Por: Ricardo Machado | 06 Junho 2017
"É melhor que, principalmente diante das transformações no mundo do trabalho, da biotecnologia e da Inteligência Artificial, sejamos capazes de optar por um processo civilizatório inclusivo e que resguarde a possibilidade de existência digna dos mais necessitados", escreve Ricardo Machado, jornalista e doutorando em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.
Eis o artigo.
Fracassamos. É chegada a hora de enfiar as mãos nos bolsos e sair a esmo, pensar no que temos feito para só depois de muito andar retomar o caminho de volta e começar tudo de novo. O Rio Grande do Sul, particularmente duas escolas privadas, uma da capital e outra da região metropolitana de Porto Alegre, tornou-se notícia nacional por uma brincadeira feita entre os estudantes do último ano do Ensino Médio que tinha como tema a frase: “se tudo der errado eu viro...”. Pois bem, as reticências foram completadas com fotos e cartazes em que os alunos se vestiam como atendentes de fast foods, faxineiros, garis e catadores de material reciclado, entre outros. O Brasil que estampa Joesley em capa de revista é o mesmo que inferioriza certos trabalhadores.
Fracassamos. O ponto central nesse debate não diz respeito ao que se poderia compreender como uma espécie de patrulhamento do “politicamente correto” (eita expressão medonha!), mas ao desejo de produzir hierarquias sociais, econômicas e (pasmem!) intelectuais. A questão principal é a absoluta incapacidade de jovens de perceber o Outro, mesmo estando à beira de ingressar na universidade e que tiveram amplo acesso à formação que deveria ser da mais alta qualidade (afinal, paga-se caríssimo por ensino privado). Outro se escreve com a primeira letra maiúscula porque se trata de um sem número de Marias, Joões, Joanas, Pedros, Paulas e tantos outros.
Fracassamos. A vontade de minimizar o episódio ao sustentar que eram “apenas jovens”, “que era só uma brincadeira” e que “não tinham intenção” é a expressão máxima do nosso fracasso ético. O Atlas da Violência 2017 divulgado esta semana mostra que a taxa de homicídios da população não negra caiu 12,2%, ao passo que a da população negra cresceu 18,2%. Somos o país que deseja a redução da maioridade penal para as populações marginalizadas, sobretudo negros e pobres, e passa a mão na cabeça dos brancos de classe média. Mimamos os ricos, surramos os miseráveis. Triste requiém para a educação tecnocrática da barbárie.
Fracassamos. As portas da Quarta Revolução Industrial estão escancaradas à nossa cara e tudo o que fazemos é apostar no empreendorismo individual. Formamos nas escolas jovens que precisam aprender a vencer a qualquer custo e nas universidades adultos cujo imperativo é a razão prática (empreendedora inclusive), que ali adiante será substituída por autômatos, diria Aristóteles, muito mais eficientes que nós humanos. A Revolução 4.0 não vem a galope, ela chega na velocidade da transmissão de dados, na Inteligência Artificial e na Impressão 3D, fenômenos que reorganizam não somente os modos de produção atuais, mas nosso ser/estar no mundo de uma maneira muito radical.
Precisamos encarar nossos fracassos e não esperar que a mão da história afague nossas cabeças de crianças mimadas que perceberam o erro, mas que não dimensionam seu tamanho. Precisamos compreender que estamos diante de uma fronteira cujos nossos próximos passos darão a direção do futuro. É melhor que, principalmente diante das transformações no mundo do trabalho, da biotecnologia e da Inteligência Artificial, sejamos capazes de optar por um processo civilizatório inclusivo e que resguarde a possibilidade de existência digna dos mais necessitados. Agora, se tudo der errado viraremos “gaúchos”, essa débil caricatura de povo politizado e intelectualizado que acredita que tudo foi só uma “brincadeira inocente”.
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Se tudo der errado viraremos “gaúchos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU