22 Outubro 2016
"É evidente que a candidatura de Trump é a de um herege em relação ao credo político-religioso da democracia nos Estados Unidos. O verdadeiro problema são os milhões de estadunidenses fascinados por esse herege."
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos EUA, em artigo publicado no sítio L'Huffington Post, 20-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O terceiro e último debate para as eleições presidenciais estadunidenses de 2016, moderado por um dos apresentadores da Fox News, poderia ter sido o primeiro debate de verdade com Donald Trump e Hillary Clinton, que se dividiram sobre as questões substanciais e não em ataques pessoais.
A ilusão durou apenas cerca de 20 minutos. O início não foi fácil para Hillary Clinton, na defensiva especialmente no primeiro dos seis segmentos do debate, dedicado à Suprema Corte e, depois, sobre o aborto.
Trump garantiu que irá nomear juízes pró-vida, e, de algum modo, prometeu a abolição da sentença de 1973 ("Roe versus Wade") que tornou legal o aborto em nível federal nos EUA; Clinton evitou colocar limites sobre aos abortos, até mesmo no terceiro trimestre.
Nesse primeiro segmento, Trump marcou pontos importantes com o eleitorado religioso e destacou a mudança da posição de Clinton do aborto "raro, seguro e legal" (slogan dos anos 1990) ao aborto "on demand" (com pouquíssimas limitações) desta campanha eleitoral.
Esse foi o melhor ponto da noite para Trump, mas o resto do debate fez com que a maioria esquecesse o primeiro segmento. Na segunda parte, Trump não conseguiu formular, em resposta a uma pergunta específica, uma crítica credível de Putin e da espionagem russa na campanha eleitoral estadunidense. Trump destacou, de modo instrumental, mas inegável nos fatos, as fraquezas da política externa estadunidense de Obama – mas que, nesta campanha, quase não desempenha nenhum papel, senão pelas revelações do Wikileaks publicadas em tempos nada casuais.
A segunda metade do debate viu Hillary Clinton emergir, até porque a discussão voltou aos níveis dos encontros anteriores: as fraquezas de Trump são, evidentemente, mais graves, apesar das evidentes fraquezas de Hillary Clinton. O ponto mais baixo de Trump coincidiu com o momento mais crítico na história das eleições presidenciais nos Estados Unidos, quando o candidato republicano se recusou a prometer que irá reconhecer a legitimidade do resultado das eleições e conceder a eleição em caso de derrota.
O fato de que Trump, se derrotado na eleição do dia 8 de novembro de 2016, pode rejeitar o resultado das urnas significa a ruptura de um dogma político-religioso aceito ecumenicamente por todos os estadunidenses. É a primeira vez em 240 anos de história da democracia nos Estados Unidos; é uma novidade que diz muito sobre a profunda crise política que atravessa o país-guia do mundo ocidental.
A partir desse momento, a cerca de 20 minutos do fim, o resto do debate perdeu grande parte do seu interesse. É evidente que a candidatura de Trump é a de um herege em relação ao credo político-religioso da democracia nos Estados Unidos. O verdadeiro problema são os milhões de estadunidenses fascinados por esse herege.
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Hillary e Trump, entre rupturas e heresias políticas. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU