11 Outubro 2016
"Chegamos a uma conclusão óbvia: se houvesse justiça fiscal no Brasil e se esses valores estivessem compondo o orçamento da União, sem aumentar a carga tributária, não estaríamos falando em déficit, não estaríamos tendo que ouvir as propostas de medidas absurdas, ditas emergenciais, mas que na verdade são de longo prazo, e não servem para lidar com uma crise fiscal, mas sim para mudar toda a lógica de Estado inscrita na Constituição Federal, como é o caso da PEC 241", escreve Grazielle David, assessora política do Inesc, publicado por Outras Palavras, 06-10-2016
Nossos estudos revelam: em oposição à PEC-241, que ameaça devastar serviços públicos, é hora de enfrentar tabus e propor mais impostos para os muito ricos
Eis o artigo.
O Brasil vive um período de polarização de ideias, mas impressiona como no governo federal, entra equipe, sai equipe e o discurso no campo econômico tem sido único e repetido à exaustão: “as despesas cresceram demais, não tem orçamento que dê conta de tantas políticas públicas, de tantos direitos. O país estaria falido. Seria hora de “arrumar as contas”. Não haveria outra alternativa além do “ajuste fiscal”, medidas de “austeridade”, mostrar para o mercado financeiro que estamos comprometidos com o superávit primário, com o pagamento de juros e amortização da dívida.
Mas será que esse discurso único é verdadeiro? Será que de fato não existe alternativa? Examinemos os números
Existem duas maneiras de não pagar os tributos devidos, reduzindo as receitas:
- A elisão fiscal – que apesar de não ser ilegal, é imoral – ocorre por meio de um planejamento tributário agressivo, fazendo uso de brechas nas leis, para dar vantagens indevidas às empresas, com o apoio de consultorias, especialmente de escritórios de Direito Tributário, que costumam cobrar grandes valores pela assessoria. Por essas características são em sua maioria utilizadas por grandes corporações, especialmente as multinacionais, que se aproveitam de uma legislação internacional frouxa sobre o comércio entre a empresa produtora e suas vinculadas espalhadas pelo mundo e fazem uso de paraísos fiscais, onde têm sigilo bancário extremo e praticamente não pagam tributos.
Por exemplo: a prática do preço de transferência – a empresa produtora exporta seus produtos a preços abaixo do valor de mercado para uma coligada que fica em um paraíso fiscal. Depois, essa coligada vende o mesmo produto com o preço de mercado, portanto mais alto do que havia comprado, para outros mercados, inclusive para o do país da produtora. Nesta operação a mesma empresa multinacional usurpou: (i) os tributos que não recolheu no país da produtora ao realizar um subfaturamento; e (ii) e os tributos que não pagou no paraíso fiscal. Outro mecanismo utilizado pelas firmas é vender por preço abaixo dos valores de mercado para o comprador final e realizar um acordo tácito com o importador para que o restante seja enviado para uma conta offshore. Isso tudo dá a essas empresas indevidas vantagens competitivas sobre as empresas nacionais dos país em que atuam. O que enfraquece principalmente as micro e pequenas empresas nacionais, e consequentemente a economia do país e a geração de empregos, já que diversos estudos demonstram que essas geram mais empregos que aquelas.
Como visto, um importante instrumento tanto para a elisão quanto para a sonegação fiscal é o uso dos paraísos fiscais: Estudo da Tax Justice Network aponta que os super-ricos brasileiros detinham o equivalente a mais de R$ 1 trilhão em paraísos fiscais, o quarto maior total em um ranking de países divulgado em 2012 pelo grupo de pesquisa; sendo que quem mais manda dinheiro brasileiro para os paraísos fiscais são os setores de mineração, petróleo, farmacêutico, comunicações e transportes.
Vamos a um exemplo concreto, em estudo do Inesc, sobre a mineradora Vale foi observado que o preço do ferro praticado estava consideravelmente abaixo (-23,3%) do valor de mercado internacional. Como trata-se de um preço médio, há a possibilidade da empresa operar com preço de mercado em vendas para terceiros e com outro significativamente inferior para coligadas. O fato do ferro, sozinho, representar quase 60% da receita da empresa em 2013, pode ser um fato motivador para a companhia buscar reduzir o pagamento de tributos para elevar os lucros. Como resultado a Vale estava pagando 40% a menos de só de CFEM, sendo que os valores a serem pagos de IR e CSLL também são afetados por essas manobras.
Uma vez que os tributos não tenham sido pagos espontaneamente nos prazos, os débitos tanto de pessoas físicas quanto jurídicas são inscritos na dívida ativa. Eles podem ter natureza tributária, previdenciária ou não tributária (ex: decorrente do exercício do poder de polícia, crimes ambientais, entre outros).
A Dívida Ativa da União chega a incríveis R$ 1,58 trilhão (valores de dezembro de 2015), superando a arrecadação total brasileira no mesmo ano, que foi de R$ 1,274 trilhão. E pior: a recuperação desse dinheiro é lenta: segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, somente 1% da dívida é resgatado anualmente. Atualmente há R$ 252,1 bilhões que já integram processos transitados em julgado – ou seja, já poderiam ter sido devolvidos aos cofres públicos. Esse valor cobre com sobras o déficit fiscal do país anunciado pelo governo Temer para 2016.
Por trás dessa dívida bilionária escondem-se muitos crimes, não apenas financeiros – há crimes ambientais, eleitorais, grilagem de terras, assassinatos. Foi o que descobrimos em estudo recente do Inesc analisando a lista dos maiores devedores na Amazônia. Cabe destacar que entre os 10 maiores inscritos na Dívida Ativa da União está a Vale, com R$ 43 bilhões de débito, sendo muito desse montante decorrente de processos na Justiça relativo ao pagamento indevido de CFEM, IR e CSLL em diferentes períodos. Isso tudo depois de ter sido privatizada, anulando o argumento de que crimes e corrupção só ocorrem em empresas estatais.
Um importante elemento para a Dívida Ativa da União ser um montante tão alto é que apesar da sonegação fiscal ser crime no Brasil, ela é um crime sem pena. A Lei 9.249/1995, no seu artigo 34, estabeleceu que o pagamento do tributo extinguiria a punibilidade. Neste momento, os legisladores (deputados e senadores) enviaram uma mensagem para a sociedade: “o crime de sonegação fiscal compensa”. Da forma como é hoje no Brasil, vale a pena fraudar as declarações fiscais e sonegar; pois, o risco de prejuízo é, no máximo, financeiro, que pode ser calculado, e inclusive lucrativo.
> Sonegação fiscal – R$ 500 bilhões/ano;
> Dívida ativa da União – R$ 1,5 trilhão, sendo que R$ 252 bilhões já estão prontos para serem recolhidos;
> Mais alguns bilhões se fossem taxados valores de brasileiros que hoje estão em paraísos fiscais e chegaram lá irregularmente, sem pagar os tributos devidos;
Chegamos a uma conclusão óbvia: se houvesse justiça fiscal no Brasil e se esses valores estivessem compondo o orçamento da União, sem aumentar a carga tributária, não estaríamos falando em déficit, não estaríamos tendo que ouvir as propostas de medidas absurdas, ditas emergenciais, mas que na verdade são de longo prazo, e não servem para lidar com uma crise fiscal, mas sim para mudar toda a lógica de Estado inscrita na Constituição Federal, como é o caso da PEC 241. O que querem é mudar o modelo de sociedade escolhido pelo povo brasileiro, que tem como princípio a solidariedade, com um Estado indutor e promotor de direitos, que tem o dever de garantir a Seguridade Social (Previdência Social, Assistência Social, Saúde), a cultura, a educação, o transporte, a segurança, o lazer, a moradia, o trabalho, a alimentação, que tem o dever de avançar e não retroceder os direitos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A opção da Justiça Fiscal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU