27 Setembro 2016
Cristina Bautista recorda o seu filho, pede justiça por ele e seus companheiros e critica a falta de respostas do governo de Enrique Peña Nieto. No segundo aniversário do desaparecimento dos 43 normalistas, ela compartilhou sua experiência com as Mães da Praça de Maio.
A reportagem é de Adrián Pérez e publicada por Página/12, 26-09-2016. A tradução é de André Langer.
Cristina Bautista Salvador foi duas vezes para os Estados Unidos. Deixou Alpuyecancingo de las Montañas, município de Ahuacuotzingo, no Estado de Guerrero, México, e foi rumo ao país do norte com um único pensamento na cabeça: juntar dinheiro para construir uma casa onde pudesse viver com seus três filhos. “Sou mãe e pai para eles. O sonho do meu filho era ser alguém na vida e ser professor para poder me ajudar”, assinala com voz tão enérgica como as mãos de trabalhadora que apóia na mesa do bar portenho.
Em conversa com Página/12, a mãe de Benjamín Ascensio Bautista, jovem de 19 anos que desapareceu com 42 companheiros da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, recorda o seu filho, pede justiça por ele e seus companheiros e critica a falta de respostas do governo de Enrique Peña Nieto. No segundo aniversário do desaparecimento dos 43 normalistas de Ayotzinapa, a mulher participará de uma mobilização às 16h [desta segunda-feira, 26 de setembro], que acontecerá no centro de Buenos Aires.
Cristina trabalhou no campo até que no dia 26 de setembro de 2014, o corpo do seu filho – e dos outros jovens que queriam ser professores de escola primária – ficou preso nessa confusão amparada pelo Estado mexicano e urdida com eficácia mercantil pelo narcotráfico, pelas forças de segurança e pelos paraestatais. Quando era feliz com seus três filhos, Cristina amassava o pão que levava ao mercado do povoado e trabalhava na educação inicial. Nas quintas-feiras vendia “pozole”, um caldo à base de milho que comercializava a modo de empreendimento familiar. Com o dinheiro arrecadado comprava as coisas para que seus filhos pudessem estudar. Benjamín limpava as mesas e atendia os clientes. As filhas se encarregavam de preparar os condimentos do “pozole” e mantinham a limpeza do lugar. Todos ajudavam. Ela ensinou os seus três filhos a preparar a terra, adubá-la, semear milho, feijão e abóbora.
Atualmente, abandonou as tarefas rurais para dedicar todo o seu tempo à busca de Benjamín. Cristina chega ao encontro com Página/12 com um chapéu largo de palha que cobre o seu cabelo preto e um lenço verde água cuidadosamente amarrado ao pescoço. Chegou a Buenos Aires vindo da Cidade do México, onde participou dos preparativos para as atividades que hoje [segunda-feira, 26 de setembro] lembrarão ao governo de Peña Nieto e ao mundo inteiro que já se passaram dois anos sem notícias sobre o paradeiro dos 43 estudantes.
Disse que nos Estados Unidos trabalhou, durante seis meses, no Car Wash. Também limpou casas. Depois foi trabalhar no McDonald’s, onde fazia o turno das 7h às 15h; à tarde, trabalhava no Burger King das 17h às 24h, nas sextas-feiras e nos sábados, das 17h à 1h. “Trabalhei cinco dias da semana 15 horas diárias. É muito difícil. Se você não trabalha, não come. Trabalhando ou não, tem que pagar o aluguel”, recorda Cristina sua passagem por Connecticut. “Lá tinha conterrâneos e, com contatos, consegui chegar lá. Cheguei cruzando a fronteira, caminhando pela mata”, completa.
E conta que, além de ler, escrever e estudar, Benjamín – que era um rapaz muito alegre – gostava de imitar o Michael Jackson. “Gostava de nenhuma música em particular, mas que sabia todas, cantava-as e dançava-as”, recorda a mãe. Entre os maiores desejos, Cristina assinala que seu filho sonhava com ensinar, e que essa vocação o levou a matricular-se na Escola de Ayotzinapa. Mostrou, além disso, certo interesse pela informática. “Eu não sei o que é isso. Por que não faz um curso que você pode terminar e começar a trabalhar?”, aconselhou a Benjamín ao ver que “alguns rapazes do povoado que faziam licenciatura não conseguiam trabalho”. Com a sugestão da mãe, Benjamín dedicou-se à possibilidade de ser professor.
O dia 15 de setembro de 2014 foi o último dia que Cristina viu o seu filho. Chegou em casa às 15h. Tinha ido a Chilapa de Alvarez para entregar documentos do Conselho Nacional de Fomento Educativo (Conafe) onde foi, durante um ano, educador comunitário. A partir dessa experiência ficou sabendo da Normal. “Há uma escola para os pobres como nós, para os filhos de camponeses, que se chama Ayotzinapa; é um internato e não custa nada. Tirou se caderno de anotações e anotou. Entrou muito contente”, evoca a mãe que lhe contou o filho.
No almoço com suas irmãs e sua mãe, Benjamín mostrou-se entusiasmado com sua visita a Puebla e Veracruz. “Estava muito contente, porque tinha conhecido mais escolas para pobres e se dava conta de que o governo não queria que existissem escolas normais rurais, porque aí faziam a defesa das pessoas lutadoras, que brigavam por seus direitos”, disse Cristina.
A mãe de Benjamín disse que é muito triste saber que se passaram dois anos sem nenhuma notícia dos jovens. “Exigimos do governo mexicano que os apresente com vida, porque os levaram vivos”, manifesta a mulher, e assinala, além disso, que os sobreviventes puderam ver o momento em que os agentes de segurança fizeram os normalistas entrar nas patrulhas.
Um acordo assinado em 2014 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pelo Estado mexicano e por representantes dos estudantes desaparecidos estabeleceu as tarefas do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI), que trabalhou na investigação do caso Ayotzinapa até o dia 13 de abril, quando o México encerrou os trabalhos do grupo. Em setembro de 2015, os especialistas rejeitaram, em um relatório de 550 páginas, a versão oficial que sustentava que os estudantes foram assassinados e seus corpos incinerados em um lixão de Cocula.
No dia 28 de setembro de 2014, os pais dos 43 estudantes se reuniram com o presidente mexicano. “Peña Nieto nos disse que tinha sido o crime organizado e que lhe déssemos um pouquinho de confiança, que iria encontrar os responsáveis, independentemente de quem enfrentaria”, afirma a mulher. Os pais voltaram no dia 24 de setembro de 2015 à residência presidencial para recordar ao presidente que não tinha cumprido sua palavra. “Você não entende nada porque não perdeu nenhum filho, não sabe a dor e o sofrimento que sentimos”, disse ao chefe de Estado. Os familiares apresentaram 150 mil assinaturas que apoiavam as recomendações do GIEI, entre elas, que os militares, a polícia e Tomás Zerón, funcionário envolvido na busca dos normalistas, sejam interrogados pela Justiça.
Antes de entrar na Praça de Maio, para participar da caminhada das Mães, Cristina disse que quer trocar sua experiência com as vivências das Mães. Cristina apura o chá de camomila, sai do bar e se perde no mar de gente da city portenha. Mistura-se no abraço dos lenços brancos, no pedido de justiça e aparecimento com vida de Benjamín.
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“O sonho do meu filho era ser professor para poder me ajudar”, confessa mãe de aluno desaparecido de Ayotzinapa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU