14 Novembro 2016
O aprofundamento da discussão acerca da segurança pública deve passar, necessariamente, pelo papel e a natureza do sistema policial do Brasil. Nos últimos anos, sobretudo por conta do recrudescimento da violência nas ações, o tema da desmilitarização das corporações cresceu em importância. Entre os especialistas consultados nesta edição, há pelo menos três recorrências na leitura feita do fenômeno: a persistência de marcas da ditadura nas corporações, a ideia de que o inimigo precisa ser eliminado (o que explicaria tamanho grau de letalidade e truculência) e a falta de transparência e de controle externo sobre a atividade policial.
Participam do debate suscitado pela revista IHU On-Line desta semana, especialistas, ativistas, pesquisadores e pesquisadoras de diferentes áreas do conhecimento.
Para Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Estado precisa ser mais inteligente do que o crime. O modelo de segurança brasileiro prioriza a neutralização do inimigo, como se fosse uma guerra declarada a grupos da própria população.
O professor Sérgio Adorno, referência no debate sobre violência e segurança, avalia que está ultrapassado o modelo militarizado de formar policiais como profissionais preparados para a guerra, “cujos inimigos têm que ser liquidados para que a promessa de paz prospere”. Essa concepção “não consegue enfrentar os novos padrões emergentes de crime e de economias ilegais, em torno de atividades como o tráfico de drogas e outras modalidades”.
O advogado e ativista dos direitos humanos Renan Quinalha faz uma ressalva para se entender as forças policiais brasileiras: elas “sempre foram brutais”. A ditadura de 1964 tem papel decisivo na formatação do sistema policial atual, mas foi antes do golpe militar que começou a perseguição a setores da população que deveriam ser protegidos, como pessoas negras e pobres.
Ariadne Natal, doutoranda e mestre em Sociologia, considera que é necessário implementar “mudanças institucionais que envolvem a desconstrução do que é central no modelo militar, que é a lógica da guerra e de aniquilação do inimigo”.
Para o diretor da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, Martim de Almeida Sampaio, a militarização da segurança pública é incompatível com democracia. No seu entendimento, “uma polícia desqualificada é a que tortura, mata e desrespeita os direitos humanos”.
O doutor em Sociologia e professor Marcos Rolim destaca que a Constituição prevê que o Ministério Público é encarregado de fiscalizar as forças policiais, mas, na prática, isso não ocorre. Para ele, é preciso uma profunda reforma no modelo de polícia e conquistar “um padrão civilizatório para a atividade policial, o que envolve também a garantia dos direitos humanos dos profissionais da segurança”.
Ao analisar a atuação policial, o coordenador nacional da Pastoral Carcerária, padre Valdir João Silveira, ressalta que não se pode esquecer que o sistema penal, incluindo as polícias, não surgiu para combater violências, mas para conter “grupos sociais considerados rejeitados pela elite e marginalizados pelo sistema político-econômico”. Segundo ele, “a violência policial é um modo que as classes dominantes encontraram de manter seu poder”.
O tenente-coronel Adilson Paes de Souza, que trabalhou 30 anos na Polícia Militar de São Paulo, pesquisou o desempenho da polícia em sua função social de proteger os cidadãos. No seu entendimento, a polícia falha neste papel, e as pessoas não confiam nela. Ao pensar um modelo ideal para a polícia no Brasil, destaca que, antes de mais nada, é preciso transparência. O caminho para isso seria a desmilitarização.
O coronel José Vicente da Silva Filho, também oficial da reserva da PM paulista, garante que a militarização não é um aspecto negativo das polícias brasileiras: “Profissões armadas – portanto, com o poder máximo de uso da força - precisam do controle severo que a sólida hierarquia e a disciplina rigorosa propiciam”. No seu entendimento, “a verdadeira questão não é a desmilitarização, mas a fundação de uma polícia única”.
O secretário de Segurança Pública no município de Canoas, RS, Alberto Kopittke, aponta que o “grande sucesso da ditadura foi fazer uma transição negociada em que não houve efetivamente nenhuma ruptura com o imaginário militarista, e as pessoas continuaram acreditando que segurança pública é colocar tropa nas ruas e matar inimigos”.
Nesta edição, também podem ser lidas outras entrevistas. O economista francês Yann Moulier Boutang reconhece a dificuldade de se mover diante das crises, mas sustenta a renda universal como uma tentativa válida e importante.
O professor de Filosofia Política na Universidade de Pádua, Itália, Sandro Chignola afirma que é preciso reinventar o conceito de liberdade em um mundo no qual impera a chantagem da dívida.
O teólogo Peter Phan, vietnamita, da Universidade de Georgetown, reflete sobre a necessidade de se construir formas de encarar o fim da vida com honestidade e sobriedade, sem exageros, mas também sem banalizações.
A versão eletrônica da revista IHU On-Line poderá ser acessada, nesta página, segunda-feira, a partir das 17h, nas versões html, pdf e 'versão para folhear'.
A versão impressa circulará no campus da Unisinos, na quarta-feira, a partir das 8h.
A todas e todos, uma boa leitura, um ótimo feriado e uma excelente semana.
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Desmilitarização. O Brasil precisa debater a herança da ditadura no sistema policial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU