24 Agosto 2017
"Ao comemorar seus 70 anos de existência em 2015, a ONU procura reinventar-se e ser uma referência importante para todos os 193 países-membros em termos de promoção da paz, superação de conflitos étnicos e desenvolvimento de seus povos".
O comentário é de Leo Pessini, Pós-doutor em bioética pela Universidade Edinboro, na Pensilvânia (EUA), Instituto de Bioética James Drane. Autor de inúmeras obras de bioética e Teologia Moral, entre outras, Bioética em tempos de globalização (Ed. Loyola, São Paulo, 2015). Conferencista nacional e internacional, atualmente é o Superior Geral dos Camilianos (2014-2020); reside e trabalha em Roma (Itália)
A Organização das Nações Unidas - ONU, que reúne hoje 193 Estados-membros, adotou formalmente em 2015, na Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Nova York, 25-27 de setembro), a agenda “Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. No discurso de abertura da Cúpula, Ban Ki-moon, então secretário-geral da ONU, disse que “a nova agenda é uma promessa dos líderes para a sociedade mundial. É uma agenda para acabar com a pobreza em todas as suas formas, uma agenda para o planeta”.
Ban Ki-moon, já no final de 2014, ao apresentar aos Estados-membros das Nações Unidas um relatório-síntese sobre o trabalho desenvolvido para a definição e negociação da agenda pós-2015, que iria substituir os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - ODM 2000-2015, afirmava: “estamos prestes a adentrar o ano mais importante para o desenvolvimento desde a criação das Nações Unidas. Nós devemos dar significado para a promessa desta organização, a fim de reafirmar a fé na dignidade e no valor do ser humano. Temos uma oportunidade histórica e o dever de agir vigorosamente para tornar a dignidade para todos uma realidade, sem deixar ninguém para trás”.
Este relatório-síntese intitulado “O caminho para a dignidade até 2030: acabando com a pobreza, transformando todas a vidas e protegendo o planeta”, começou a ser elaborado desde a Rio+20, contou com o apoio e com a colaboração de governos, de empresários, de todo o Sistema ONU e de milhares de pessoas ao redor do mundo. O documento aborda os desafios pós-2015 e pós-ODM. Os chamados ODM são em número de oito e são os seguintes: 1. Acabar com a fome e a pobreza; 2. Educação básica de qualidade para todos; 3. Educação entre sexos e valorização da mulher; 4. Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a Saúde das gestantes; 6. Combater a aids, a malária e outras doenças; 7. Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; 8. Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.
Esta nova agenda do planeta para os próximos 15 anos, até 2030, como definiu Ban Ki-moon, que agora oficialmente é aprovada pela Assembleia da ONU com o seguinte título, “Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, consta de 17 objetivos e 169 metas a serem cumpridas por todos os países.
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS foram sendo construídos sobre as bases dos ODM – que produziu o mais bem-sucedido movimento antipobreza da História humana –, procurando completar o trabalho inacabado referente a eles e responder a novos desafios. Segundo estudiosos da ONU, os ODS focam nos três pilares fundamentais da sustentabilidade, ou seja: o social, o ambiental e o econômico. O que diferencia os ODM e os ODS é que os ODM se importavam mais com as questões sociais e a preocupação econômica era um pouco difusa. Além disso, existia uma atenção maior em relação às necessidades dos países em desenvolvimento. Já os ODS são mais globais e incluem todos os países, em desenvolvimento e desenvolvidos, incluindo também as questões de ecologia e meio ambiente.
A Agenda 2030 apresenta uma consciência mais crítica, largada e globalmente compartilhada dos desafios que temos em termos globais para se alcançar o desenvolvimento sustentável. “Reafirmamos que o planeta Terra e seus ecossistemas são a nossa casa comum e que a ‘mãe Terra’ é uma expressão comum em vários países e regiões”.
Ao comemorar seus 70 anos de existência em 2015, a ONU procura reinventar-se e ser uma referência importante para todos os 193 países-membros em termos de promoção da paz, superação de conflitos étnicos e desenvolvimento de seus povos.
Em 2015, na Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (25-27/09 - Nova York), adotou oficialmente a chamada “Transformando o Mundo: agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. Um novo conceito de desenvolvimento é adotado oficialmente pelos líderes mundiais, o chamado “desenvolvimento sustentável”. Desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 – a Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro (conhecida como ECO 92), o mundo identificou um novo caminho para o bem-estar humano, o do desenvolvimento sustentável. Esse conceito, apresentado na Agenda 21, reconhece que o desenvolvimento econômico deve ser equilibrado com um crescimento que responda às necessidades das pessoas e proteja o meio ambiente.
A nova agenda para 2030 para o desenvolvimento sustentável baseia-se no resultado da Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável de 2002, da Cúpula de 2010, sobre os ODM, no resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável de 2012 (Rio+20) e nas contribuições de organizações civis, ONGs de todo o mundo.
Reconhecendo os sucessos dos ODM, os países concordaram, no documento final da Conferência do Clima realizada no Brasil, no Rio de Janeiro em 2012, a Rio+20, “O futuro que Queremos”, em estabelecer um grupo de trabalho aberto para elaborar um conjunto de metas a respeito do desenvolvimento sustentável. Nas 55 páginas do documento, a expressão “desenvolvimento sustentável” aparece nada menos que 286 vezes! Depois de mais de um ano de deliberações consultivas abrangentes e intensivas, o Grupo de Trabalho propôs 17 objetivos específicos com 169 metas associadas. As negociações intergovernamentais sobre a composição das metas duraram mais de dois anos e incluíram numerosas contribuições da sociedade civil e de outras partes interessadas.
Neste contexto ganha muita importância um conceito que fundamenta todas as discussões: sustentabilidade. O que entender por sustentabilidade? Temos discussões em andamento com críticos fervorosos de plantão. Mas é bom conhecer um pouco a evolução histórica do conceito para entender onde estamos. Quem o utilizou pela primeira vez foi a norueguesa Gro Brundtland, ex-Diretora Geral da Organização Mundial da Saúde. Em 1987, como Presidente de uma comissão da ONU, Gro Brundtland publicou um pequeno livro intitulado “Nosso Futuro Comum”, que relacionava meio ambiente com progresso. Nesta publicação encontramos a primeira definição: “Desenvolvimento sustentável significa suprir as necessidades do presente sem afetar as habilidades das gerações futuras de suprirem as próprias necessidades”. O que se defende não é pura e simplesmente a interrupção do crescimento econômico, afirmou Brundtland: “O que se reconhece é que os problemas de pobreza e subdesenvolvimento só poderão ser resolvidos se tivermos uma nova era de crescimento sustentável, na qual os países do sul do globo desempenhem um papel significativo e sejam recompensados por isso com os benefícios equivalentes”.
A sustentabilidade se aplica a toda e qualquer atividade humana, e para esta ser sustentável necessita ser economicamente viável, socialmente justa, culturalmente aceita e ecologicamente correta. Portanto, quando falamos de “desenvolvimento sustentável”, de “sustentabilidade”, estamos diante de um conceito que passou por uma evolução de compreensão, e hoje temos esta perspectiva de ser um conceito sistêmico, isto é, que integra aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais, entre outros elementos.
“Transformando o Nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” é a agenda global para os 193 países-membros da ONU adotada para os próximos 15 anos. No seu preâmbulo é dito “Esta agenda é um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade. Ela também busca fortalecer a paz universal com mais liberdade. Reconhecemos que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável”.
Esta Agenda 2030 se constrói sobre o legado dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - ODM e assume os objetivos e metas não alcançadas. Visa concretizar os direitos humanos de todos, particularmente os mais vulneráveis. Apresenta-se de forma integrada e indivisível e abrange as três dimensões do desenvolvimento sustentável, a saber: econômica, social e ambiental. Segundo Ban Ki-moon, então secretário-geral da ONU, “a nova agenda é uma visão universal, integrada e de transformação para o mundo. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são o nosso guia. Eles são a lista de coisas a fazer para as pessoas e o planeta e um plano para o sucesso”.
Antes de apresentar os 17 objetivos com as suas 169 metas, a Agenda 2030 da ONU apresenta cinco princípios-guia que embasam estas opções. São como que os “valores-guia” fundamentais, referenciais éticos, valores inegociáveis a serem buscados, preservados com determinação. Eis os cinco referenciais éticos fundamentais:
1. Pessoas: Acabar com a pobreza e a fome e garantir que todos os seres humanos possam realizar o seu potencial em dignidade e igualdade num ambiente saudável.
2. Planeta: Proteger o planeta da degradação, sobretudo por meio do consumo e da produção sustentáveis, da gestão sustentável dos seus recursos atuais e tomando medidas urgentes sobre a mudança climática, para que ele possa suportar as necessidades das gerações presentes e futuras.
3. Prosperidade: Assegurar que todos os seres humanos possam desfrutar de uma vida próspera e de plena realização pessoal, e que o progresso econômico, social e tecnológico ocorra em harmonia com a natureza.
4. Paz: Promover sociedades pacíficas, justas e inclusivas que estão livres do medo e da violência. Não pode haver desenvolvimento sustentável sem paz e não há paz sem desenvolvimento sustentável.
5. Parceria: Mobilizar os meios necessários para implementar esta Agenda por meio de uma Parceria Global para o desenvolvimento sustentável revitalizada, com base num espírito de solidariedade global reforçada, concentrada em especial nas necessidades dos mais pobres e mais vulneráveis e com a participação de todos os países, todas as partes interessadas e todas as pessoas.
Os vínculos e a natureza integrada dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável são de importância crucial para assegurar a concretização dos propósitos da nova Agenda 2030. Em assim ocorrendo, diz o documento, “a vida de todos será profundamente melhorada e o nosso mundo estará transformado para melhor”.
A ONU nascia há 70 anos a partir da divisão das nações e das cinzas da Segunda Guerra Mundial. Aquela geração de líderes mundiais se reuniu para formar a ONU, acreditando num futuro da humanidade a partir dos valores da “paz, do diálogo e da cooperação internacional”. “Nós, os povos” são a famosas palavras de abertura da Carta da ONU. “E são ‘nós os povos’ que estão embarcando hoje na estrada para 2030. É uma Agenda do povo, pelo povo e para o povo, e isto, acreditamos, irá garantir o seu sucesso” (nº 52).
Enfim “o futuro da humanidade e do nosso planeta está em nossas mãos. Também está nas mãos da geração mais jovem de hoje, que vai passar a tocha para as gerações futuras” (nº 53).
Relembramos os referenciais éticos norteadores da Agenda 2030, os valores fundamentais que embasam estas escolhas de objetivos, a saber: respeito à pessoa humana em sua dignidade; cuidado para com o nosso planeta, nossa casa comum; um progresso que não destrua a natureza e que beneficie toda a humanidade; busca da paz entre os povos, pois sem paz não acontece desenvolvimento sustentável; e estabelecimento de parcerias globais, num espírito de solidariedade com os mais pobres e vulneráveis do planeta.
A partir desta perspectiva é que são propostos os dezessete objetivos do milênio, a saber:
Obviamente que estamos diante de uma visão extremamente ambiciosa e transformadora. Como é dito na Agenda: “Prevemos um mundo livre da pobreza, fome, doença e penúria, onde toda a vida pode prosperar. Prevemos um mundo livre do medo e da violência. Um mundo com alfabetização Universal. Um mundo com o acesso equitativo e universal à educação de qualidade em todos os níveis, aos cuidados de saúde e proteção social, onde o bem-estar físico, mental e social estão assegurados. (...) Prevemos um mundo de respeito universal dos direitos humanos e da dignidade humana, do estado de Direito, da justiça, da igualdade e da não discriminação, do respeito pela raça, etnia diversidade cultural; e de igualdade de oportunidades que permita a plena realização do potencial humano... Um mundo justo, equitativo, tolerante, aberto e socialmente inclusivo em que sejam atendidas as necessidades das pessoas mais vulneráveis”.
Sem sombra de dúvida o momento histórico que estamos vivendo apresenta desafios gigantescos para o chamado desenvolvimento sustentável. Não é difícil perceber que ainda bilhões de pessoas continuam a viver na pobreza e a elas é negada uma vida digna. As desigualdades dentro dos e entre os países estão crescendo ao invés de diminuir. Existem disparidades gritantes de oportunidades, riqueza e poder. A desigualdade entre homem e mulher continua a ser um desafio fundamental. Em muitas partes do mundo a mulher ainda é tratada como se fosse uma escrava ou coisa e propriedade do homem.
O desemprego, particularmente entre os jovens, é uma grande preocupação. Ameaças globais de saúde, desastres naturais mais frequentes e intensos, conflitos em ascensão, o extremismo violento, o terrorismo e as crises humanitárias relacionadas e o deslocamento forçado (migrantes) de pessoas ameaçam reverter grande parte do progresso do desenvolvimento conquistado nas últimas décadas.
O esgotamento dos recursos naturais e os impactos negativos da degradação ambiental, incluindo a desertificação, secas, a degradação dos solos, a escassez de água doce e a perda de biodiversidade acrescentam e exacerbam a lista de desafios que a humanidade enfrenta.
A mudança climática é um dos maiores desafios do nosso tempo e seus efeitos negativos minam a capacidade de todos os países de alcançar o desenvolvimento sustentável. Os aumentos na temperatura global, o aumento do nível do mar, a acidificação dos oceanos e outros impactos das mudanças climáticas estão afetando seriamente as zonas costeiras e os países litorâneos de baixa altitude, incluindo os menos desenvolvidos e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento.
Com este terrível diagnóstico, a conclusão não poderia ser diferente desta: “a sobrevivência de muitas sociedades, bem como dos sistemas biológicos do planeta, está em risco”. Estamos chegando numa situação de emergência crítica e temos que tomar ações “com urgência”, se pensamos não somente nas gerações presentes, mas também desejamos garantir vida digna para as “futuras gerações”, como aponta a agenda. Esta agenda para uma ação global da humanidade para os próximos quinze anos é “uma carta de cidadania para as pessoas e o planeta no século XXI” (nº 51). Deseja-se “construir um futuro melhor, e certamente o mundo será um lugar melhor para todos em 2030, se alcançarmos os nossos objetivos”, afirma a ONU neste documento.
Este momento não deixa de ser também uma grande oportunidade. Não há como negar que houve progresso em relação ao cumprimento de muitos desafios dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Centenas de milhões de pessoas emergiram da pobreza extrema. O acesso à educação aumentou, tanto para meninos quanto para meninas. A disseminação da informação e das tecnologias da comunicação e interconectividade global tem potencial para eliminar o fosso digital e contribuir para o desenvolvimento de sociedades do conhecimento, bem como para a invocação científica e tecnológica em áreas vitais para a vida no planeta, como a medicina e a energia.
Não podemos esquecer nossa responsabilidade individual, institucional, nacional e internacional nesta hora crítica, afirma o documento, pois “podemos ser a primeira geração a ter sucesso em acabar com a pobreza; assim como também podemos ser a última a ter uma chance de salvar o planeta” (nº 50).
O documento fala da Agenda 2030, com uma “visão extremamente ambiciosa e transformadora”. O texto repete à exaustão as expressões “prevemos” e “nos comprometemos” na construção de uma realidade nova, enfim, “um outro mundo é possível construir” (nº 7-9). Na versão judaico-cristã, isto corresponde à busca de “um novo céu e uma nova terra”:
Um mundo livre da pobreza, fome, doença e penúria, onde toda a vida pode prosperar.
Um mundo livre do medo e da violência, com alfabetização universal, com o acesso equitativo e universal à educação de qualidade em todos os níveis, aos cuidados de saúde e proteção social, onde o bem-estar físico, mental e social estão assegurados.
Um mundo em que são reafirmados os compromissos relativos ao direito humano à água potável e ao saneamento e onde há uma melhor higiene, e onde o alimento é suficiente, seguro, acessível e nutritivo.
Um mundo onde habitats humanos são seguros, resilientes e sustentáveis, e onde existe acesso universal à energia acessível, confiável e sustentável.
Um mundo de respeito universal dos direitos humanos e da dignidade humana, do Estado de Direito, da justiça, da igualdade e da não discriminação; do respeito pela raça, etnia e diversidade cultural; e da igualdade de oportunidades que permita a plena realização do potencial humano e contribua para a prosperidade compartilhada.
Um mundo que investe em suas crianças e que cada criança cresça livre da violência e da exploração.
Um mundo em que cada mulher e menina desfruta da plena igualdade de gênero e no qual todos os entraves jurídicos, sociais e econômicos para o seu empoderamento foram eliminados.
Um mundo justo, equitativo, tolerante, aberto e socialmente inclusivo em que sejam atendidas as necessidades das pessoas mais vulneráveis.
Um mundo em que cada país desfrute de um crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável e de trabalho decente para todos.
Um mundo em que os padrões de consumo e produção e o uso de todos os recursos naturais – do ar à terra; dos rios, lagos e aquíferos aos oceanos e mares – são sustentáveis.
Um mundo em que a democracia, a boa governança e o Estado de Direito, bem como um ambiente propício em níveis nacional e internacional, são essenciais para o desenvolvimento sustentável, incluindo crescimento econômico, inclusivo e sustentado, desenvolvimento social, proteção ambiental e erradicação da pobreza e da fome.
Um mundo em que a humanidade viva em harmonia com a natureza e em que animais selvagens e outras espécies vivas estão protegidos.
Esta “nova visão” em busca de “um novo mundo”, de “novos céus e nova terra” como nos fala a Bíblia, assume a agenda inacabada dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - ODM, ou seja, a luta para erradicar a pobreza, o cuidado da saúde, a educação, a segurança alimentar e nutricional. Esta nova Agenda 2030 vai além e define um vasto leque de objetivos econômicos, sociais e ambientais. Ela abarca também a construção de sociedades mais pacíficas e inclusivas. Define também meios de implementação, numa abordagem integrada, explorando as interconexões profundas de muitas das questões transversais dos novos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS, com 169 metas associadas que são integradas e indivisíveis.
Enfim, os signatários da Agenda 2030 fazem sua profissão de fé: “Comprometemo-nos a promover a compreensão intercultural, a tolerância, o respeito mútuo e uma ética de cidadania global e responsabilidade compartilhada. Reconhecemos a diversidade natural e cultural do mundo e reconhecemos que todas as culturas e civilizações podem contribuir para, e constituem elementos cruciais de desenvolvimento sustentável” (nº 36).
Retomando conteúdo já explicitado, lembramos que os 17 Objetivos e as 169 metas associadas da agenda foram desenhados de forma “integrada e indivisível”, e busca-se implementar a agenda para o benefício de todos, isto é, “para a geração de hoje e para as gerações futuras”.
Esta nova Agenda, no seu horizonte de abrangência, vai “exigir revitalização das parcerias globais, trabalho em espírito de solidariedade global, especialmente solidariedade com os mais pobres e com as pessoas em situações de vulnerabilidade”. Ninguém ficará fora destes compromissos, mas todos, governo, setor privado, sociedade civil, o Sistema das Nações Unidas e outros atores, devem estar envolvidos. Apresentamos um rápido diagnóstico das temáticas críticas:
1) Que todos os Estados-membros da ONU respeitem a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A responsabilidade comum de todos é de “respeitar, proteger e promover os direitos humanos, as liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra opinião, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, deficiência ou qualquer outra condição”.
2) Efetivação da igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas. Todas as formas de discriminação e violência contra as mulheres e meninas deverão ser eliminadas. Atenção: cuidado com a ideologia de gênero!
3) As pessoas vulneráveis devem ser empoderadas e protegidas. Crianças, jovens, pessoas com deficiência (das quais mais de 80% vivem na miséria), as pessoas que vivem com HIV/aids, idosos, povos indígenas, refugiados, migrantes forçados. Pessoas que vivem em áreas afetadas por emergências humanitárias complexas e em áreas afetadas pelo terrorismo.
4) Acabar com a pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a erradicação da pobreza extrema (pessoas que vivem com menos de US$ 1,25 por dia) até 2030. Acabar com a fome e alcançar a segurança alimentar como uma questão de prioridade para acabar com todas as formas de desnutrição.
5) Educação inclusiva e equitativa de qualidade em todos os níveis, na primeira infância, no primário e nos ensinos secundário, superior técnico e profissional. Principalmente às populações vulneráveis assegurar o acesso de aprendizagem ao longo da vida.
6) Promover a saúde física e mental e o bem-estar. Aumentar a expectativa de vida para todos, visando ao alcance de cobertura universal de saúde e acesso a cuidados de saúde de qualidade. Que ninguém seja deixado para trás. Acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de cinco anos. Acabar com as epidemias de aids, tuberculose, malária e demais doenças tropicais negligenciadas.
7) Construir fundamentos econômicos robustos. O crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável é essencial para prosperidade. Combater a desigualdade de renda. Construir economias dinâmicas sustentáveis, inovadoras e centradas nas pessoas. Erradicar o trabalho forçado e o tráfico humano, e pôr fim ao trabalho infantil em todas as suas formas.
8) Mudar a maneira de produção e consumo de bens e serviços. Mudanças de consumo e produção não sustentáveis rumo a padrões mais sustentáveis de consumo e produção. Reduzir substancialmente a geração de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem e reúso. Garantir que as pessoas, em todos os lugares, tenham informação relevante e conscientização para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza.
9) Quanto aos migrantes, cooperar para garantir uma migração segura, ordenada e regular, que envolve o respeito pelos direitos humanos e o tratamento humano dos migrantes, independentemente do status de migração, dos refugiados e das pessoas deslocadas.
10) Enfrentamento da ameaça representada pela mudança climática e pela degradação ambiental. Maior cooperação internacional visando acelerar a redução das emissões globais de gases de efeito estufa e abordar a adaptação aos impactos negativos das mudanças climáticas. Manter a temperatura média global abaixo de 2°C ou 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Implementar as decisões da COP 21 (Paris, dezembro de 2015).
11) Gestão sustentável dos recursos naturais do nosso planeta. Conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos e mares, recursos de água doce, bem como florestas, montanhas e terras áridas e proteger a biodiversidade, os ecossistemas e a vida selvagem. Promover o turismo sustentável, combater a escassez de água, fortalecer a cooperação sobre a desertificação, as tempestades de poeira, a degradação dos solos e promover a resiliência e a redução do risco de desastres.
12) Em relação às cidades e espaços urbanos. Reduzir os impactos negativos das atividades urbanas e dos produtos químicos que são prejudiciais para a saúde humana e para o meio ambiente. Inclusive mediante a gestão ambientalmente racional e a utilização segura das substâncias químicas, a redução e reciclagem de resíduos e o uso mais eficiente de água e energia. Aumentar a organização inclusiva e sustentável, e as capacidades para o planejamento e gestão de assentamentos humanos participativos, integrados e sustentáveis, em todos os países.
13) Promoção da paz e segurança. Sem estes não ocorrerá o buscado e sonhado desenvolvimento sustentável. Necessidade de se construir sociedades pacíficas, justas e inclusivas, que ofereçam igualdade de acesso à justiça e que são baseadas no respeito aos direitos humanos. Redobrar esforços para prevenir e resolver conflitos, e apoiar os países em situação de pós-conflito. Promover o direito internacional, removendo os obstáculos para a plena realização do direito de autodeterminação dos povos que vivem sob ocupação colonial e estrangeira.
14) Reconhecer o esporte como um importante elemento facilitador do desenvolvimento sustentável, suas contribuições para a paz ao promover a tolerância e o respeito, para o empoderamento das mulheres e dos jovens, das comunidades, bem como para os objetivos da saúde, educação e inclusão social.
Enfim, temos diante de nós uma agenda monstruosa e grande, a ser trabalhada com muita dedicação e competência para que possamos, sempre, ir adiante com o compromisso de promover justiça e saúde para todos nas mais diferentes áreas da vida humana apontadas.
Quem são os refugiados? A Convenção dos Refugiados de 1951 definiu o refugiado como sendo “as pessoas que se encontram fora do seu país por causa de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, e que não possa (ou não queira) voltar para casa”. Posteriormente, definições mais amplas passaram a considerar como refugiados as pessoas obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos. As principais categorias de deslocamento são três: refugiados, solicitantes de refúgio e deslocados internos (pessoas forçadas a fugir dentro de seus próprios países).
Segundo estimativas do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - ACNUR e da Organização Internacional para as Migrações - OIM, perseguição, conflito e pobreza forçaram cerca de um milhão de pessoas a fugir para a Europa em 2015, um número sem precedentes. Em 2015, até o dia 21 de dezembro, cerca de 972.500 pessoas atravessaram o Mar Mediterrâneo, de acordo com números do ACNUR. Além disso, a OIM estima que mais de 34 mil pessoas cruzaram por via terrestre da Turquia para a Bulgária e Grécia.
A população de refugiados no mundo, que há um ano totalizava 19,5 milhões pessoas, chegou a 20,2 milhões de homens, mulheres e crianças em meados de 2015. É a primeira vez, desde 1992, que a marca dos 20 milhões é ultrapassada. As solicitações de refúgio aumentaram cerca 78% (totalizando 993,6 mil casos) em relação ao mesmo período em 2014. E o número de pessoas deslocadas internamente aumentou em cerca de 2 milhões, chegando a um total estimado de 34 milhões.
Considerando outras populações de refugiados e de deslocados internos sob o mandato de outras agências humanitárias, as estatísticas indicam que o ano de 2015 ultrapassou a marca dos 60 milhões de pessoas, forçadas a deixar seus países de origem devido a guerras, conflitos e perseguições. Isso representa que uma a cada 122 pessoas no mundo foi forçada a deixar sua casa.
O número de pessoas deslocadas pela guerra e por conflitos armados é o mais alto já visto na Europa Ocidental e Central desde a década de 1990, quando vários conflitos eclodiram na antiga Iugoslávia. Metade daqueles que cruzaram o Mediterrâneo neste ano (2015) – o que corresponde a cerca de meio milhão de pessoas – eram sírios fugindo da guerra em seu país. Os afegãos representam 20% desse fluxo e os iraquianos, 7%.
"À medida que os sentimentos xenofóbicos crescem em algumas áreas, é importante reconhecer as contribuições positivas que refugiados e migrantes fazem às sociedades em que vivem e também aos valores europeus fundamentais: protegendo vidas, defendendo os direitos humanos e promovendo a tolerância e a diversidade", disse o então alto-comissário da ONU para Refugiados, António Guterres.
"Sabemos que a migração é inevitável, é necessária e é desejável", acrescentou William Lacy Swing, Diretor Geral da OIM, em Genebra. “Mas não é o suficiente contar o número daqueles que chegam, pois quase 4.000 pessoas neste ano estão desaparecidas ou se afogaram. Nós também precisamos agir. A migração deve ser legal e segura para todos, tanto para os próprios migrantes como para os países que se tornarão seu novo lar”.
Segundo o ACNUR, mais de um milhão de migrantes chegaram à Europa pelo mar neste ano (2015). Essa cifra, feita em conjunto com a OIM, é de 1.000.573 migrantes que viajaram ao continente em lanchas e barcos. O número de mortes e desaparecidos durante a travessia do mar mediterrâneo é de 3.735.
Mais de 800.000 refugiados e migrantes vieram através do Mar Egeu da Turquia para a Grécia, sendo responsável por 80% das pessoas que chegam de forma irregular à Europa nesse ano por via marítima. Ao mesmo tempo, o número de pessoas que atravessam a partir do Norte da África para a Itália caiu ligeiramente, de 170.000 em 2014 para cerca de 150.000 em 2015. O número de pessoas que atravessaram o Mediterrâneo aumentou de forma constante desde janeiro, quando foram registradas 5.500 pessoas, até outubro, quando o número de registros chegou ao pico mensal de mais de 221.000 refugiados e migrantes.
O ACNUR lançou uma resposta de emergência para apoiar e complementar os esforços europeus. Mais de 600 funcionários e recursos de emergência foram enviados para 20 diferentes locais, oferecendo assistência vital e proteção, além de defender os direitos humanos e o acesso ao refúgio. A OIM atua hoje em todos os 28 países da União Europeia, assim como em muitos dos países limítrofes da Europa de onde os migrantes e refugiados iniciam sua jornada, e pelas terras pelas quais eles passam. A OIM está ajudando os governos no Oriente Médio, África, Balcãs e demais lugares a cuidar dos milhares de homens, mulheres e crianças que fizeram parte da migração histórica de 2015, e continuará a oferecer assistência aos migrantes e governos no ano seguinte.
As taxas de repatriação voluntária para os refugiados hoje são as mais baixas dos últimos 30 anos. Os números de novos refugiados também cresceram claramente: cerca de 839 mil pessoas em apenas seis meses, o equivalente a uma taxa média de quase 4.600 pessoas forçadas a fugir dos seus países todos os dias. Mundialmente, a guerra da Síria continua sendo o motivo de maior fluxo de novos refugiados e deslocados internos em massa.
Não obstante esta dramática situação que as estatísticas revelam, o ano de 2015 também foi marcado por extraordinários atos de generosidade de acolhida e concessão de asilo aos refugiados. Vejamos alguns destes países: a Turquia é o país que mais acolhe esta população no mundo, contabilizando 1,84 milhão de refugiados no seu território em 30 de junho de 2015. O Líbano, entretanto, acolhe mais refugiados em relação ao tamanho da sua população do que qualquer outro país do mundo, apresentando a relação de 209 refugiados por 1.000 habitantes. A Etiópia é o país que mais gasta em relação ao tamanho de sua economia, com 469 refugiados para cada dólar do PIB per capita. Em termos gerais, o maior impacto no acolhimento de refugiados continua acontecendo nos países que fazem fronteira com zonas de conflito, muitos deles no chamado mundo em desenvolvimento.
No continente Africano, a Uganda acolheu, dando proteção e segurança a mais de meio milhão de pessoas que fogem da violência e dos abusos de direitos humanos, provenientes principalmente do Sudão do Sul, do Burundi e da República Democrática do Congo. No final de 2015, a Uganda tornou-se o lar de quase 511 mil refugiados e solicitantes de asilo, o maior número da história do país. Até agora, mais de 100.000 pessoas cruzaram esta fronteira este ano (2015), tornando Uganda o terceiro maior país a hospedar refugiados na África, depois da Etiópia (736.000) e do Quênia (594.000).
Na Europa, a Alemanha, nos primeiros seis meses de 2015, foi o maior receptor mundial de novas solicitações de refúgio – 159 mil, aproximando-se do total global registrado em 2014. Em segundo lugar ficou a Rússia, com 100 mil solicitações, principalmente de pessoas que fogem do conflito na Ucrânia. O Brasil, em comparação com estes países, acolheu a insignificante cifra de somente 8.530 refugiados, principalmente do Haiti.
A solução desta problemática dos refugiados e migrantes é complexa. A comunidade internacional tem que enfrentar as causas destes deslocamentos forçados. Claro que a solução da crise, para além do humanitarismo, trata-se de uma questão política. Por exemplo, é necessário resolver conflitos como o da Síria e reconstruir os países afetados por conflitos internos. A guerra civil na Síria, que praticamente destruiu aquele país, é a principal causa do amento de refugiados e deslocamentos internos neste momento da humanidade. Desde 2011, aumentou de 4,7 milhões a população de refugiados no mundo, sendo que 4,2 milhões (89%) vieram da Síria.
A Agência da ONU para Refugiados, o ACNUR, tem procurado oferecer proteção e assistência para dezenas de milhões de refugiados, encontrando soluções duradouras para muitos deles. Os padrões da migração se tornaram cada vez mais complexos nos tempos modernos, envolvendo não apenas refugiados, mas também milhões de migrantes econômicos. Mas refugiados e migrantes, mesmo que viajem da mesma forma com frequência, são fundamentalmente distintos, e por esta razão são tratados de maneira muito diferente perante o direito internacional moderno.
Além dos refugiados e imigrantes, temos ainda neste cenário os apátridas. O ACNUR estima que os apátridas sejam aproximadamente 12 milhões no mundo. Nacionalidade é o elo legal entre um Estado e um indivíduo. Apátrida refere-se à condição de um indivíduo que não é considerado como um nacional por nenhum Estado. A condição de ser um “apátrida” ocorre por uma variedade de razões, incluindo discriminação contra minorias na legislação nacional, falha em incluir todos os residentes do país no corpo de cidadãos quando o Estado se torna independente (sucessão de Estados) e conflitos de leis entre Estados. Possuir uma nacionalidade é essencial para a completa participação na sociedade e é um pré-requisito para usufruir todos os aspectos dos direitos humanos.
Enquanto os direitos humanos são, em geral, usufruídos por todos, alguns direitos, como o direito ao voto, podem estar limitados aos nacionais. Uma questão ainda mais preocupante é a de que muitos direitos dos apátridas são violados na prática. Eles são frequentemente impossibilitados de obter documentos de identidade, correm o risco de serem detidos por não possuírem uma nacionalidade, além da negação de acesso à educação, aos serviços de saúde e ao emprego. Dada a seriedade do problema, em 1954 a ONU adotou a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas.
António Guterres, então alto-comissário da ONU para Refugiados, disse que “o deslocamento forçado afeta profundamente a nossa realidade e as vidas de milhões de seres humanos, sejam aqueles forçados a fugir quanto os que oferecem abrigo e proteção”. Segundo Guterres, “nunca houve uma necessidade tão nítida de tolerância, compaixão e solidariedade para com as pessoas que perderam tudo". Ainda segundo Guterres, “À medida que os sentimentos xenófobos crescem em algumas áreas, é importante reconhecer as contribuições positivas que refugiados e migrantes fazem às sociedades em que vivem e também aos valores europeus fundamentais: proteger vidas, defender os direitos humanos e promover a tolerância e a diversidade”.
O relatório “Estimativas Globais da Organização Internacional do Trabalho das Nações Unidas sobre Trabalhadores Migrantes” revela que os trabalhadores migrantes correspondem a 150,3 milhões dos aproximadamente 232 milhões de migrantes internacionais, uma taxa de 72,7% de população ativa entre os migrantes. Este estudo foi lançado por ocasião do Dia Internacional do Migrante (18 de dezembro), em vista da comemoração do 40º aniversário da Convenção 143, relativa às Migrações em Condições Abusivas e à Promoção da Igualdade de Oportunidades e Tratamento dos Trabalhadores Migrantes, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho de 1975. Esse estudo demonstra que entre os 206,6 milhões da população migrante, com idades iguais ou superiores a 15 anos, a maioria são homens: 83,7 milhões de homens e 66,5 milhões de mulheres.
Segundo a OIT, a migração para o trabalho é um fenômeno que afeta todas as regiões do mundo. Quase a metade dos trabalhadores migrantes, 45,8%, está concentrada em duas regiões: América do Norte e Europa do Norte, Sul e Ocidental, enquanto os Estados Árabes têm a maior proporção de trabalhadores migrantes ante a massa total de trabalhadores do país, 36,5%.
Segundo o diretor-geral da OIT: “Esta análise representa uma contribuição significativa da OIT em apoio dos Estados-membros para aplicar a Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável, especificamente no que diz respeito às metas do Objetivo 8, que visa proteger todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores migrantes, bem como aplicação das metas do objetivo 10, sobre a implementação de políticas de migração planejadas e bem geridas”.
Esse estudo revelou também que a grande maioria dos trabalhadores migrantes está nos setores dos serviços, com 106,8 milhões (71,1%), seguido pela indústria, incluindo manufatura e construção, com 26,7 milhões (17,85%), e da agricultura, com 15,7 milhões (11,1%). Entre todos os trabalhadores migrantes, 7,7% são trabalhadores domésticos. Com esses dados, que mostram que a grande maioria dos migrantes parte de seus países em busca de melhores oportunidade de emprego, tem-se uma base sólida para o desenvolvimento de políticas migratórias eficazes, falam os especialistas da área de migração.
A OIT mostrou-se preocupada com a discriminação de mulheres migrantes no trabalho doméstico, sendo que este é um dos setores menos regulados pela economia. O relatório constatou que dos cerca de 67,1 milhões de trabalhadores domésticos no mundo, 11,5 milhões (17,2%) são migrantes internacionais, dos quais cerca de 8,5 milhões (73,4%) são mulheres. O Sudeste Asiático e o Pacífico acolhem a maior fatia, com 24% dentro do número global de trabalhadoras domésticas migrantes, seguido pela Europa do Norte, Sul e Ocidental, com 22,1%, e os Estados Árabes, com 19%. Ainda segundo esse estudo da OIT, os trabalhadores migrantes domésticos crescerão de número internacionalmente como resposta às necessidades de agregados familiares, especialmente com o envelhecimento das sociedades e outras mudanças de caráter demográfico e socioeconômico.
A questão da migração é central na Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Os migrantes precisam de trabalho, mas é igualmente certo que, nos próximos anos, muitas economias de destino precisarão de novos trabalhadores. O mundo vai precisar de mais e melhores dados e indicadores para acompanhar esses fluxos, e este relatório estabelece um novo padrão na pesquisa para ter dados globais de qualidade para orientar as decisões políticas, afirma o diretor do Departamento de Estatísticas da OIT, Rafael Diez de Medina.
O ano de 2015 foi marcado em nível mundial por intensos debates em torno da temática ecológica do aquecimento global, com a realização da 21ª Conferência do Clima da ONU em Paris. Em meados deste mesmo ano, o Papa Francisco surpreende o mundo com uma importante Encíclica, Laudato Si´- Sobre o cuidado da Casa Comum, criticamente aclamada, e que merece um estudo à parte pela sua importância.
Certamente, no futuro, os livros de história registrarão, não como mera coincidência, que em dezembro de 2015 (30/11 a 12/12/2015), em Paris, ocorreu a Conferência sobre Mudanças Climáticas com as 195 nações que integram a ONU, e que chegaram a um novo acordo. Foram necessários nada menos que dezoito anos, desde o Protocolo de Kyoto (1997), para que se chegasse ao “Acordo de Paris”, como foi denominado o documento final da Conferência da ONU, para combater o aquecimento global.
O objetivo do acordo é impedir que a temperatura média do ar na Terra ultrapasse o limiar de 2°C e, de preferência, fique abaixo de 1,5°C até o ano 2100. Com 2°C há uma chance boa de se evitar perturbações climáticas mais graves, como ondas de calor mortíferas ou secas terríveis que dizimam colheitas de alimentos. Já para evitar o derretimento de calotas de gelo como as da Groenlândia, é aconselhável respeitar o limite de 1,5°C. Além desta marca o nível do mar se elevaria em seis metros; isso ocorreria ao longo de muitos séculos, mas o suficiente para ‘enterrar’ na água cidades como Nova York e Rio de Janeiro.
Países-ilhas, tais como Kiribati, Maldivas, Tuvalu e Marshall, hoje estão em risco. Estuda-se até a recolocação de seus habitantes. Bastam alguns centímetros de elevação para o mar invadir terrenos baixos e lençóis freáticos. Em Bangladesh, dezenas de milhões de pessoas vivem em lugares que dependem de terras e recursos hídricos sob risco. Por causa disso a Índia já constrói uma cerca reforçada na fronteira, afinal pode surgir dali um Tsunami de refugiados. Para todos estes povos não é fácil ouvir que o Acordo de Paris é só o início, o começo de um longo caminho, em que quase tudo ainda resta por ser realizado. Seria bem melhor ter certeza de que esse pacto terá marcado o fim da Era Fóssil. O CO2 lançado perdura décadas no ar, de modo que a atual situação do clima na Terra em verdade ocorreu com o desenvolvimento econômico de ontem, do passado.
O ano de 2015 terminou como o ano mais quente já registrado na história da Terra: 16,61°C foi a temperatura média da Terra em julho de 2015. E 2016, segundo previsão do Met Office, agência meteorológica britânica, deve ultrapassar esta marca. No caso de 2015, a temperatura média da atmosfera terrestre esteve cerca de 1°C acima dos níveis anteriores ao século XIX, quando se acelerou o uso de combustíveis fósseis e a consequente emissão de gases do efeito estufa, como o CO2.
O que move o mundo hoje, e num futuro próximo, ainda são os combustíveis fósseis. Estamos viciados em carvão, petróleo e gás natural, substâncias que aprisionam em compostos de carbono a energia de organismos mortos há milhões de anos. Pelo Acordo de Paris, a humanidade pretende dispensar o uso de combustíveis fósseis ainda neste século. A data de 12 de dezembro de 2015 pode entrar na história como sendo a data em que a humanidade tomou a decisão política mais abrangente de todos os tempos: trocar a fonte de energia responsável pelo grande crescimento econômico dos séculos XIX e XX. Tem início a era da descarbonização da economia! E claro, para que isto ocorra, será um processo caro, exigindo pesados investimentos.
O presidente francês François Hollande afirmou que “O 12 de dezembro de 2015 poderá ser uma grande data para a humanidade”! Depois da aprovação do documento, comemorou: “É o fim da era do carbono”. Foi dado um sinal claro do começo do fim da Era Fóssil, de se abandonar o carvão, o petróleo e o gás natural como principais fontes de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono, que se acumulam na atmosfera e a aquecem globalmente. Inicia-se um processo de transição energética, dos fósseis para fontes renováveis, de energia limpa, e um dado muito importante neste cenário todo. Uma nova consciência ambiental está nascendo na humanidade. Ao celebrar o acordo de Paris, Ban Ki-moon, então secretário-geral da ONU, disse que com este fato provou-se que a ONU tem a capacidade de “fornecer esperança e cura para o mundo” e que o acordo “é um seguro de saúde para o planeta”.
Podemos destacar alguns ganhos em termos de processo nas discussões que se iniciaram com o tratado de Kyoto (1997), e que na COP 15, em Copenhague (2009), houve um fracasso preocupante nas negociações, e agora na COP 21 (Paris, 2015):
Há que se ressaltar inicialmente o espírito de cooperação entre os 195 países-membros da ONU. Na COP 15, em Copenhague, foi um grande fracasso, não se chegou a nenhum acordo. “Chegou o tempo de deixar os interesses nacionais de lado e agir nos interesses globais”, bradou Ban Ki-moon. Interessante o que diz Nicholas Stern, assessor da rainha Elizabeth em questões ecológicas: “nossa cultura não está habituada à cooperação, exceto em caso de guerra. De resto impera a competição entre as nações; enquanto perdurar este espírito, nunca chegaremos a nenhuma convergência”.
Existem momentos críticos na história em que apenas o esforço concentrado de toda a comunidade global torna possível suplantar os desafios. Assim ocorreu no enfrentamento da gripe espanhola ou da peste negra, no controle de armas nucleares ou na reconstrução Pós-Segunda Guerra mundial. Foi preciso que do caos surgisse um esforço concentrado para tornar consenso um objetivo comum e superar o momento. Pouco antes da Conferência de Paris, o mundo ficou chocado com os atentados em Paris, quando na casa de espetáculos Bataclan, terroristas do ISIS, homens-bomba mataram, a sangue frio, 157 pessoas. Tanto a ameaça terrorista quanto a questão climática envolvem a todos e colocam em risco a vida de todos no Planeta. O risco é de todos, o esforço deve ser de todos, os benefícios serão para todos.
Outros aspectos importantes em termos de ganho que a Conferência trouxe:
O reconhecimento de que já nos encontramos dentro do aquecimento, quando na introdução afirma que “a mudança climática representa uma ameaça urgente e potencialmente irreversível para as sociedades humanas e para o planeta”. A decisão de os países ricos repassarem, a partir de 2020, US$ 100 bilhões/ano aos países em desenvolvimento. Claro, isto é insuficiente, mas sinal de um começo. Esta quantia representa somente 0,16% do PIB das 20 maiores economias do mundo. Promoção de capacitação para os países mais necessitados a fim de implementarem a adaptação e mitigação. O estabelecimento de metas de redução de emissão de poluentes de cada país (INDCs), para evitar o avanço do aquecimento, mas ainda insuficientes para atingir o nível de 2°C. Pelos níveis propostos, o aquecimento fica entre 2,7°C e 3,5°C, portanto haverá necessidade de se conversar a respeito. A cada cinco anos os países prometeram rever seus planos climáticos nacionais a partir de 2018. Criação de um organismo internacional dedicado a “perdas e danos” para compensar os países que serão mais afetados pelas mudanças do clima.
Leonardo Boff, conhecido teólogo brasileiro e estudioso da ecologia, faz uma crítica interessante quando fala do horizonte a partir do qual ocorre o enfrentamento do aquecimento global, a partir da “Agenda 2030: sobre o desenvolvimento sustentável”. Diz Boff que o que está em questão não é o destino e o futuro da vida e da Terra ameaçados pelo aquecimento global. O centro nervoso e de interesse é a economia, sob o signo de um desenvolvimento denominado “sustentável”. Os recursos naturais da terra são finitos e o progresso também não pode ser infinito... Um planeta finito, em termos de recursos naturais, não suporta um projeto infinito de progresso. Outro aspecto é que o texto cita somente uma vez a palavra Terra, ao se referir às culturas que chamam a Terra de mãe. A questão é a relação de manipulação ou sinergia entre o ser humano e a natureza. “Esse é o equívoco imperdoável da cosmologia rudimentar presente no texto”, arremata Boff.
Laurent Fabius, o secretário-geral da Conferência, emocionado, assim conclui a apresentação do documento: “este texto contém os principais avanços, que muitos de nós não acreditam ser possível. Este acordo é diferente, justo, dinâmico e legalmente vinculante”.
Muito ainda será discutido a respeito deste processo da caminhada da humanidade em relação à questão climática. Desde uma perspectiva ética crítica necessitamos estar vigilantes com a mercantilização da vida que silenciosamente vai fazendo com que os interesses do mercado prevaleçam sempre, em relação aos direitos sagrados dos seres vivos, de garantir um amanhã para a vida no Planeta. Urge que implementemos uma “ética de cidadania global”!
A Unesco, agência das Nações Unidas especializada para a educação no mundo, realizou em maio de 2015 o Fórum Mundial de Educação, na cidade de Incheon, Coreia do Sul. A Declaração de Incheon, intitulada: “Educação 2030: rumo a uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e a educação ao longo da vida para todos”, reafirma a visão do movimento global Educação para Todos, embora estejamos ainda longe de alcançar a educação para todos, e também que a visão e a vontade política serão refletidas em inúmeros tratados de direitos humanos internacionais e regionais, que estabelecem o direito à educação e sua inter-relação com outros direitos humanos.
A visão da Unesco é transformar vidas por meio da educação ao reconhecer seu importante papel como principal impulsionador para o desenvolvimento e para o alcance de outros objetivos do desenvolvimento sustentável propostos pela Agenda 2030. Explicita-se o comprometimento, em caráter de urgência, com uma agenda de educação única e renovada, que seja holística, ousada e ambiciosa, que não deixe ninguém para trás. Essa nova visão está anunciada no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 4 da Agenda 2030: “Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” e suas metas correspondentes.
Esta visão é inspirada por uma visão humanista da educação e do desenvolvimento, com base nos direitos humanos e na dignidade humana, na justiça social, na inclusão, na proteção, na diversidade cultural, linguística e étnica, e na responsabilidade e na prestação de contas compartilhadas. Reafirmamos que a educação é um bem público, um direito humano fundamental e a base que garante a efetivação de outros direitos. Ela é essencial para a paz, a tolerância, a realização humana e o desenvolvimento sustentável. A educação é um elemento-chave para se atingir o pleno emprego e a erradicação da pobreza. Há que se esforçar no acesso, na equidade e na inclusão, bem como na qualidade e nos resultados da aprendizagem, no contexto de uma abordagem de educação ao longo da vida.
Promover oportunidades de educação ao longo da vida para todos, em todos os contextos e em todos os níveis de educação, inclui acesso equitativo e mais amplo à educação e à formação técnica e profissional de qualidade, bem como ao ensino superior e à pesquisa, com a devida atenção à garantia de qualidade. A educação de qualidade promove criatividade e conhecimento e também assegura a aquisição de habilidades básicas em alfabetização e matemática, bem como habilidades analíticas e de resolução de problemas, habilidades de alto nível cognitivo e habilidades interpessoais e sociais. Além disso, ela desenvolve habilidades, valores e atitudes que permitem aos cidadãos levar vidas saudáveis e plenas, tomar decisões conscientes e responder a desafios locais e globais por meio da educação para o desenvolvimento sustentável.
Ainda nesta Declaração, a Unesco se compromete em desenvolver sistemas de monitoramento e avaliação nacionais abrangentes para produzir evidências sólidas que orientam a formação de políticas e a gestão dos sistemas de educação, e também assegurem a prestação de contas. Esta Declaração “é um compromisso histórico com a transformação de vidas por meio de uma nova visão da educação, com ações ousadas e inovadoras, para que consigamos alcançar a ambiciosa meta até 2030”, conclui o documento.
Bibliografia fundamental:
ACNUR - Agência da ONU para Refugiados. Cf. Acnur. Acesso em 25/07/2016
IOM - INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION. Integration: building Inclusive Societies. Cf. UNAOC. Acesso em 26/07/2016.
FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Laudato Si` - sobre o cuidado da casa comum. Edições Loyola, São Paulo, 2015.
PESSINI, l.; BERTACHINI, l.; BARCHIFONTAINE, C.P.; HOSSNE, W. S. Bioética em tempos de globalização. Edições Loyola, São Paulo, 2015.
UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization). Unesco and Sustainable Development Goals. Cf. Unesco. Acesso em 25/07/2016.
UNESCO (United Nations Educational, Ecinetific and Cultural Organization). Universal Declaration on Bioethics and Human Rights. Acesso em 17/07/2016.
UNITED NATIONS - Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. New York, 2015. Cf. ODS. Acesso em 25/07/ 2016.
UNITED NATIONS Millenium Development Goals. Cf. ONU. Acesso em 25/07/2016.
UNHCR - The UM Refugie Agency. Cf. UNHCR. Acesso em 26/07/2016
UN Climate Change Conference Paris 2015. Cf. www.un.org/sustainabledevelopment/cop21. Acesso em 26/07/2016.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). The 2030 Agenda – A New Impetus for Health Monitoring. Cf. WHO. Acesso em 26/07/2016.
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Alguns comentários bioéticos em relação à Agenda 2030 da ONU para o desenvolvimento sustentável. Artigo de Leo Pessini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU