28 Julho 2017
Neste último “domingo das parábolas” (15º, 16º e17º), são-nos oferecidas mais outras três. São comparações que nos impelem a apostar tudo naquela que é a única riqueza verdadeira.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 17º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo A. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: “Já que pediste sabedoria para praticar a justiça, vou satisfazer o teu pedido” (1 Reis 3,5.7-12)
Salmo: Sl. 118(119) - R/ Como eu amo, Senhor, a vossa lei, vossa palavra!
2ª leitura: “Desde sempre, os predestinou a serem conformes à imagem de seu Filho” (Romanos 8,28-30)
Evangelho: “Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo” (Mateus 13,44-52 ou 44-46)
Escolher a Sabedoria
Entre a primeira leitura e o evangelho, temos ao menos um ponto comum: a escolha. De fato, podemos ver, na leitura, como Salomão escolhe a Sabedoria, ou seja, a arte do discernimento, de preferência a uma vida longa, à riqueza ou à morte dos seus inimigos.
No evangelho, igualmente, o homem que descobre o tesouro ou a pérola preciosa prefere-os a todo o resto. Salomão escolheu a Sabedoria, não por interesse próprio, mas por seu povo; povo, aliás, que não era propriedade sua, posto tratar-se do povo escolhido por Deus.
A oração do rei supõe, portanto, um desapossamento total. Não é proprietário sequer da Sabedoria, já que esta lhe vem de Deus, de quem, de alguma forma, será apenas um «oficial». E isto nos faz pensar no que, de diversas formas, Jesus nos fala no evangelho de João: «As obras que faço não são minhas, mas daquele que me enviou.»
O mesmo valendo para as suas palavras. De tal forma que, sendo totalmente transparente, exatamente por isto, através dele podemos ver e ouvir o Pai. Com uma diferença: Salomão recebeu a Sabedoria, já o Cristo é ele mesmo a Sabedoria. Aliás, escolher a Sabedoria já é Sabedoria.
Por isso Salomão é imagem do Cristo, tanto assim que este herdará os títulos de Salomão: Rei de Sabedoria, Príncipe da Paz, Rei da glória. Mas Salomão não é somente imagem do Cristo, daí suas derrapagens como sabemos: será por isso a origem da separação das tribos, enquanto que Cristo será a origem da sua unidade.
O povo sobre o qual Salomão deve reinar é numeroso; o povo de Cristo é a humanidade inteira.
A escolha do homem e a escolha de Deus
Passemos ao tesouro e à pérola. Grande, portanto, é a Sabedoria do homem que os escolheu e que por eles sacrifica todo o resto. O evangelho diz que, através das imagens do tesouro e da pérola, trata-se do Reino de Deus.
Reino este que vale preferir a tudo o que a existência nos possa dar, posto ser ele vida indestrutível e amor sem mancha alguma. Se, contudo, podemos escolher o Reino, é porque Deus nos escolheu antes: nossa escolha é, portanto, uma resposta a um amor anterior, se é que podemos falar de anterioridade, em se tratando de eternidade.
A 2ª leitura nos fala desta escolha primeira de Deus, com as palavras «os que de antemão ele conheceu», «predestinados a serem conformes à imagem de seu Filho». Nesta escolha recíproca, vamos encontrar o tema do matrimônio, que é bem mais que uma metáfora: os esposos passam a limpo o que se dá entre Deus e a humanidade, significando-o, como se pode ler em Efésios 5,26-32.
Se a Sabedoria consiste em amar (escolher) a Deus sobre todas as coisas, por isso mesmo, em sua mesma Sabedoria, Deus ama o homem sobre todas as coisas. Não por outro motivo, este de quem as palavras e o comportamento revelam Deus, Cristo, amou os seus «até o fim» (João 13,1), preferindo-os à sua própria vida.
Para Cristo, o homem é o tesouro escondido no campo, por quem sacrifica a sua vida, a sua honra, o seu poder e a sua glória; resumindo, a sua «forma divina», conforme diz Paulo em Filipenses 2,6-8.
O desejo da alegria
Em seus comentários sobre São João, Santo Agostinho insiste em que cada um é atraído pelo seu prazer. E, com o prazer em perspectiva, daí nasce o desejo. A escolha do tesouro e da pérola é, portanto, fonte de alegria: «Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens», diz Jesus.
Não somos, então, convidados ao masoquismo, à tristeza etc., como poderiam nos fazer pensar a necessidade de sacrificar tudo ao Reino e ao espetáculo da morte de Cristo. Trata-se de deixarmo-nos atrair por nosso desejo mais profundo, o desejo de viver, e viver para sempre no amor.
É verdade que este desejo fundamental é com frequência inconsciente, extraviando-se numa multidão de desejos ilusórios, porque o seu objeto não nos faz sair da perspectiva da morte. Concretamente, onde está o tesouro, onde está a alegria, onde se encontra o amor de Deus sobre todas as coisas?
Não tem mistério: está no amor, simplesmente; ou seja, no serviço ao próximo, uma vez que através dos outros é que amamos a Deus, este Deus a quem não se pode amar, isto é, servir, diretamente (1 João 4,20).
O que importa, portanto, é que nos interroguemos sobre o que desejamos verdadeiramente, o que procuramos em nossa existência, ou seja, qual o sentido da nossa vida. Sem esquecer que não se trata de nenhum esforço ascético, mas de deixarmo-nos atrair por este amor que nos precede: «Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrair» (João 6,43). Lemos em Mateus 6,21: "Onde está teu tesouro, aí estará também teu coração”.
O tesouro escondido
Tudo o que existe, tudo o que acontece é "comparável ao reino dos céus" porque tudo, salvo o pecado e o mal que ele acarreta, é à imagem de Deus. E até mesmo este mal (comentário precedente) é recuperado por Cristo em sua crucifixão, para gerar uma vida nova.
Eis aí o campo no qual está escondido o tesouro do Reino. O mistério da criação, que faz com que existam tantas coisas ao invés de nada e que faz com que eu mesmo esteja aqui, revela e também esconde a "mão" de Deus.
De tão habituados a habitar este universo, não mais nos admiramos com o fato de que ele esteja aí. Numerosos são, no entanto, os insatisfeitos, que procuram o tesouro que nele está escondido. Não é este o caso, na parábola, de quem o encontra.
E isto é importante, porque somos tentados a imaginar que somente os que buscam a Deus podem encontrá-lo. Mas Ele muitas vezes vem nos encontrar de improviso, tal como ocorreu com o escritor P. Claudel, por acaso, na catedral de Paris.
Os evangelhos estão cheios destes encontros, a exemplo do episódio da viúva de Naím, em Lucas 7-11, ou do chamamento de Mateus (Mt 9,9). O Reino, portanto, está aqui, na superfície e nas profundezas das nossas existências; e em toda a criação.
Por certo, nesta parábola, quem encontra o tesouro dá prova de certa desonestidade. Nas parábolas, os exegetas dizem que nem todos os detalhes são para serem explorados.
O que está posto em evidência, na descoberta do tesouro, é a alegria e o fato de que, bruscamente, tudo o que este homem possuía deixa de contar para ele. O que supõe que o tesouro do Reino é mais importante que tudo o que possamos ter além dele. Uma nova vida começa. Cabe a nós descobrir em que isto nos interessa.
A pérola rara
À primeira vista, poderíamos acreditar que a parábola da pérola só faz repetir a do tesouro. Reparemos, no entanto, diferenças importantes. Enquanto o homem que encontra o tesouro não buscava nada absolutamente, o negociante "procura pérolas preciosas".
Temos aí uma preocupação que parece um tanto estranha, no que diz respeito ao "Reino dos céus". Entretanto, o Reino esconde-se também nesta procura que vai agora ser preenchida e superada.
O negociante encontra o que procura, e tudo o que possui já perde imediatamente toda importância aos seus olhos. Somente a pérola excepcional ganha valor. Ele também vai vender tudo o que possui para adquiri-la.
Traduzindo: a vida que se leva nos domínios de Deus ultrapassa - e quanto! - tudo o que inicialmente contava para nós. A riqueza, em que colocávamos nossa segurança; a consideração, confundida com o valor; o poder, sob qualquer forma que fosse...
Estas três pequenas parábolas devem ser lidas em paralelo com a história do "jovem rico", em Mateus 19,20-21, por exemplo. Encontramos nelas, se queremos chegar até o fim e tomar posse do que há de melhor, a necessidade de "vender" tudo o que possuímos e em que depositamos uma confiança ilusória.
O que equivale, aliás, a nos libertarmos, colocando-nos no caminho para o Reino, em seguimento do Cristo. Este é o tesouro, esta é a pérola. A parábola do tesouro sinaliza a alegria de quem o encontra, enquanto que o jovem atracado aos seus "muitos bens" vai embora entristecido.
Estes textos nos ensinam notadamente que a nossa situação inicial não conta em nada para o negócio: quer sejamos alguém que passeia por um campo, um negociante à procura de pérolas, um observador da Lei em busca de boa consciência etc., um dia ou outro Deus virá nos encontrar, para nos abrir um futuro inesperado.
Olhos abertos às surpresas de Deus
O tesouro de Jesus Cristo e do Reino
Outros Comentários do Evangelho
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O verdadeiro tesouro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU