08 Outubro 2016
Na manhã do mesmo dia em que foi assinado o acordo de paz entre o governo e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) na cidade de Cartagena, um pastor evangélico estava parado sobre um estrado.
A reportagem é de Natalio Cosoy e publicada por BBC Mundo, 05-10-2016. A tradução é de André Langer.
Ele falava para centenas de pessoas em um ato público a favor do “Não” ao pacto, posição que venceu com uma pequena margem no plebiscito do dia 02 de outubro passado.
O ato era encabeçado pelo ex-presidente e atual senador Álvaro Uribe, líder do Partido Centro Democrático e principal opositor ao acordo construído em Havana com a guerrilha.
Algumas semanas antes do plebiscito, o senador da situação e presidente da Comissão de Paz na Câmara Alta, Roy Barreras, me havia dito que sua principal preocupação em relação ao plebiscito era o voto evangélico.
Na última terça-feira ele me disse: “Eu creio que pelo menos dois dos seis milhões de votos (que o “Não” teve) foram de congregações cristãs, evangélicas e católicas que saíram para votar em defesa da família, como se a família estivesse em perigo”.
Edgar Castaño, presidente da Confederação Evangélica da Colômbia, me disse que dos 10 milhões de fiéis que suas congregações têm, possivelmente cerca de quatro milhões votaram, a metade deles no “Não”.
E que acreditam, assim como ele, que o acordo, do jeito como está escrito, ameaça a sua ideia de família.
“O acordo fragiliza alguns princípios dos evangélicos”, me disse o presidente da Confederação Evangélica.
“A família”, por exemplo, “quando se fala de equilibrar os valores da mulher com os dos grupos LGTBI”.
Castaño foi um dos 14 representantes de Igrejas cristãs recebidos na terça-feira pelo presidente Juan Manuel Santos (que teve apenas duas reuniões com grupos de interesse no dia, a outra com corporações econômicas).
Na saída, explicou que se falou especificamente do tema do “enfoque de gênero” no acordo.
“(O Presidente,) muito abertamente nos disse: ‘Vamos rever isso, vamos tirar tudo aquilo que ameaça a família, que ameaça a Igreja e vamos buscar uma frase, uma palavra, que não amedronte os crentes”.
Na reunião, segundo Castaño, falaram inclusive sobre a possibilidade de ter uma representação na revisão do acordo.
Mas, quais são as frases que tanto preocupam os religiosos?
Algumas frases como estas, que podem ser encontradas nas 297 do acordo assinado pelo Governo e as FARC:
– “Que a implementação se faça tendo em conta a diversidade de gênero, étnica e cultural, e que se adotem medidas para as populações e os coletivos mais humildes e mais vulneráveis, em especial as crianças, as mulheres, as pessoas em condição de incapacidade e as vítimas; e em especial por um mesmo enfoque territorial”.
– “Que se promova a igualdade de gênero mediante a adoção de medidas específicas para garantir que mulheres e homens participem e se beneficiem em pé de igualdade da implementação deste Acordo”.
– “Reconhecer e ter em conta as necessidades, características e particularidades econômicas, culturais e sociais dos territórios e das comunidades rurais – crianças, mulheres e homens, incluindo pessoas com orientação sexual e identidade de gênero diversa – e garantir a sustentabilidade socioambiental”.
“Em algumas coisas é preciso mudar a linguagem e em outras é preciso esclarecê-la”, me disse Castaño.
“Eles compraram a mentira de que nos acordos havia uma ‘ideologia de gênero’”, acredita o senador Barreras.
“Praticamente todas as Igrejas evangélicas se dedicaram em seus sermões a atacar o processo de paz com esse argumento”, assinalou.
Mas, Castaño me disse que não foi isso que aconteceu: “São alguns casos muito isolados; a maioria dos crentes votou em consciência”.
“Não apenas as Igrejas pentecostais, mas também a Igreja católica tem uma grande responsabilidade, porque a Igreja católica na Colômbia nunca se comprometeu com o ‘Sim’”, me disse José Mojica, jornalista especializado em temas religiosos.
Embora, a princípio, apoiasse a solução negociada do conflito e o processo de paz, não promoveu o voto a favor do acordo em um país que segue sendo majoritariamente católico.
O padre Jorge Enrique Salcedo Martínez, religioso católico e doutor em História da Universidade de Oxford, me explicou: “A Igreja católica defende a família integrada por um varão e por uma mulher. Diante disso, houve sim um certo medo, medo de que esse conceito de família fosse atacado”.
Finalmente, a Igreja católica na Colômbia incentivou a participação no plebiscito, mas não promoveu uma ou outra postura.
“Creio que faltou à Igreja um compromisso mais contundente”, considerou Mojica.
De maneira chamativa, além disso, ficou distante de algum modo do Papa Francisco, que sempre apoiou o “Sim”.
Depois da vitória nas urnas do domingo passado, Álvaro Uribe disse: “Reiteramos a necessidade de estimular os valores da família (...) defendidos por nossos líderes religiosos e pastores morais”.
Algumas pessoas mencionaram a proximidade do senador com grupos evangélicos.
Mas, Castaño disse que na reunião da terça-feira com Santos fez este esclarecimento: “Nós não estamos vinculados, nem apoiados, nem em aliança com nenhuma organização política nem com nenhuma figura política”.
Seja como for, os evangélicos são um grupo que tem muito influência hoje na Colômbia, como prova a reunião com Santos e admite Castaño.
“Dez milhões de evangélicos, que representam para o governo, para qualquer pessoa, votos; isso tem que ter algum poder, não?”, me disse.
“Na Colômbia, elege-se um presidente com oito ou dez milhões de votos, e nós somos dez milhões”.
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Colômbia. O papel das Igrejas evangélicas na vitória do “Não” no plebiscito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU