20 Dezembro 2017
"Esta cena nos remete à situação presente no país e no mundo: milhões e milhões de pobres, muitos famélicos, outros tantos milhões de crianças cujos olhos quase saltam do rosto por causa da fome e da fraqueza. A maioria morre antes de atingir 3 anos", escreve Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.
O Natal nos faz lembrar nossas origens humildes. O Filho de Deus não quis nascer num palácio com tudo o que lhe pertence em pompa e glória. Não preferiu um templo com seus ritos, incensos, velas acesas e cânticos. Sequer buscou uma casa minimamente decente. Nasceu lá onde comem os animais, numa manjedoura. Os pais eram pobres operários, do campo e da oficina, a caminho de um recenseamento imposto pelo imperador romano.
Esta cena nos remete à situação presente no país e no mundo: milhões e milhões de pobres, muitos famélicos, outros tantos milhões de crianças cujos olhos quase saltam do rosto por causa da fome e da fraqueza. A maioria morre antes de atingir 3 anos. Eles atualizam para nós a condição escolhida pelo Filho de Deus.
Ao escolher aqueles que não são socialmente e os tidos como invisíveis, o Filho de Deus nos quis passar uma mensagem: há uma dignidade divina em todos estes sofredores. Face a eles devemos mostrar solidariedade e compaixão, não como pena, mas como forma de participar de sua paixão. Sempre haverá pobres neste mundo, já o disse a Bíblia. Razão a mais para sempre retomarmos a solidariedade e a compaixão. Se alguém caminha junto, estende a mão e levanta o caído, mais ainda, se alguém se faz companheiro, quer dizer, aquele que comparte o pão, o sofrimento se torna menor e a cruz mais leve.
Quem está longe dos pobres, mesmo o cristão mais piedoso, está longe de Cristo. Cabe sempre recordar a palavra do Juiz Supremo: ”O que fizer ou deixar de fazer a estes meus meus irmãos e irmãs mais pequenos: os famintos, os sedentos, os encarcerados e os nus, foi a mim que o fez ou deixou de fazer (Mt 25,40).
O Natal é uma festa da contradição: ela nos recorda o mundo que ainda não foi humanizado porque somos cruéis e sem piedade para com aqueles penalizados pela vida. O Natal nos recorda a mesma situação vivida pelo Verbo da vida, o Filho feito carne.
Por outro lado, no Natal nos alegramos que Deus em Jesus “mostrou a sua bondade e jovialidade para conosco” (Epístola a Tito 3,4). Alegra-nos saber que Deus se fez criança que não julga nem condena ninguém. Quer apenas, como criança, ser acolhido mais que acolher, ser ajudado mais que ajudar.
Apraz-me terminar esta pequena reflexão com os versos do grande poeta português, Fernando Pessoa. Poucos disseram coisas mais belas do que ele sobre o Menino Jesus:
“Ele é a Eterna Criança, o Deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda certeza
Que Ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo,
Que nunca pensamos um no outro.
Mas vivemos juntos os dois
Com um acordo íntimo,
Como a mão direita e a esquerda.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, a mais pequena.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro de tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.”
Depois desta beleza singela e verdadeira só me resta desejar um Feliz Natal sereno a todos dentro de nosso mundo tão conturbado.
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Humano assim como Jesus só Deus mesmo. Artigo de Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU