiroz Galvão, os bairros Tiago Montalvo e Miguel Quirino, na periferia de São Gabriel. Mas a continuidade e o acompanhamento do tratamento quando os índios retornam às comunidades é fundamental para combater a doença. Sem isso, a doença retorna. Sua maior preocupação agora é com o registro de cinco casos do tipo plasmodium falciparum, a forma mais grave da malária. “Os sintomas são tardios e quando se manifestam já não há muito o que se fazer”.
É uma infecção parasitária transmitida através da picada da fêmea do mosquito Anopheles infectado. Esses mosquitos geralmente picam entre o anoitecer e o amanhecer. São quatro as espécies principais do parasita da malária: o Plasmodium falciparum, o Plasmodium malariae, o Plasmodium vivax e o Plasmodium ovale. O falciparum é o mais grave de todos e pode levar à morte se não for diagnosticado rapidamente.
Depois da picada, a infecção vai para o fígado onde se multiplica e entra nas células vermelhas do sangue. Ali, os parasitas se multiplicam rapidamente até romperem as células, liberando ainda mais parasitas na corrente sanguínea. Nesse processo aparecem os sintomas típicos da doença, entre nove e 14 dias após o organismo ser infectado.
Os sintomas são ciclos de febre com calafrios e suor em grande quantidade, dor nas articulações, dores de cabeça, vômitos frequentes, convulsões e coma.
O diagnóstico da malária é rápido, feito por meio do teste da tira reagente ou por meio da observação do parasita em microscópio em uma amostra de sangue.
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Malária avança na Terra Indígena Alto Rio Negro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU