32º domingo do tempo comum – Ano B – Subsídio exegético

08 Novembro 2024

"As riquezas não te dão segurança alguma. Mais ainda: quando o coração se sente rico, fica tão satisfeito de si mesmo que não tem espaço para a Palavra de Deus, para amar os irmãos, sem para gozar das coisas mais importantes da vida. Deste modo priva-se dos bens maiores". (Papa Francisco, Gaudete et Exsultate, n. 68)

O subsídio é elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF:

- Dr. Bruno Glaab
- Me. Carlos Rodrigo Dutra
- Dr. Humberto Maiztegui
- Me. Rita de Cácia Ló
Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno

Leituras do dia

1ª Leitura – 1 Re 17,10-16
Salmo 145 (146)
2ª Leitura – Heb 9,24-28
Evangelho – Mc 12,38-44

Eis o texto.

A perícope Mc 12,38-44 é composta por duas unidades literárias: 38-40 e 41-44.

O ensinamento de Jesus e a menção dos escribas lembram combinadamente o texto precedente de 12,35. O ensinamento se divide na advertência introdutória, na descrição dos escribas que fundamenta a advertência e em uma ameaça conclusiva de julgamento.

A primeira crítica é dirigida à ambição que se expressa na busca pelo reconhecimento público. Note-se que o texto se abre em 12,38b pela advertência: blépete apò tõn grammatéon (guardai-vos dos escribas…). Os escribas exibem sua dignidade vestindo longos trajes festivos e exigem saudações deferentes nas praças e lugares de honra nos serviços religiosos e nos banquetes.

A segunda crítica é a mais pungente, pois estigmatiza a ganância dos escribas. No judaísmo, as viúvas (e órfãos) gozavam de proteção jurídica especial. Ex 22,21s exorta: “Não maltratarás a viúva nem o órfão. Se você os maltratar, quando eles me pedirem ajuda, eu ouvirei o seu clamor”.

As observações de Jesus permanecem inteiramente dentro da estrutura da mentalidade judaica. “Devorar casas” equivale à apropriação ilícita de bens. Certamente há uma caracterização exagerada e polêmica. Não está nítida a forma com a qual se apropriam dos bens das viúvas. Eles oferecem aconselhamento jurídico e exigem compensação exorbitante em troca? A sua conduta seria ainda mais corrupta se o seu ato de exploração estivesse ligado a uma oração hipócrita.

Aqui o que se condena não a atitude de rezar por muito tempo, mas sim o fato que isso aconteça com o desejo de ser visto por outrem.

Jesus não censura apenas uma simples vaidade ou necessidade de autoafirmação dos escribas. Seu olhar é muito mais profundo. Trata-se de uma questão de princípio. A missão dos escribas era interpretar a Torá – a Lei do Senhor – e ensiná-la às pessoas. Essa devia ser um serviço à comunidade. Mas para os escribas essa missão era ocasião de exercer poder, lucrar, obter uma posição de destaque, de se autopromover.

O contraste redacional com os falsos escribas não deverá ser procurado tanto na grande multidão que ouvia Jesus de bom grado (12,37b), mas na viúva pobre mencionada na seção subsequente.

v. 41-42. Jesus senta-se diante do gazophylakion, expressão que pode indicar a sala do tesouro que ficava na parte interna do templo, acessível apenas aos judeus, justamente no átrio feminino, bem como as caixas de oferendas. Na sala de tesouro havia treze caixas de oferendas, em forma de trombones, um dos quais destinado a ofertas voluntárias. Segundo 2Mc 3,6 na época de Seleuco IV a câmara do tesouro estava repleta de riquezas.

Muitas pessoas ricas oferecem muito. Se isso acontecia publicamente, em alguns casos pode ter ocorrido com autocomplacência. O termo chalkos se refere num sentido geral a dinheiro, não apenas moedas de cobre

No v. 42 é introduzida a personagem contrastante: kaì elthousa mya chéra ptoché: “vindo uma pobre viúva…”. Ela lança no cofre do templo uma quantia insignificante: leptà dyo: “duas leptas”, revelando assim sua amarga pobreza. O lepton era a menor unidade do sistema grego de moedas. O evangelista agrega ainda o correspondente romano: um quadrante. O quadrante, por seu lado, era a menor unidade do sistema romano.

Ao mencionar que a viúva oferece duas leptas o evangelista certamente quer destacar sua generosidade, visto que ela poderia ter permanecido com um lepton.

v. 43-44. A explicação de Jesus sobre o evento é apresentada por Marcos como uma instrução direta aos discípulos, que são então chamados com um tom de comando. A introdução do ensinamento com amèn légo ymin… “Em verdade vos digo” mostra que Jesus está em condições de avaliar verdadeiramente o valor do comportamento humano.

Na avaliação de Jesus, a viúva, com a sua oferta miserável, superou todos os ricos, porque estes deram do seu supérfluo, aquela deu da sua indigência. Seu sacrifício é maior e mais genuíno. O que dá valor ao ato não é a liberdade interior da posse – isto seria sentido no contexto da cultura grega – mas o amor a Deus que se expressa no ato. O que a viúva deu foi verdadeiramente tudo o que possuía, todo o seu sustento: ólon tòn bíon autes (toda a sua vida).

Marcos ressalta que toda a perícope é um ensinamento direto aos discípulos. Nas comunidades às quais o evangelista se dirige, o número de pobres terá sido maior do que o de ricos. Também na comunidade cristã os pobres estão em perigo de serem rejeitados ou desprezados. O fato de a viúva ser colocada como modelo aos olhos dos discípulos sugere que na sociedade daquela época, estava em dupla desvantagem: como mulher sozinha e como representante do estado de pobreza. A estima que os pobres gozam diante de Deus deve estimular a comunidade não só a imitar o exemplo da viúva, mas também a ajudar aqueles que, como ela, ficam sozinhos.

A perícope em seu conjunto destaca o contraste: escribas ávidos/viúvas vítimas, ricos/viúva pobre, para evidenciar exemplos e contraexemplos de confiança absoluta em Deus.

Relacionando com as outras leituras

A Primeira Leitura mostra uma viúva que confia na potência providente de Deus. Está contraposto ao comportamento de Elias aquele dos escribas do Evangelho que, “devoram as casas das viúvas”.

Com a Epístola aos Hebreus se cria uma correspondência total, definitiva e real de Cristo e da viúva evocada na 1ª Leitura e no Evangelho.

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