18 Agosto 2017
“Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre...” (Lc 1,41)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do Solenidade da Assunção de Maria (20/08/2017) que corresponde a: Lucas 1,39-45.
A festa da Assunção de Maria nos oferece uma privilegiada oportunidade para aprofundar o mistério de toda vida humana. A todos nos preocupa qual será meta de nossa existência. Para grande parte do povo católico, a festa de hoje, juntamente com a festa da Imaculada, é a festa de Maria. A Imaculada marca o começo de sua história, a Assunção marca o destino final. Entre ambos “mistérios” ocorre o transcurso de sua vida, numa contínua identificação com Deus, ao lado da vida de Jesus.
Assunção de Maria | Foto: Reprodução do Twitter da Diocese de Phoenix
Porque “assumiu” Deus em sua vida, Maria foi “assumida” totalmente por Deus; ela deixou Deus ser grande na sua vida; por isso, Deus a engrandeceu plenamente.
Realiza-se, portanto, em Maria a situação final, já dentro da história, situação prometida a toda humanidade: “ser um dia de Deus e para Deus”; Maria o é desde o início (imaculada) até o final (assunção), através de uma fidelidade de toda a sua vida.
Sabemos que o encontro definitivo em Deus só acontece quando preenchemos de sentido os “encontros” com aqueles(as) que cruzam nossas vidas.
No relato do Evangelho de Lucas, indicado para a festa de hoje, há duas mulheres, Maria e Isabel, que experimentaram profundamente o dom da gratuidade, e seu lugar de carência se converteu em lugar de abundância. As duas descobriram o dinamismo curador das relações e a riqueza que os encontros pessoais revelam.
As relações que nos constituem são o tecido pelo qual circula nossa abertura a Deus e por onde crescemos em humanidade, acolhendo e sendo acolhidos pelos outros.
Vivemos em um mundo hiperconectado, em contato permanente e presente, ao mesmo tempo, em todos os lugares. O mundo, nossa vida, se converteu num “chat” contínuo. No entanto, em meio a este “chat” universal, a conversação emudeceu; a maior parte de nossas “conversações” tornaram-se prisioneiras das telas (celulares, tablets, smartphones, internet). Corremos o risco de reduzir a comunicação à conexão. Banalizam-se os conteúdos da conversa, mas também são amputadas dimensões fundamentais da experiência da comunicação, sobretudo a presença física. Sem essa presença, sem o encontro pessoal, não é possível o diálogo e a verdadeira comunicação. Este empobrecimento da comunicação vivente com o outro, ou a atrofia e medo de um face-a-face, é sinal claro de uma profunda desumanização.
O “mistério da visitação” nos possibilita recuperar o sentido e o dinamismo de um encontro interpessoal. O encontro é uma realidade inter-humana dinâmica e, até certo ponto, tem algo de arriscado e imprevisível, derrubando todas as nossas prévias tentativas de controlá-lo.
Podemos planificá-lo preparando estratégias; podemos acolhê-lo cheio de expectativas ou, pelo contrário, sem elas, esperando uma mera formalidade, repetição de outras situações semelhantes; podemos nos mostrar desejosos ou desconfiados, seguros ou ansiosos.... De repente, algo inesperado acontece, na outra pessoa, ou em nós mesmos, ou no contexto, convertendo aquele encontro numa situação única e original, afetando nosso viver ou transformando nosso eu profundo.
O evangelista Lucas nos apresenta uma visita inesperada: a visita daquela que não permanece fechada nem ensimesmada em seu mistério; a visita daquela que se sente impulsionada a sair de si mesma para colocar-se a serviço daquela que está necessitada de ajuda.
Uma visita alegre, espontânea e gratuita, porque cheia da experiência de Deus; Maria que faz Isabel sentir a alegria de uma maternidade não esperada e Isabel que faz Maria sentir as maravilhas que Deus realizou nela. Uma visita que se expressa em dois cantos de louvor e ação de graças: “Bendita és tu que acreditaste” e “Minha alma engrandece o Senhor”.
As duas mulheres se encontram em diferentes momentos vitais: Isabel na terceira etapa de sua vida, Maria quase na primeira, entrando na segunda. Uma é estéril e anciã, a outra, jovem e virgem, ambas portadoras de uma vida maior que elas mesmas, conhecedoras do mistério que crescia em seu interior.
Devido à sua gravidez, as duas se encontram fora da norma social, do estabelecido. Isabel é idosa para poder conceber, e Maria está grávida sem estar casada. Ambas deviam sentir não só alegria no abraço, mas também a comoção e as dúvidas: “Que vai acontecer?”, “Como vamos ajeitar as coisas?”...
Elas apoiam-se mutuamente no momento no qual estão, na situação que atravessam; reconhecem-se e se confirmam; estabelecem um vínculo entre elas, aceitam-se mutuamente; não se julgam nem valoram em função do que a sociedade considera correto ou incorreto; compreendem o que significa para cada uma delas que algo novo está crescendo em seu interior.
Maria não vai só servir a Isabel; ela precisa de alguém que a partir de sua experiência lhe diga: “vai em frente, que isso é de Deus”. Necessita que Isabel a confirme e a bendiga. E Isabel, por sua vez, necessita agradecer o sonho de Deus que as duas compartilham e que se tornou possível.
Isabel e Maria se convertem cada uma em comadre, em parteira da outra; a partir de seus diferentes momentos vitais, vão se ajudar a esperar e a passar o processo do “dar à luz”. Na vida nova que está se gestando nelas, no secreto, anseiam em uníssono para trazer ao mundo algo de Deus que estava oculto.
As duas sabem de espera e de dores de parto. O parto não é um fato isolado e acontece nele a contração e a relaxação, a dor e o prazer, a posse e o desprendimento, a tristeza e a alegria, o medo e a confiança.
Isto que as parteiras mencionam como momentos do parto, do “dar à luz”, são momentos de nossa vida, de nossos encontros. Todos nos reconhecemos aí. Somos parteiros uns dos outros, e necessitamos cuidar desses processos cotidianos onde a vida do Espírito se manifesta como luz da vida.
À sombra do encontro entre Maria e Isabel e contemplando o modo de visitar e de ser visitado, agradecemos o tecido relacional que configura nossas vidas. É um tempo para orar os encontros, para considerar aqueles que precisamos continuar alimentando e aqueles que se romperam e que queremos reparar.
Agradecer os encontros que nutrem nossa vida. Trazer ao coração as pessoas significativas que nos fizeram provar o sabor do amor em nós e seus bons efeitos. Recolher agradecidamente os pequenos gestos de amor, de carinho, de escuta, de confiança, de paciência... que tiveram conosco.
Há visitas que não significam muito: só servem para matar o tempo e “jogar conversa fora”. E há visitas que despertam vida, que faz saltar a vida divina que carregamos dentro de nós.
Por isso, todos somos seres carentes de “mais visitações”. Visitações que despertem nossas possibilidades e sonhos, visitações que nos façam saltar de alegria, visitações que nos ajudem a reconhecer as maravilhas que Deus realiza em nós e nos outros.
Isabel e Maria se fazem valer mutuamente e despertam o melhor que há em cada uma. Viveram uma história de agradecimento e de libertação, se encontraram a partir da alma, a partir do mais profundo de si mesmas e se ofereceram mutuamente palavras amigas, palavras de encorajamento e de sabedoria.
Elas nos ajudam a nos perguntar: Quê tipo de história relacional queremos viver? Uma história a partir do ego ou a partir interioridade?
Sua casa, lugar de visitação e encontro, espaço humano de partilha, convivência, festa, ajuda...?
Ou, casa cercada de parafernália eletrônica de segurança, com entrada rigorosamente controlada..., impedindo o acesso até mesmo dos mais próximos (parentes, amigos)?
Seja uma casa sempre aberta: “entrada franca”;
Casa, lugar do lava-pés, do mandamento novo, da amizade, da visitação...
Casa, lugar de unção-acolhida, serviço e cuidado...
Casa, lugar da gestação de novas vidas, da experiência de nascimentos permanentes...
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Visitação: o encontro com o outro faz saltar a vida em nosso interior - Instituto Humanitas Unisinos - IHU