08 Dezembro 2016
A Arquidiocese do Rio de Janeiro investigará as circunstâncias da operação em que a polícia militar utilizou, no dia 06 de dezembro passado, uma igreja para atirar balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes que protestavam contra os cortes em discussão na Assembleia Legislativa do Estado.
A reportagem é de José Manuel Vidal e publicada por Religión Digital, 07-12-2016. A tradução é de André Langer.
Em uma segunda nota (a primeira foi mais tímida e provocou uma chuva de críticas contra o arcebispo), emitida pela Arquidiocese do Rio de Janeiro, o arcebispo Orani Tempesta manifesta “seu repúdio pelos lamentáveis fatos ocorridos”, aguarda uma explicação formal da Polícia e “um efetivo protocolo para que um episódio deste tipo não volte mais a ocorrer”.
Por outro lado, o cardeal Tempesta pede aos políticos uma “agilidade maior” na busca de soluções para os conflitos resultantes dos cortes e aos manifestantes “das angústias, de fato tão grandes, que o façam sempre de modo pacífico, construindo pontes de diálogo”.
Porque “o recurso à violência nunca é solução”. E acrescenta: “As efetivas soluções brotam da solidariedade, do diálogo e do sacrifício. Se grande são os problemas, maiores devem ser a nossa capacidade de incansavelmente dialogar, a força de nossa solidariedade e o cuidado para que os mais pobres não se vejam ainda mais onerados com uma dose desproporcional de sacrifício”.
Por último, pede aos fiéis para que rezem pela “nossa grande cidade” e reitera que “a igreja, como templo dedicado a Deus, é lugar privilegiado de encontro e acolhimento dos que sofrem e que ali procuram abrigo”.
A igreja encontra-se bem ao lado da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), onde estava sendo votado um pacote de medidas de austeridade que originou os protestos de numerosos funcionários públicos nos arredores.
O templo, construído em 1807 e de inspiração portuguesa, é protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Para calibrar o avanço dos fatos ocorridos na igreja de São José, pode-se ler o artigo do jornalista Mauro Lopes, em sua blog Caminho pra casa.
A cena, durante a manhã e parte da tarde de terça-feira (6) nunca havia sido vista no Brasil, nem no tempo da ditadura militar, quando agentes policiais chegaram a invadir templos para prender opositores do regime, mas sem que haja notícia de terem usado uma Igreja como plataforma para repressão em massa.
O episódio acontece em meio a uma onda crescente de violência das forças de segurança contra pessoas que saem às ruas pra protestar contra o governo que subiu ao poder em 31 de agosto depois de um golpe de Estado parlamentar contra a presidenta eleita Dilma Rousseff, iniciado em 17 de abril com uma votação na Câmara dos Deputados.
O governo de Michel Temer, o presidente empossado pelo golpe, tem editado medidas econômicas que cortam drasticamente os programas sociais do governo federal, reformam a educação no país sem qualquer escuta a estudantes e professores, e finalmente, no mesmo dia da invasão da igreja, praticamente acabam com a Previdência Social no país (pelo projeto do governo, as pessoas só poderão se aposentar com 65 anos de idade e, daqui a alguns anos, apenas com 67, e só terão direito à aposentadoria integral depois de 49 anos de contribuição). O atual presidente e praticamente todos os membros de seu ministério são acusados de corrupção e seis deles já foram obrigados a pedir demissão por isto.
A cena da utilização da Igreja de São José pelas tropas causou enorme impacto e protestos generalizados. A Irmandade do Glorioso Patriarca São José, que administra o templo, cuja fundação remonta a mais de 400 anos, distribuiu nota na tarde de ontem relatando que "uma tropa da PM invadiu a Igreja pela porta dos fundos, de acesso dos empregados e, subindo às sacadas, no 2º andar, de lá de cima jogavam bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral e gás pimenta". Segundo a nota, os manifestantes, "se revoltaram" com a cena e começaram a lançar pedras contra os PMs encastelados nas sacadas. Os dirigentes da entidade procuraram as autoridades para protestar contra a invasão e prestar queixa formal.
No final da nota, a Irmandade solicitou que a Arquidiocese do Rio orientasse o "caminho a seguir" para que "nossa imagem, católica e pacifista, não fique atrelada a desmandos da Policia local". Não foi o que aconteceu. Depois de pressão de lideranças católicas leigas, a Arquidiocese distribuiu uma nota no fim da tarde sem qualquer menção à invasão da Igreja pela PM, fazendo referência apenas a "uma ação relacionada aos protestos desta manhã" e dizendo que iria "apurar os fatos".
A nota gerou protestos de dezenas de pessoas na página da Arquidiocese no Facebook. O cardeal arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta, limitou-se a declarar que o episódio fora "lamentável" em breve entrevista a um jornal carioca no começo da noite, mas sem qualquer condenação à ação da PM.
Dom Orani esteve recentemente no noticiário brasileiro quando liderou uma comitiva de bispos em visita a Michel Temer no Palácio da Alvorada – residência oficial dos presidentes no Brasil. A visita ocorreu exatamente no dia em que se votava na Câmara dos Deputados a emenda constitucional que congela por 20 anos todos os gastos públicos, especialmente os da saúde e educação – o único gasto não congelado foi o pagamento dos juros dos títulos da dívida pública aos bancos e rentistas. A visita, sob alegação de que iria tratar de assuntos relativos à Rede Vida (uma emissora de TV católica), acabou servindo como símbolo do apoio dos segmentos mais conservadores da Igreja ao governo oriundo do golpe.
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O cardeal do Rio de Janeiro manifesta seu “repúdio pelos lamentáveis fatos ocorridos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU