24 Julho 2018
Cori Bush é mulher, negra, mãe solteira e enfermeira. Também foi vítima de um ataque sexual. Integra o que nos Estados Unidos agora se chama Brand News Congress, que traduzido quer dizer um Congresso completamente novo. O espaço em crescimento que almeja conquistar cadeiras no Senado e na Câmara dos Representantes, a partir da ala esquerda do Partido Democrata.
A reportagem é de Gustavo Veiga, publicada por Página/12, 23-07-2018. A tradução é do Cepat.
Simboliza amplamente o perfil do candidato ou candidata que se constituiu a partir de baixo. Desconhecida para o mundo da política profissional, trabalhadora, marginalizada, uma militante que está a caminho de se apresentar como opção de peso eleitoral, após o êxito em Nova York de Alexandria Ocasio-Cortez, a jovem de 28 anos de origem porto-riquenha que se define socialista. Entre ambas se gerou uma corrente de empatia. A vencedora nas primárias do dia 26 de junho tentará conduzir sua companheira ao êxito. Irá apoiá-la na campanha para as eleições em Missouri, no dia 7 de agosto. Pedirá o voto boca a boca, de porta em porta.
A vida de Bush em Saint Louis, a principal cidade do Estado do Meio Oeste, não é e nem foi fácil. Mãe de dois filhos, especializada na área de saúde mental, ordenada como pastora evangélica, é uma ativista social que começou a consolidar sua trajetória após a repressão à comunidade de Ferguson, um condado de Saint Louis. O mesmo onde a polícia assassinou o jovem negro Michel Brown, em 2014. Não é a primeira vez que Cori se apresentará a uma pré-candidatura democrata. Nas eleições de 2016, perdeu a disputa interna para Jason Kander (69,9 a 13,3%), mas não se amedrontou. Seu vencedor, na sequência, perderia a vaga na disputa com o republicano Roy Blunt. Um golpe que no Estado fortaleceu a vitória de Donald Trump, conduzindo-o à presidência.
A aspirante a representar Missouri também participa do Projeto Ferguson está dizendo a Verdade (Fergunson Truth Telling Project). Contudo, mesmo com as expectativas que sua pré-candidatura desperta entre os setores avançados, o aval do Brand New Congress e a maré que o fenômeno de Ocasio-Cortez traz, não será fácil para Bush. Precisará derrotar William Lacy Jr., um democrata negro que é filho de um dirigente histórico do partido em Saint Louis. Ocupa uma cadeira no Congresso desde 2001. Em um Estado que historicamente tem sido democrata, equivale a ser quase como um representante vitalício.
Bush, em Missouri, Jess King, na Pensilvânia, e Kerry Evelyn Harris, em Delaware, procuram conquistar uma vaga pelo Partido Democrata, a partir dessa porção do partido em contínuo movimento que seguiu Bernie Sanders nas eleições presidenciais de 2016. A militante pelos mais pobres do Estado rejeita, assim como todo o espaço do Brad New Congress, as doações das grandes corporações que sustentam o sistema bipartidário.
Os Estados Unidos são regidos por uma forma de financiamento da política e seus políticos – que não impõe limite ao lobby empresário – e aprofunda as desigualdades econômicas com forças menores como a esquerda independente ou os verdes, de escassa representação eleitoral. O segmento do qual Bush participa colocou como meta encontrar uns quatrocentos candidatos para desafiar os próprios democratas, assim como os republicanos. Fizeram sua campanha nas ruas, com organizações de base e lugares de trabalho para selecionar docentes, gente da saúde como Cori, operários nas fábricas, comerciantes em pequenos negócios, líderes comunitários e, em geral, pessoas que nunca ocuparam cargos públicos.
Ocasio-Cortez é a candidata que melhor expressa esse perfil buscado pelo Brand New Congress. No dia em que venceu o veterano Joe Crowley para a indicação democrata, algo novo produziu nas bases do partido dos Kennedy. Nem sequer é uma política profissional como Sanders, o senador por Vermont que ocupa uma cadeira desde 2007 e que colocou em risco a candidatura de Hillary Clinton à presidência. A jovem de Nova York é mais jovem que a enfermeira Bush, que tem 41 anos. O sopro de ar fresco que ela representa necessita de Cori e de outras companheiras para elevar as reivindicações da classe trabalhadora que foram ignoradas pelos dois partidos onipresentes dos Estados Unidos. Quando Ocasio-Cortez venceu as primárias, tuitou que seriam mais junto com a ativista de Missouri. A resposta não demorou: “Meu Deus, meu telefone, meu Facebook, meu Twitter, meu Instagram, tudo está explodindo. Não posso seguir o ritmo!”, disse a agora pré-candidata.
Entre suas propostas de campanha, Bush – diferente do clã mais famoso com o qual compartilha apenas o sobrenome – promete políticas que melhorem a saúde da população, como um medicare para todos, a moradia, o meio ambiente, medidas que vão contra o racismo e as desigualdades de gênero e que aumentem o salário mínimo. Uma agenda que não conta para Trump e nem para os conservadores que abundam entre os democratas.
Nancy Pelosi, líder da minoria de seu partido na Câmara dos Representantes, minimizou a importância do triunfo de Ocasio-Cortez. Era aliada do derrotado Crowley e foi evasiva na coletiva de imprensa posterior à disputa interna. Os jornalistas lhe perguntavam e ela buscava mudar o assunto. É evidente que se sente incômoda com o novo cenário que a esquerda de seu partido apresenta.
Bush, a Bush jovem, negra e progressista, conta que Missouri nunca elegeu uma congressista como ela. Está convencida de que poderá replicar, no próximo dia 7 de agosto, a vitória de Ocasio-Cortez. “O que a gente acaba de presenciar em Nova York, isso também é factível aqui, caso façamos juntos”, confia. “É hora de deixar de olhar para isso como se não pudesse ocorrer”, disse, como que para dispor que confia em sua nova estrela e a do espaço que integra. Paras os padrões dos Estados Unidos, é o limiar de um redemoinho político que ameaça sua ordem conservadora tão emblemática.
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Estados Unidos. Cori Bush: jovem, negra e progressista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU