31 Janeiro 2018
Neste texto, o teólogo italiano Maurizio Chiodi, sacerdote da diocese de Bergamo, professor de teologia moral na Faculdade Teológica da Itália Setentrional e membro da Pontifícia Academia para a Vida, propõe uma reflexão teórica para evidenciar o nexo constitutivo entre consciência, ato, norma e discernimento. Sob essa luz, o autor aprofunda o sentido antropológico da norma da Humanae vitae.
O artigo – síntese de uma conferência proferida por Chiodi na Pontifícia Universidade Gregoriana, 14-12-2017 – foi publicado no caderno Noi, Famiglia & Vita, do jornal Avvenire, 28-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Humanae vitae e Amoris laetitia inscrevem-se no magistério moderno sobre o matrimônio, em que a Humanae vitae ocupa um lugar de grande destaque, tendo-se tornado uma questão simbólica, criticada por aqueles que ficaram decepcionados com suas conclusões e considerada como um verdadeiro “pilar” da doutrina moral sexual católica pelos outros.
Entretanto, porém, do ponto de vista pastoral, a urgência da questão foi desaparecendo (“cisma submerso”). “Oficialmente” e objetivamente a norma permaneceu, mas os pastores também parecem estar em grande embaraço em relação a ela.
Não é sem significado que a Amoris laetitia trate tão pouco disso, mesmo que o “silêncio” não possa ser interpretado superficialmente. Na realidade, os capítulos IV e V da Amoris laetitia, “centrais” (AL 6), tratam de dois temas decisivos na Humanae vitae: “o amor no matrimônio” (capítulo IV) e “o amor que se torna fecundo” (capítulo V). Apesar disso, sobre o tema da geração “responsável” e sobre a norma da Humanae vitae, a Amoris laetitia mostrou uma atitude que pode ser definida como sóbria e cautelosa.
As referências explícitas na Amoris laetitia à Humanae vitae são seis no total.
Dentro do capítulo VI, dedicado a “algumas perspectivas pastorais” (AL 199-258), o n. 222 é o texto que dedica o maior espaço ao tema da “comunicação da vida”. Acima de tudo, reitera-se que a Humanae vitae e a Familiaris consortio “devem ser redescobertas”; sobretudo, conecta-se “a opção da paternidade responsável” com a “formação da consciência” e esta, por sua vez, recordando a Gaudium et spes 16 e Rm 2, 15, é referida “a Deus e os seus mandamentos”.
Além disso, a Amoris laetitia sublinha como a decisão dos cônjuges, aos quais cabe o último juízo, deverá ser livre do “arbítrio subjetivo” e da adaptação passiva ao ambiente. Logo depois, citando a Humanae vitae 11 e o n. 2.370 do Catecismo, o texto reitera que se deverá “encorajar” o recurso aos “métodos naturais de fecundidade”.
Alguns notaram que a formulação desse texto, em geral, é “relativamente mole”. Parece difícil dizer mais do que isso. O texto é muito enxuto e não parece permitir mais interpretações, quase esperando que nós digamos, sobre o tema, aquilo que o papa diz ou não diz.
Se isso for verdade, então, como se podemos pretender reler a Humanae vitae a partir da Amoris laetitia?
São dois os nós teóricos que emergem a partir do capítulo VIII: a relevância objetiva das circunstâncias atenuantes, a responsabilidade subjetiva da consciência e a relação constitutiva entre norma e discernimento. A partir disso, gostaria de propor uma reflexão teórica em primeira pessoa, que possa evidenciar o nexo constitutivo entre consciência, ato, norma e discernimento. Sob essa luz, aprofundarei o sentido antropológico da norma da Humanae vitae.
A questão teórica da relação entre objetivo e subjetivo é urgente e decisiva. Se, porém, a relação entre objetivo e subjetivo é reconduzida à relação entre consciência e norma, somos forçados a oscilar entre a rigidez de um sistema normativo objetivo, a ser “aplicado” à situação, e o subjetivismo de uma consciência inquestionável, cujo juízo moral seria confiado exclusivamente ao eu.
A consciência não pode ser reduzida a um conhecimento de si mesmo, nem ao conhecimento de uma verdade “objetiva”, nem a uma faculdade que aplica a lei moral, nem ao juízo que me diz o que devo fazer “hic et nunc”. Ela coincide com a totalidade do eu (pessoa), no seu valor ao mesmo tempo pático (pathos) e prático (praxis). Isso significa que, por um lado, as experiências boas do viver, com sua qualidade relacional original, inscrevem-se na consciência como a forma passiva e afetiva da sua identidade temporal e narrativa, e que, por outro lado, o bem só pode ser ativamente desejado porque é antecipado, nas formas de uma passividade que suscita e autoriza a atividade dramática da consciência.
O objeto, portanto, não é a norma, mas sim o ato no qual a consciência responde às experiências da vida boa que, antecipando-a, descerram-lhe aquele cumprimento que, no entanto, não se cumpre se ela não estiver determinada a isso. Precisamente no apelo ao bem, que ressoa como uma injunção, consiste a qualidade teológica, “não criadora”, da própria consciência. Nela, tem voz o apelo de Deus ao cumprimento de si mesmo, através das vicissitudes da liberdade. A tensão entre promessa e cumprimento, entre desejo e felicidade, que constitui o “drama” da experiência moral, encontra seu pleno cumprimento no Evangelho de Jesus. O dom esponsal de Deus abre ao fiel a possibilidade de um agir responsorial, ativo, sem que isso leve à abolição do trabalho da história e o mal que a atravessa.
Nessa perspectiva, antropológica e cristológica, as normas morais não são redutíveis a uma objetividade racional, mas pedem para ser inscritas na história humana, entendida como história de graça e de salvação. Elas guardam o bem, que se dá nas experiências da vida, e instruem para que essa antecipação possa ser cumprida.
Dentro da teoria evocada, põe-se a tarefa de repensar a antropologia conjugal, no seu nexo com a diferença sexual, originária do humano, e à fecundidade responsável, que é forma constitutiva da aliança esponsal. A sabedoria da Humanae vitae é ter lembrado, na linha da Gaudium et spes, o nexo “inseparável” entre sexualidade e geração. Essa é a lição antropológica fundamental que devemos extrair disso.
A reflexão realizada nos autoriza a repensar o sentido da norma da Humanae vitae, evitando nos concentrarmos nela como em uma verdade objetiva que estaria diante da razão. A intenção é retomar a norma, para pensá-la até o fim. Não se tratará, de fato, de aboli-la, mas sim de demonstrar seu sentido e sua verdade: seu sentido antropológico é, no vínculo esponsal, o nexo entre sexualidade e geração, que remete ao sentido da sexualidade.
Sobre tal pano de fundo, se fará a pergunta sobre se os métodos naturais podem/devem ser a única forma de geração responsável ou se esta não deve ser interpretada como o acolhimento do valor religioso inscrito na relação com o filho.
Além disso, devemos enfatizar que essas evidências práticas têm o caráter de um bem prometido, que se inscreve no emaranhado das vicissitudes humanas. Tudo isso abre para a possibilidade do “jogo de xadrez” e dos tantos enigmas da vida. Em muitas situações difíceis, a pessoa é chamada a encontrar as formas do caminho, discernindo aquele “bem possível” que, fugindo da oposição absoluta entre bem e mal, encarrega-se das circunstâncias dramáticas da vida.
A evidência antropológica do “homem e da mulher os criou” (Gn 1, 27) não se baseia apenas na diferença biológica, nas características psicológicas e nas variáveis culturais. A diferença como forma constitutiva da sexualidade pede para ser pensada reconduzindo o biológico, o psicológico e o cultural a modos de ser, isto é, formas da experiência da consciência moral.
Nesse ponto de vista, a primeira forma da experiência da diferença sexual, antes que um filho chegue à capacidade de gerar, é atestada pela relação filial. Todo filho sabe que veio ao mundo em uma relação sexual entre um homem e uma mulher, um encontro que tem uma qualidade livre, intencional e responsável, razão pela qual ele é irredutível a um evento casual ou fortuito. Na sua história, ele aprende a reconhecer que a mãe e o pai, com a cultura a que pertencem, o introduziram no mundo como em uma casa para habitar.
Voltando à sua origem, todo pequeno descobre que foi acolhido em uma aliança como o “terceiro” que é fruto e, ao mesmo tempo, transcendência do dom recíproco. Com o passar do tempo, depois, ele descobrirá que se apaixonar é um desejo que descerra um apelo à liberdade, a promessa de uma comunhão com o/a outro/a. Na relação conjugal, os dois esposos se tornam “uma só carne” (Gn 2, 24), embora permanecendo sempre dois. A relação sexual é símbolo eloquente e forma paradigmática, mas não única, da comunhão de vida. De fato, esta implica a totalidade do eu (“Eu te amo com todo o meu ser”), a unicidade (“Esta apenas, e nenhuma outra como esta”), a fidelidade (“Vou te amar para sempre”) e a geração (“Vejo em ti a mãe dos meus filhos”).
Na aliança esponsal, também se inscreve, como momento constitutivo, o desejo de gerar. Certamente, a fecundidade do casal não coincide com o número de filhos, e sua abundância não significa necessariamente que o casal seja fecundo no “espírito”. No entanto, a fecundidade tem um nexo irredutível com a geração, pois esta é sua forma mais eloquente e imprescindível. Na experiência humana, o gerar tem um valor simbólico, que às vezes fica até escondido no seu contrário, que é a árdua experiência da esterilidade. No casal, o filho é esperado pelos dois como dom de um ao outro, de um com o outro, de um para o outro. O filho introduz uma novidade na relação, que não a perturba, mas a reforça.
O ato conjugal do gerar tem uma qualidade teológica constitutiva. Aqueles que geraram são chamados e pro-vocados a reconhecer, na própria obra, a obra de um Outro, a Origem originante. Esse reconhecimento é a “vocação” inscrita na geração. Papai e mamãe são “chamados” para responder a um dom, do qual eles são doadores, mas, acima de tudo, destinatários. Gerar não é criar, mas reconhecer com gratidão o chamado a hospedar a presença de outro, até o dia em que ele mesmo possa, por sua vez, dar a vida a outros.
O que a prática dos “métodos naturais de fecundidade” atesta é o caráter responsorial da geração: eles também dizem que gerar não é criar. Porém, o método atesta mais do que pode garantir por si mesmo. Revela um sentido que o transcende. Se a responsabilidade de gerar é aquilo a que esses “métodos” se referem, então é possível compreender como, nas situações em que eles são impossíveis ou impraticáveis, é preciso encontrar outras formas de responsabilidade: essas “circunstâncias”, por responsabilidade, requerem outros métodos para a regulação da natalidade. Nesses casos, a intervenção “técnica” não nega a responsabilidade da relação geradora, assim como, aliás, uma relação conjugal que observe os métodos naturais não é automaticamente responsável.
A insistência do magistério nos métodos naturais, portanto, não pode ser interpretada como uma norma fim em si mesma, nem como uma mera conformidade com as leis biológicas, porque a norma remete ao bem da responsabilidade conjugal, e as leis físicas (physis) da infertilidade se inscrevem em um corpo de carne e em relações humanas irredutíveis a leis biológicas.
A técnica, em circunstâncias determinadas, pode consentir que se conserve a qualidade responsável do ato sexual. Por isso, ela não pode ser rejeitada a priori, quando está em jogo o nascimento de um filho, porque ela também é uma forma de agir e, como tal, requer um discernimento com base em critérios morais irredutíveis a uma aplicação silogístico-dedutiva da norma.
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Reler a Humanae vitae à luz da Amoris laetitia. Artigo de Maurizio Chiodi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU