02 Março 2017
O Papa Francisco não volta atrás, ao contrário, lança novamente para a frente: que a Igreja se abra às coabitações, acolha-as, não rejeite os jovens que preferem esse tipo de união. As palavras proferidas no sábado passado pelo bispo de Roma, perante os participantes de um curso de formação promovido pelo Tribunal da Sacra Rota (aquele que se ocupa com as nulidades matrimoniais), teriam um quê de explosivo, não fosse pelo fato de Bergoglio já ter acostumado a opinião pública esses desvios repentinos em relação a tradições consolidadas.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada no jornal L’Unità, 27-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Então, o sacramento do matrimônio entra em colapso? Ao contrário, no mesmo discurso, o pontífice pediu aos sacerdotes um maior compromisso, uma atividade formativa não formal ou superficial, para fazer com que os casais prestes a se casar compreendam até o fim o valor do matrimônio como “sinal da união de Cristo e da Igreja”.
Assim, resumindo as escolhas feitas nesse âmbito pelo papa, pode-se entrever um percurso: primeiro, Francisco facilitou os processos de nulidade matrimoniais nos tribunais da Rota, desburocratizando a matéria e colocando os casais em via de separação novamente nas mãos de sacerdotes e bispos locais mais do que dos advogados e dos juízes; introduziu o princípio da separação em virtude do reconhecimento por parte dos cônjuges do fato de que o matrimônio tinha sido contraído sem uma verdadeira consciência do seu valor cristão, sacramental justamente, isto é, de modo superficial, apenas por costume, por hábito social ou por conveniência.
É um percurso que os fiéis devem realizar essencialmente com os seus pastores; assim também foram enormemente simplificadas as causas de nulidade, dominadas no passado por hipocrisias e versões grotescas sobre a vida conjugal a fim de colocar, preto no branco, uma verdade postiça que coincidisse com a lei canônica.
No sábado, além disso, o papa insistiu – coerentemente – na necessidade de que aqueles que se casam de acordo com o rito católico estejam consciente do valor que ele tem do ponto de vista cristão, religioso. Inevitavelmente, então, surge uma interrogação: por trás desses passos bergoglianos, há uma aceitação implícita de que as bodas na Igreja podem diminuir (além de já se reduzirem do ponto de vista estatístico) em um cenário que vê menos matrimônios católicos, mas mais sólidos, mais seguros, com um laicato mais consciente? É possível. Ou, melhor, essa revalorização dos leigos faz parte plenamente da reforma da Igreja.
Porém, o papa sabe que essa estrada, se for tomada sem uma abertura mais ampla ao mundo, reduziria a Igreja a um enclave, talvez ainda consistente, mas separado, sim, do resto da sociedade. Então, eis a advertência de Francisco: “Ao mesmo tempo – disse ele aos sacerdotes que o ouviam – façam-se próximos, com o estilo próprio do Evangelho, no encontro e na acolhida daqueles jovens que preferem coabitar sem se casar. Eles, no plano espiritual e moral, estão entre os pobres e os pequenos, para os quais a Igreja, nos passos do Seu Mestre e Senhor, quer ser mãe que não abandona, mas que se aproxima e cuida. Essas pessoas também são amadas pelo coração de Cristo”.
“Tenham em relação a eles – insistiu – um olhar de ternura e de compaixão. Esse cuidado para com os últimos, justamente por emanar do Evangelho, é parte essencial da sua obra de promoção e de defesa do sacramento do matrimônio. A paróquia, de fato, é o lugar por excelência da ‘salus animarum’ (isto é, a salvação das almas).”
Portanto, o papa talvez não mude a doutrina, como recita a vulgata da comunicação vaticana, mas certamente se aproxima disso ou, pelo menos, rompe esquemas tradicionais consolidados. E, provavelmente, aqui, entrevê-se a mudança profunda imaginada pelo papa argentino: ou seja, a proposta de uma Igreja capaz de viver em uma sociedade plural, aberta, não mais apenas católica, em que a mensagem cristã deve encontrar novas estradas.
Para fazer isso, Francisco só pode voltar ao Evangelho, às origens, à fonte de tudo e reencontrar, nos traços essenciais do cristianismo, a sua mensagem universal, não para diluir os pecados – dos quais o próprio Bergoglio, todos os dias, faz listas articuladas – mas para propor à Igreja que leve o anúncio a todos, porque, em todos os lugares, há sementes de verdade, de fé, de justiça, de caridade. E, em todos os lugares, a conversão é possível.
Por outro lado, com o seu discurso sobre os casais de fato, o papa pressiona outra tecla na qual ele insiste muito no seu magistério: padres e bispos não devem passar o tempo julgando, emitindo sentenças morais. Além disso, não há, nas suas palavras, um juízo depreciativo, moralista, dirigido às pessoas que coabitam; certamente, há uma classificação, por assim dizer, evangélica – os coabitantes fazem parte dos “últimos” –, mas os últimos não são justamente o próprio coração do Evangelho? E eles podem ser excluídos da palavra de Deus para serem condenados pela lei ou pela palavra da Igreja?
O papa está tentando abrir ao catolicismo uma estrada dentro da modernidade, ou hipermodernidade, se se preferir, deste tempo. Uma parte dos sacerdotes, dos bispos e dos cardeais, assim como dos fiéis mais tradicionalistas, não o segue, não o entende ou, melhor, detesta-o profundamente. Outros ambientes o aprovam com decisão, com a esperança de que ele faça até mais e vá mais longe nesse caminho.
Por quanto tempo poderão permanecer ainda unidas, na mesma casa, essas duas Igrejas, essas duas visões de Deus e, portanto, do mundo? É difícil dar uma resposta neste momento. Certamente, o magistério de Francisco, por enquanto, continua ao longo da estrada que ele mesmo havia anunciado desde as primeiras semanas de pontificado.
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Casais de fato: Francisco rompe outro tabu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU