A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do Domingo da Páscoa do Senhor, ciclo C do Ano Litúrgico, que corresponde aos textos bíblicos: Jõao 20,11-18; Lucas 24,13-35.
+ Na alegria da ressurreição, prepare a oração, criando um clima de profunda intimidade com o Ressuscitado.
+ Suplique a Deus o dom da alegria com Cristo Ressuscitado; que a experiência da Ressurreição o(a) impulsione a viver com mais intensidade em comunhão com toda a humanidade e toda a Criação.
+ Antes de “entrar em contemplação”, repasse os “pontos” seguintes:
Mestre Crucificado, Mestre Ressuscitado. O ensinamento de Jesus revelou-se inseparável de sua vida; em outras palavras, Ele ensinou com sua vida.
Certamente, Jesus ensinou com parábolas, com gestos ousados... Mas, no final, o que educa de verdade é sua própria vida de Mestre amigo, terapeuta, compassivo, crucificado, ressuscitado... Por isso, não basta dizer que o ensinamento de Jesus “segue adiante”, mas que devemos acrescentar: Jesus mesmo, ressuscitado por Deus, é o autêntico educador.
Os relatos de suas Aparições nos revelam como Ele foi reconstruindo as pessoas, amigas e amigos, quebrados(as) pelo fracasso, pela tristeza, pela decepção... Jesus os(as) ressuscitou por dentro, despertando a vida bloqueada e abrindo o horizonte da missão.
“Olhar o ofício de consolar que Cristo nosso Senhor exerce” (EE. 224). S. Inácio utiliza esta expressão quando apresenta, na 4ª Semana dos Exercícios, a contemplação das aparições do Ressuscitado.
Consolar é o que define a ação do Ressuscitado, transformando a situação dos seus discípulos e discípulas: a tristeza se converte numa alegria contagiosa, o medo em valentia e audácia, a negação de Jesus em profissão de fé e martírio... Não se trata de um ato pontual senão de um “ofício” , que definirá para sempre a atividade de seu Espírito no mundo.
Nas cenas evangélicas das aparições, o efeito da presença do Ressuscitado sobre os discípulos e discípulas termina sempre em reconhecimento, em chamado e envio, em restauração de uma vocação e missão.
Jesus ressuscitado exerce sobre eles(elas) um original “ofício de consolar”, cujo efeito é iluminar o caminho pelo qual, em seu nome e com Ele, eles e elas hão de percorrer. O “ofício de consolar” é a marca do Ressuscitado, é força re-criadora e reconstrutora de vidas despedaçadas. Jesus “ressuscita” cada um dos seus amigos e amigas, ativando neles(as) o sentido da vida, reconstruindo os laços comunitários rompidos, e sobretudo, oferecendo solo firme a quem estava sem chão, sem direção...
O verbo “consolar” tem, no hebraico, um sentido mais amplo e forte que nas línguas latinas, porque, muito mais que animar a alguém abatido, expressa a ação eficaz de conseguir com que desapareçam os motivos de seu abatimento. Neste sentido, consolar não é tão somente acompanhar senão, também, inclui a ação de dar esperança, uma esperança fundada, capaz de produzir uma mudança radical no estado de ânimo do outro.
Nos relatos das aparições de Jesus Ressuscitado, esta experiência de ficar consolado aparece muito evidente, porque passa-se da angústia do túmulo vazio à consolação na presença d’Aquele que vive; é a passagem da ausência desconcertante à presença significativa.
O Ressuscitado se aproxima como Presença viva que comunica Vida: deixa-se ver, caminha, fala, interpela, corrige, anima, transmite paz e alegria. Em uma palavra, presenteia seu Espírito.
Sua maneira de se fazer presente é pessoal, personalizante, identificadora: dizer o nome, suscitar recorda-ções e experiências comuns, fazer vislumbrar projetos de futuro.
Outra vez Jesus re-cria a comunidade que, depois da Paixão, estava se desintegrando; e seus discípulos experimentam novamente o chamado e o envio, a serem testemunhas e cúmplices do Espírito, porque vivem a certeza existencial de que o Crucificado é o Ressuscitado, que a morte foi vencida, que Deus está constituído como Senhor.
Em meio à dor, os(as) discípulos(as) aprendem a confiar em Deus e a não se deixar levar pela tristeza.
A alegria não começa quando acabam as dores; a alegria é uma opção de vida, expressão da confiança em Deus, que torna possível enfrentar o sofrimento com esperança. A alegria não suprime o sofrimento, mas lhe dá sentido. A alegria não desconhece o sofrimento, senão que o enfrenta com confiança.
Em nosso uso habitual, a palavra “consolação” e o verbo “consolar” apontam para um profundo e rico significado: revelam um tipo de proximidade e comunhão com o outro capaz de lhe transmitir compreensão, alento, acolhida, impulso... ou seja, uma transmissão de energia que desperte nele suas próprias capacidades de reação diante de uma situação de tristeza, de fracasso, de desespero ou sofrimento...
Nos Exercícios Espirituais de S. Inácio, consolação e consolar são a linguagem e ação de Deus no ser humano, comunicação do Criador com a criatura, iniciativa de Deus que, quando é recebida com agradecimento e pureza, isto é, como dom gratuito e como escuta disponível, nunca deixam a pessoa consolada no mesmo lugar ou situação onde estava antes.
A consolação de Deus é sempre dinamizadora daquilo que é mais divino no ser humano.
Por ser manifestação da comunicação do Espírito de Deus ao espírito humano, gera sempre na pessoa, amor, alegria, fé, entusiasmo..., e desemboca sempre na missão.
Deus nos consola para que possamos consolar.
Na consolação, Deus nos chama a ser seus colaboradores. A consolação que recebemos do Senhor não nos é dada tendo em vista um desfrute narcisista e fechado deste dom espiritual, mas tem a finalidade de capacitar-nos para o “ministério da consolação”.
É um dom para a missão; se alguém se apropria dela como coisa pessoal, morre.
Dessa consolação de Deus, da qual nós mesmos e nosso mundo tanto necessitamos, somos chamados a fazer-nos receptores e mediadores.
Trata-se de uma consolação que é pura graça, que não está ao alcance de nossa mão dá-la a nós mesmos, nem dá-la aos outros, mas da qual podemos ser agradecidamente receptores e gratuitamente mediadores. Com isso, a consolação pode estender-se a outros muitos rincões da existência humana.
É tempo de auto-compreender-nos e atuar frente aos outros como enviados a exercer ativamente o “ofício de consolar”, tendo sempre presente que a consolação verdadeira pertence somente ao Espírito, já que não é outra coisa que a gratuita auto-comunicação do Deus trinitário à humanidade.
É Ele mesmo quem deseja compartilhar conosco este ofício, o ofício de consolar.
Consolação e “ofício de consolar” nascem e vem precedidas pela experiência de uma alegria pura e totalmente desinteressada pelo Senhor. Alegria interna e verdadeira que procede e provoca a missão.
Nada mobiliza tanto como o agradecimento e nada revela tanto o agradecimento como a alegria pura pelo bem do outro. A gratuidade é o habitat natural da consolação e do consolado.
Todos somos chamados a prolongar este “ofício de consolar” de Jesus; a experiência da Ressurreição nos move a “descer” junto à realidade do outro (seus dramas, fracassos, perda de sentido da vida...) e exercer este ministério humanizador, ou seja, ministério entre iguais, “vida que desperta outra vida”.
É vida plenificada, iluminada, integrada... pela experiência de encontro com o Ressuscitado e que flui em direção à vida bloqueada, necrosada... ativando-a, despertando-a...
É movimento expansivo da vida.
Assim como a consolação é o canal privilegiado pelo qual Deus se comunica e atua em nós, o ofício do consolo” é o canal por onde flui a vida.
Faça “memória” das experiências de consolação, suscitadas pela Graça de Deus ao longo desta Quaresma
- Recorde pessoas que foram “presenças consoladoras” em sua vida.
- Traga à memória situações em que você foi o(a) mediador(a) da consolação de Deus.
Iluminar a madrugada e tecer liberdade, nutrir a vida de compaixão e amizade, celebrá-la e oferecê-la de verdade, orar... Esse é o movimento de Ressurreição? É isto que o evangelista João quer destacar quando escreve que Madalena “saiu correndo”, que Pedro e João “corriam juntos”?
Que a Páscoa seja um tempo de movimento e cada um(a) discirna para onde correr!
Um Santo Tempo Pascal e todos e todas!