19 Dezembro 2017
O povo das vilas ocupa a Catedral de Buenos Aires. É uma invasão pacífica com muita festa e animação, segundo a melhor tradição das festas populares dos bairros marginais, que desta vez se mistura com as notas gregorianas do Vieni Creator Spiritus do século IX, cantado por “seu” bispo, Gustavo Carrara, que até há poucos dias era pároco de Santa Maria Mãe do Povo, na maior vila miséria da Capital. É um povo de recicladores de lixo urbano, operários da construção não especializados, mulheres de serviço doméstico, pequenos comerciantes de bairro, desempregados e errantes, mas também jovens viciados em drogas, que buscam se libertar de seu vício nos centros fundados por Carrara.
A reportagem é de Alver Metalli, publicada por Tierras de América, 17-12-2017. A tradução é do Cepat.
A iconografia que enfeita o altar maior do templo mais importante da capital argentina é sumamente expressiva, com a estátua em tamanho natural de Madre Teresa de Calcutá e as fotografias de dom Romero, declarado beato em maio de 2015, do bispo Enrique Angelelli, assassinado durante os anos da ditadura e servo de Deus desde 2015, e do padre Daniel de la Sierra, fundador da igreja de Caacupé na Vila 21-24, a quem os paroquianos que vieram à ordenação de Gustavo Carrara ainda recordam como “o Anjo da bicicleta”. À direita do novo bispo se encontra o amigo de tantas batalhas, o sacerdote José María di Paola, padre Pepe para todos, junto com meia conferência episcopal argentina e próximo de cinquenta sacerdotes que concelebram a solene liturgia pro Consecratione Episcopi.
O povo das vilas foi o grande protagonista desta singular ordenação, multiétnico, conforme sempre são esses pedaços de mundo introduzidos na megalópole argentina, repletos de paraguaios, bolivianos e peruanos.
As primeiras palavras de Carrara, após o arcebispo Mario Poli, sucessor de Bergoglio em Buenos Aires, evocam o batismo que recebeu em outubro de 1973, na Basílica de Luján, acompanhado por seu pai, que hoje se encontra presente na ordenação – a mãe já faleceu – e a promessa que ambos, naquele dia, depositaram aos pés da Padroeira do país. Em seguida, anunciou a frase que escolheu para o seu escudo episcopal: “Compartilhar com os pobres a alegria do Evangelho”.
Em sua homilia, visivelmente emocionado, Carrara associou estreitamente a missão do bispo com a de um caminhante que, segundo a imagem de Bergoglio, às vezes tem que saber estar “à frente do rebanho para destacar o caminho”, mas também “no meio do rebanho para mantê-lo unido” e “atrás do rebanho para evitar que algum fique para trás e porque o próprio rebanho tem o olfato para encontrar o caminho”.
A vida de Carrara está estreitamente unida a de Bergoglio, que o impulsionou pelo caminho do episcopado. Carrara afirma que não fazia ideia das intenções do Bispo de Roma. Nestes anos, continuou falando por telefone e correspondência com o Papa Bergoglio. Há poucas semanas, havia lhe enviado o último e-mail. Contava-lhe suas coisas e alguns problemas pastorais. Nem sequer a enigmática resposta na Residência Santa Marta, de que estivesse aberto às surpresas de Deus, fez com que suspeitasse de algo. Foi só a partir do momento em que recebeu o telefonema da nunciatura, para lhe comunicar a notícia da nomeação episcopal, que começou a ordenar as peças do quebra-cabeça. Poucas horas depois, a notícia de sua nomeação estava nas páginas on-line de todos os jornais argentinos e foi divulgada pelas ruas de sua vila, em Bajo Flores, perto do Estádio Pedro Bidegaín, do Clube Atlético San Lorenzo de Almagro, o dono do coração do jovem Bergoglio. E ali se armou a festa.
Agora, caminha para a esplanada da Catedral Metropolitana, ruidosa, transbordante de felicidade. Carrara chega timidamente à esplanada e se inclina, seguindo o exemplo de Bergoglio, como pedindo a bênção do povo que o aclama. Na praça em frente, a famosa Praça de Maio, ainda é possível ver os sinais da batalha campal que ocorreu há poucos dias, quando a polícia entrou em choque duramente, com não ocorria há muito tempo, com os manifestantes que protestavam contra a reforma da previdência, do governo do presidente Mauricio Macri, que reduz os ingressos dos aposentados argentinos. Incidentes sérios, com feridos, coquetéis molotov, saques e automóveis incendiados que recordam as piores épocas. E que aumentam essa fratura social – a grieta, como a chamam os argentinos – que mantém o Papa distante de seu país. Os bispos argentinos que hoje acolhiam o novo bispo ‘vileiro’ escreveram palavras fortes sobre as manifestações que se degeneraram em enfrentamentos, deplorando “a crescente violência política” e reivindicando às forças políticas e aos atores sociais que “respondam com o diálogo e o respeito das instituições democráticas as muitas urgências e angústias dos mais frágeis, especialmente dos aposentados”.
Carrara se incorpora em uma Conferência Episcopal que recebeu três novos membros em pouco mais de um mês: outro padre vileiro, Jorge García Cuerva, Marcelo Julián Margni, reitor do Seminário Maior da Diocese de Quilmes, e Alejandro Pablo Brenna, também pároco em uma região periférica de Buenos Aires. Com essas nomeações, o Papa acelerou fortemente a renovação do episcopado argentino. Recentemente, o organismo elegeu Oscar Ojea, que foi responsável pela Pastoral Social e a Cáritas, como presidente da Conferência Episcopal. Outro sinal igualmente claro e explícito.
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Gustavo Carrara. Igreja argentina festeja seu primeiro bispo ‘vileiro’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU