14 Janeiro 2017
“Eu não acho que no mundo de hoje esteja em curso um choque entre globalização e antiglobalização. Se pensarmos no movimento antiglobalização que se apresentou antes do G8 de Gênova, em 2001, e depois em outras cidades, era o máximo da globalidade. Não, o choque é entre modelos de desenvolvimento e globalização diferentes...”
A reportagem é de Massimo Franco, publicada no jornal Corriere della Sera, 13-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Amartya Sen fala lentamente e não nega a sua atenção de uma vida inteira às questões sociais: aquelas que fizeram com que ele fosse chamado de a “Madre Teresa de economistas”, embora ele não goste da comparação com a mítica freira dos deserdados de Calcutá.
O economista-filósofo indiano, prêmio Nobel de Economia de 1997, professor de Harvard, fala sobre o Sul e o Norte da Itália e do mundo, sobre Donald Trump, sobre o câncer que o atingiu quando era jovem. E sobre imortalidade. O seu nome, Amartya, em bengali, significa “imortal”. E ele, agnóstico de 83 anos, admite que gostaria de uma imortalidade, “que não significa ser lembrado, mas, como diz Woody Allen, significa não morrer...”. Sorri, irônico.
A entrevista com o Corriere ocorre na frente de mais de 300 pessoas, na Aula Magna da Faculdade de Arquitetura da Universidade Roma Tre, por causa do aniversário de 10 anos da Fondazione con il Sud. E, saltando do século XVI até o presente, ele desenha um mundo em que se implodem lugares-comuns que ele se esforça para desmentir.
Professor Sen, você compartilha o clichê de um Sul do mundo em crise e de um Norte forçado a ajudá-lo, mas relutantes em fazê-lo?
Em parte. Teoriza-se muito sobre o fosso entre o Norte e o Sul: os fossos não são perenes. O parâmetro Norte-Sul, na realidade, é o do privilégio e da ausência de privilégio. E, nessa situação, o Norte deveria ter uma obrigação de solidariedade, porque pode se dar ao luxo disso.
Parece-lhe que a Europa está reagindo assim? Não é uma resposta marcada pelo egoísmo?
Eu vejo uma forte tentação de replicar com o egoísmo. Em matéria de imigração, por exemplo, não me parece que a Europa ajude a Itália o suficiente. E, no entanto, há também uma questão de democracia. Um governo não pode fazer mais do que as pessoas lhe permitem. E, neste caso, desponta um problema de educação não no sentido de instrução, mas de formação, de cultura. É um ponto importante, se pensarmos nas consequências que poderá ter a eleição de Donald Trump ou no que aconteceu com o Brexit. Nesses casos, prevaleceram muitos preconceitos.
Você não acredita que o Brexit, Trump e aquele que é chamado de populismo mostram uma rejeição da globalização? Pessoas como Bill Gates defendem que ela é imparável. E você?
Certamente, a globalização não acabou. Mas o que acontece, na minha opinião, tem pouco a ver com a globalização. Olhemos para alguns anos atrás, para os protestos. Lembremos Gênova e o G8 de 2001. O movimento antiglobalização era, sem dúvida, o mais globalizado do mundo. As pessoas vinham até da Nova Zelândia.
Antiglobalização global?
Antiglobalização que, na realidade, buscava um modelo diferente de globalização. O choque é sobre isso. Pensemos nas mudanças econômicas que estão ocorrendo continuamente e chamemo-las como quisermos. É preciso compreender o papel do Estado. Há vencedores e perdedores em qualquer fase de transição. Pois bem, os grupos mais fortes, Estado, comunidades, sociedades podem e devem fazer algo para ajudar as pessoas marginalizadas. Caso contrário, elas se sentem abandonadas. Chega um Trump, traz à tona a sua raiva e faz com que elas se voltem novamente contra o establishment.
A opinião pública europeia hoje parece obcecada com a imigração, o terrorismo e o desemprego. Qual desses problemas lhe parece ser mais desestabilizador?
Eu não gostaria de responder, porque não se pode escolher entre essas três coisas. Vou me esforçar para considerá-las separadamente. Na minha opinião, são todas questões sérias. Eu passei toda a minha vida fazendo escolhas difíceis. Mas você não deve escolher entre chá e café, deve evoluir. No entanto, acredito que o desemprego é uma questão muito séria. Não a mais séria, mas muito séria. E que deve ser atacada.
Sobre esse ponto, a Itália, especialmente no Sul, apresenta problemas mais graves: em particular, sobre o desemprego juvenil.
Sim, mas atenção: eu acho que um problema do Sul é também o de não se fossilizar em um certo fatalismo, de não dar as coisas por descontadas e imutáveis. Isso deveria levar a reagir para mudá-las. Eu acredito profundamente nessa capacidade do ser humano de enfrentar e superar as dificuldades. Pensando bem, foi o que eu tentei fazer quando era estudante de 18 anos de idade. Em Calcutá, eu fui diagnosticado com câncer, e me disseram que eu tinha 15% de possibilidade de sobreviver. Eu aprendi com essa experiência.
Aprendeu que é preciso reagir?
Não só reagir: algo mais. Aprendi que devemos olhar na cara. E, no início, o problema era que o médico continuava afirmando que eu não tinha nada. Pois bem, eu aprendi que é preciso lutar e superar os momentos difíceis. Eu acho que a cultura e a mentalidade são importantes, e às vezes aquilo que eu não gosto em certas culturas meridionais é a tendência ao fatalismo, à resignação. Embora eu saiba que os comportamentos também são explicados pelas condições materiais nas quais se vive.
Professor Sen, Amartya, o “imortal”. Você é agnóstico. Mas, à parte da religião, há algo em que alimenta uma confiança profunda?
Eu não saberia dizer...
Já é uma resposta.
Eu ficaria feliz se fosse, mas é limitada demais. Não. Eu acredito na razão humana. E estou convencido de que, quando as situações mudam, não existem respostas imutáveis, e que o raciocínio nos ajuda a encontrar as certas, a entender a realidade e a mudá-la. Também estou convencido de que temos obrigações morais e que, para respeitá-las, não há necessidade de Deus. Sei que isso não vai agradar a muitos, mas eu penso assim.
Em suma, a sua fé é a razão humana...
Poderíamos dizer assim. Quanto à imortalidade contida no meu nome, eu sou da mesma opinião de Woody Allen. Para mim, ser imortal não significa estar vivo na memória, mas não morrer...
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"A globalização não acabou, mas agora é preciso que os mais fortes ajudem os marginalizados." Entrevista com Amartya Sen - Instituto Humanitas Unisinos - IHU