27 Setembro 2018
João Batista Montini foi eleito Papa (na quinta votação) em 21 de junho de 1963 e assumiu o nome de Paulo VI. (Nota de IHU On-Line: hoje, 26 de setembro, é a memória litúrgica do beato Paulo VI que será canonizado no dia 14 de outubro juntamente com D. Oscar Romero).
Ele nasceu em Concesio (Brescia) em 1897, filho de um editor de jornal conhecido por seu grande envolvimento político e social. Montini tinha sido (desde 1937) um colaborador próximo do Papa Pacelli, mas quando em 1954 foi nomeado arcebispo de Milão havia murmúrios sobre seus desentendimentos com Pio XII. Ele participou muito ativamente dos trabalhos do Concílio Vaticano II convocado por seu predecessor João XXIII. Promoveu a reconciliação com a Igreja patriarcal de Constantinopla e a revoga das excomunhões recíprocas de 1054.
A reportagem é de Paolo Miele, publicada por Corriere della Sera, 25-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 1964, com uma viagem à Terra Santa, abriu o caminho para as missões dos pontífices fora das fronteiras italianas. Ele também foi para Bombaim, Bogotá e à sede das Nações Unidas em Nova York.
Em 1967, com a encíclica Populorum progressio, defendeu que a paz seria inatingível enquanto o mundo estivesse dividido entre pobres e ricos. Em 1968, ele promulgou a encíclica Humanae vitae, com a qual reiterou a doutrina da Igreja sobre a regulamentação dos nascimentos. Expandiu o colégio cardinalício e excluiu do direito de serem eleitos Papa os cardeais com mais de oitenta anos. Ele inaugurou uma política de distensão com o mundo comunista. Em 1978, à beira da morte, esforçou-se para salvar Aldo Moro "da prisão das Brigadas Vermelhas". Este, em resumo, é seu perfil histórico. Mas, obviamente, Paulo VI foi muito, muito mais que isso.
Por um lado, aquilo que aconteceu entre ele e Angelo Roncalli foi um confronto quase insuportável, "pelo poder da imagem representada pelo ‘Papa bom’ depois dos vinte anos de Pacelli"; por outro, a comparação com Karol Wojtyla igualmente foi muito problemática, pela duração do reinado extremamente longo e pela "personalidade planetária do primeiro Pontífice não-italiano depois de mais de quatro séculos e meio".
Em todo caso, Vian recorda que foi o papa Roncalli quem indicou, senão mesmo designou, Montini como seu possível sucessor. E, quanto à decisão de tomar um nome duplo, João Paulo, o próprio Vian destaca como Luciani primeiro e Wojtyla depois quiseram enfatizar com aquela escolha, "uma tentativa de composição ideal entre os dois Pontífices do Concílio." Não apenas João XXIII, mas também - e aqui está a ênfase - Paulo VI.
Foi Wojtyla, em seguida, que encaminhou em 1993 a causa de canonização do Papa Paulo VI, levantando "definitivamente o véu do esquecimento" que até então havia envolvido Montini. Por fim, o Papa Francisco fez uma referência explícita a Montini durante uma das últimas reuniões anteriores ao conclave no qual seria eleito, o beatificou em 2014 e hoje não esconde de ninguém que considera Paulo VI como o antecessor em que "mais se inspira". Um entrelaçamento que coloca o Papa de Bréscia no centro de uma entre as fases mais complexas da história da Igreja.
De particular interesse são as considerações de Vian sobre Montini e sua maneira de entender o culto de Maria. Montini não era um "mariólogo". Mas, antes de se tornar Papa, quando era arcebispo de Milão, dedicou-se a uma série de reflexões – publicadas mais tarde, editadas por René Laurentin, em Sulla Madonna. Discosi e scritti (1955-1963). ‘Sobre Nossa Senhora. Discursos e escritos’ (1955-1963), publicados nos Quaderni do Instituto Paulo VI - sobre a mãe de Jesus Cristo. A grande preocupação de Montini, escreve Laurentin, foi de "situar Maria no seu verdadeiro lugar na vida da Igreja, sem excessos ou negligências, sem exageros ou minimizações." Montini não quis assumir para si, continua Laurentin, "o triunfalismo do movimento mariano da última moda".
Que tipo de moda? De acordo com Laurentin (e Vian concorda com ele) nos anos 1950 "a mariologia ou o fervor mariano não eram isentos de excessos ou exageros." Portanto, foi saudável que Montini se preocupasse em "retornar às origens, restabelecer o equilíbrio" do culto mariano. Em um discurso em 16 de maio de 1961, o então Arcebispo de Milão denunciou explicitamente esse tipo de excessos: "Às vezes, a fantasia associa a Nossa senhora alguns títulos que não seriam muito convenientes; na Itália meridional eu até encontrei uma Nossa Senhora ... das galinhas!”, denunciou. Às vezes a nossa piedade se torna "interessada", continuou Montini; tornamo-nos "devotos de Nossa Senhora quando temos que prestar um exame, ou estamos com dor de cabeça, ou temos uma doença ou uma operação a superar, e assim por diante; então é a Nossa Senhora dos Milagres, a Nossa Senhora das Graças". Isso "é lindo, mas é um tipo de devoção que ... derruba Nossa Senhora". Nossas necessidades, continuava Montini, "sobrecarregam o amor e a dedicação que devemos ter com Maria Santíssima". Dessa forma, a fé não se tornaria nada além de "uma ajuda mútua, uma associação contra as desgraças".
Segundo Vian, a intervenção de Paulo VI sobre o tema das proclamações dos santos e beatos também foi importante. Aqueles que conhecem a complexidade e o rigor dos processos que precedem beatificações e canonizações sabem perfeitamente - dizia Montini - que a Igreja é "cautelosa e exigente" em exigir as provas das virtudes consideradas "heroicas". A comprovação das provas "superlativa, eminente, comprovada por testemunhos irrefutáveis, analisada com rigor crítico e com método objetivamente histórico, aliás, validado por duas verificações, uma negativa, aquela chamada do "não culto", que garante aos juízes do processo não haver influência de qualquer eventual mistificação popular; a outra, aquela positiva dos milagres, quase como um atestado transcendente de uma bênção divina ao excepcional reconhecimento da santidade que a Igreja pretende venerar nos únicos ou singulares candidatos às honras dos altares." Ao abrigo de "considerações políticas".
Muito “significativo”, em relação a isso, aparece "o bloqueio imposto às causas dos mártires da guerra da Espanha (cerca de sete mil sacerdotes, religiosos, seminaristas e freiras, enquanto faltam estatísticas para os leigos)." No final dos anos 1950, lembra Vian, começaram a chegar a Roma processos informativos, mas logo após a eleição de Paulo VI foram dadas às congregações disposições "não divulgadas", que efetivamente suspenderam o processo das causas.
O historiador Justo Fernandez Alonso escreveu que na origem da decisão, certamente determinada por Paulo VI, havia "motivos de oportunidade, entre os quais a conveniência de deixar passar um prudente prazo." Um período de tempo "que permitiria contemplar com mais objetividade os acontecimentos da Espanha na época da perseguição". Esses foram os motivos que, escreve Alonso, "aconselharam de desacelerar o curso daqueles processos". Tal decisão desagradou totalmente ao ditador Francisco Franco, que daquelas beatificações e canonizações teria tirado a legitimação para o próprio regime. Tudo isso foi de grande importância, continua Vian: o desejo de não reabrir polêmicas, e de evitar a exploração política dos franquistas, explica a decisão de Paulo VI. Para complementar a hostilidade a Franco deve-se acrescentar que, quando era arcebispo de Milão, Montini viu recusado pelo chefe de Estado espanhol uma solicitação pública de clemência para um jovem opositor ameaçados pela pena de morte.
Afigura-se, nas páginas Vian, a vontade por parte de Montini de encontrar consistentemente um equilíbrio na mediação entre tendências diferentes na história da Igreja, a sua convicção da necessidade de enfatizar mais os elementos de continuidade que aqueles de descontinuidade entre os pontificados de Pio XII e de João XXIII. E, finalmente, sua intenção de respeitar os procedimentos sem alterações excessivas ou inúteis.
Também deve ser ressaltada a história pessoal de Montini: “por um quinquênio entre os mais próximos colaboradores de Pio XII”, e depois o “afastamento para Milão” (onde entrou como arcebispo em 6 de janeiro de 1955), nomeado cardeal por João XXIII em seu primeiro consistório em 1958, certamente estava ligado à memória de ambos os seus predecessores.
Na lista de sucessores de Pedro durante muitos séculos, relembra Vian, são tradicionalmente considerados santos "e, além disso, mártires", todos os bispos de Roma até a chamada paz de Constantino. Depois santos quase todos aqueles até a época de Gregório Magno "e trata-se evidentemente de uma espécie de idealização hagiográfica fundada sobre o mito das origens". Parece quase “algo dado como certo”, que todos aqueles Papas fossem considerados santos. Além disso, em plena Idade Média, Gregório VII alegou que "o Romano Pontífice, se foi ordenado canonicamente, através dos méritos de Beato Pedro, sem dúvida, torna-se santo".
Depois, gradualmente, a santidade do papa de fato desapareceu, para reaparecer "não por acaso" após a perda do poder temporal em 1870 ( "e em uma tentativa transparente de compensá-la") com o reconhecimento formal do culto de alguns Pontífices medievais por parte de Pio IX e, especialmente, por Leão XIII. Mas o verdadeiro avivamento ocorreu várias décadas mais tarde, quando Pio XII entre 1951 e 1954 beatificou e canonizou Pio X e, em 1956, proclamou beato Inocêncio XI. Em 1954, o Papa Pacelli apresentou a causa de Pio IX, que, aliás, o próprio Roncalli queria beatificar. Mas para essa beatificação seria preciso aguardar o ano 2000, quando viria acompanhada com aquela de João XXIII.
“Complexa” é considerada por Vian a relação de Paulo VI com Eugenio Pacelli e Angelo Roncalli. Ele tinha se encontrado com o segundo em 1925 e com o primeiro em 1930. Ele os conheceu "de perto", mas – eleito, em 1963, como seu sucessor - nos anos finais do Concílio Vaticano II, Paulo VI, para suspender a proposta de canonização de João XXIII durante o Concílio (em evidente oposição a Pio XII), ordenou o início das causas de beatificação de ambos os papas "por vias normais". Isso para evitar - nas palavras do próprio Montini - "que algum outro motivo, que não fosse o culto da verdadeira santidade e, assim, a glória de Deus e a edificação da sua Igreja, reconstrua suas autênticas e caras figuras para a nossa veneração”.
À proposta da "esquerda" conciliar de chegar a uma proclamação de santidade de João XXIII por parte do próprio Concílio apenas dois anos após a morte de Roncalli ("proposta geralmente interpretada como canonização da tendência progressista dos próprios proponentes, uma espécie de implícita contraposição entre o quinquênio de João e o vintênio de Pacelli, e com o intuito de superar a prática normal das causas", explica Vian) Paulo VI reagiu com o anúncio da introdução, de acordo com a praxe habitual, de ambas as causas, aquela de Pio XII e aquela de João XXIII. Mais tarde, a de Pio XII - contestado por não ter tomado suficientemente as distâncias do regime de Hitler – ficaria suspensa e, no momento da beatificação de Roncalli, o nome de João XXIII seria, como já foi dito, "equilibrado" por aquele do Papa hostil ao Risorgimento, Pio IX.
Quanto a Wojtyla, ele seria canonizado em 2014 - junto com o Papa Roncalli – pouco tempo após a sua morte, por seu sucessor Bento XVI. Mas é com Paulo VI que "um cristão que se tornou Papa é proclamado santo juntamente com outras figuras exemplares". E é a primeira vez.
Giovanni Maria Vian, "Montini e la santità" (Morcelliana, p.128, 10 €), nas livrarias a partir de 4 de outubro.
Agora, por ocasião da sua santificação, o historiador Giovanni Maria Vian (que também é diretor do 'Osservatore Romano') está prestes a publicar, para a editora Morcelliana, um livro, Montini e la santità, em que o define inclusive como "um Papa esquecido". Esquecido, de acordo com Vian, "pela falta de compreensão sofrida durante os difíceis, mas decisivos quinze anos de seu pontificado (1963-1978)" e, acima de tudo "pelo rápido eclipse." Eclipse que é explicado pela difícil comparação entre Paulo VI, seu antecessor João XXIII e seu sucessor (seu e de Albino Luciani) João Paulo II, dois papas muito populares.
João Batista Montini será canonizado no dia 14 de outubro. Vários livros foram dedicados à sua vida e obra. Entre os mais relevantes: Fulvio De Giorgi, Paolo VI. Il Papa del Moderno (Morcelliana, 2015); Giselda Adornato, Paulo VI. La storia, l’eredità, la santità (San Paolo, 2014); Yves Chiron, Paolo VI. Un Papa nella bufera (tradução de Valeria Fucci, Lindau, 2014); Philippe Chenaux, Paolo VI. Una biografia politica (tradução de Massimo Zorzin, Carocci, 2016); Jean Guitton, Paolo VI segreto (tradução de David M. Turoldo e Francesco M. Geremia, San Paolo, 2002). Também deve ser mencionado o recente livro de Riccardo Ferrigato, Non doveva morire. Come Paolo VI cercò di salvare Aldo Moro (San Paolo, p.192, euro 12).
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Paulo VI retardou a beatificação dos mártires católicos. E decepcionou o General Franco, ditador espanhol - Instituto Humanitas Unisinos - IHU