02 Dezembro 2016
“O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada...” (Mt 3,10)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 2º Domingo de Advento (04/12/2016) que corresponde ao texto de Mt 3,1-12.
As leituras do domingo passado nos falavam de velar, de vigiar, de estar desperto. Hoje falam aqueles que estiveram nessa atitude de sentinelas: os profetas. Situados em posições estratégicas, descobrem no horizonte a presença de sinais de vida ou de morte. Assim se convertem em vigias e mensageiros.
Neste 2º Domingo de Advento, os profetas Isaías e João tem a palavra. A palavra de um profeta nunca é fácil de aceitar porque move a mudar, e isso não tem muita ressonância em nosso interior.
O profeta é o homem que vê um pouco mais além, ou mais profundamente que o restante dos mortais. Essa vantagem nasce de sua atitude de discernimento; ele não se contenta ou não se conforma com o que vê ao seu redor e busca algo novo. Essa novidade ele a encontra em sua própria interioridade, e ali percebe as exigências que seu verdadeiro ser pede, para ele e para todo ser humano.
O profeta é a figura chave neste tempo de Advento. Não se trata de um adivinhador do futuro; tampouco devemos pensar em um ser humano separado dos demais, que, por eleição especial, Deus vai lhe indicando o que é preciso dizer aos outros. Profeta é todo aquele que está desperto e com os olhos bem abertos.
Ele não é um porta-voz enviado a partir de fora, é sempre um explorador do “interior humano” e que tem a valentia de viver a partir das raízes profundas de seu ser.
À luz das profecias, o Advento nos revela que somos seres de enraizamento e de horizontes, de interioridade e de universalidade... O desafio consiste justamente em manter juntos o enraizamento e o horizonte. Encarnados, mas abertos à transcendência. Nesse sentido, transcender não significa fugir da própria realidade, mas mergulhar na própria condição humana; “transcender é humanizar-se”.
Somos convidados, neste tempo litúrgico, não apenas a nos expandir e a voar para o alto, mas, fundamentalmente, a descer e a buscar o chão onde nos enraizamos. Por um lado, ter horizontes nos faz romper barreiras e ultrapassar os limites, impulsionando-nos à busca permanente do novo e do inspirador.
Por outro lado, vamos tomando consciência que no mais profundo de nosso ser encontram-se as raízes que devem sempre ser alimentadas e avivadas, pois são elas que sustentam o ponto de partida para o novo, para uma verdadeira mudança e conversão. É da nossa interioridade que “há-de-vir” (advento) as possibilidades e os recursos que farão nossas vidas mais abertas e oblativas, semelhantes à vida d’Aquele que “desceu” até às profundezas da condição humana.
A verdadeira nobreza do ser humano consiste nisto: há nele um desejo, uma força latente, como uma energia fundamental, que o impulsiona a viver, que o ajuda a crescer e a melhorar continuamente, que aumenta a sua capacidade de resistência, que o estimula a alcançar aquilo que é o sentido de sua própria existência: a verdade, a liberdade, o bem, o amor...
Com a presença desta força interior, a pessoa se sente guiada e sustentada no caminho da maturidade humana, proporcionando-lhe saúde física, lucidez mental e limpidez afetiva. É esta força que comanda os melhores momentos da sua vida como um princípio ativo, dinâmico, criativo...
Quando esta “força vital” permanece atrofiada, a pessoa perde a direção, não desenvolve suas potencialidades e demite-se da própria vida. É decisivo saber descobrir e canalizar essas energias espontâneas, capazes de promover a integração e que são facilitadoras de mudanças frente à finalidade de sua vida.
No tempo do Advento, tomamos consciência que a raiz de nosso ser essencial constitui nossa autêntica vida. Descobri-la, alimentá-la e viver a partir dela constituem a plenitude de nossa realização.
Precisamos viver mais nas raízes de nosso ser; precisamos aprender a viver de uma maneira mais profunda e autêntica, a partir do núcleo mais íntimo de nosso ser.
E viver a partir de nosso ser essencial significa integrar e harmonizar todos os níveis de nossa pessoa: corpo, mente, afetividade, coração... com a fonte de nossa vida. Trata-se de descer em profundidade, de encontrar o nosso centro, aquele ponto de gravidade por onde passa o eixo do nosso equilíbrio pessoal.
Advento, tempo das raízes! Tempo oportuno que nos mobiliza a descer ao nosso chão existencial, a olhar o mais profundo de nós mesmos e da realidade que nos cerca, para descobrir ali os ricos recursos de vida que ainda não foram ativados. O novo vem das raízes, vem de baixo, da base, do chão.
A fecundidade tem lugar no oculto, nas entranhas da terra.
Na vivência do Advento nos é pedido que mergulhemos os pés no “chão da vida”, como as raízes mergulham na terra de modo profundo, silencioso e lento.
Aqui, o caminho para Deus implica “descer” ao nosso próprio chão e viver em sintonia com todas as expressões de vida, numa fraternidade universal. Subimos, rumo ao Transcendente, quando descemos ao nosso chão. O movimento de enterrar profundamente as raízes possibilita alcançar a seiva, o pulsar da vida e o equilíbrio. A profundidade do enraizamento torna-se plataforma para poder alçar voo e ir além dos nossos limites e interesses estreitos, rumo ao Todo infinito.
O Advento nos faz lançar raízes no mais profundo de nossa condição humana e despertar todas as energias criativas, todas as grandes motivações adormecidas, toda bondade aí presente, toda decisão de assumir-nos como cooperadores de um novo tempo. Das raízes profundas brotam as respostas mais criativas e duradouras; das entranhas abertas emergem dinamismos que nos levam a ser presença inspiradora e diferente no contesto onde vivemos.
A experiência cristã, portanto, implica “mergulhar os pés na terra”. Expressões do nosso cotidiano como “pôr os pés no chão”, “estar com os pés na terra”, significam enraizar-nos e comprometer-nos com a realidade que nos afeta.
Um “chão” é sempre mais que um simples chão: cada chão revela lembranças, referências, medos, saudades...; cada chão guarda histórias, presenças e tem força de memória. Há vida, pessoas, caminhos, acontecimentos, experiências...
Chão amplo é convite a sonhar alto, a pensar grande, a aventurar-se..., ousar ir além, derrubar nosso modo arcaico de proceder, romper com os espaços rotineiros e cansativos.
“Chão humano e humanizante” porque carregado da presença divina. Cada pessoa é autêntico chão da eterna presença de Deus.
Onde nossos pés estão plantados? Onde nossas raízes existenciais buscam alimento?
“Orar com o coração” significa voltar os olhos mais para a interioridade, para poder reconstruir e reunificar as “forças” dispersas de si mesmo.
Diante de presença de Deus desça à própria realidade interior, até atingir as raízes de seu ser, para que dali brote o novo que sustentará e dignificará o seu viver.
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Advento: tempo de nutrir-se interiormente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU