22 Agosto 2016
"É muito oportuno encorajar o estudo da obra completa do padre Louis Lebret, para torná-lo conhecido e aprender muito com ele. Esse bretão – e, como tal, homem de grande personalidade – levou muito a sério os problemas sociais da sua terra natal, do seu país e do mundo. Hoje, quando lemos os seus escritos, não se pode deixar de admirar a clareza e a atualidade do seu pensamento. Neles, tudo nasce da sua profunda espiritualidade, do fato de se ver obrigado à ação social, por ter sido tocado pela misericórdia divina."
A opinião é do jesuíta espanhol Fernando de la Iglesia Viguiristi, economista e teólogo, diretor do Departamento de Economia da Universidade de Deusto e ex-presidente da International Association of Jesuit Business Schools (IAJBS).
O artigo foi publicado no jornal L'Osservatore Romano, 12-08-2016, retomando um amplo resumo do artigo publicado no último número da revista La Civiltà Cattolica. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Louis Lebret nasceu no dia 26 de junho de 1897, em uma família ligada ao mar, na localidade de Minihic sur Rance, perto de Saint-Malo, na região francesa da Bretanha. O pai era carpinteiro-chefe em um estaleiro naval da Marinha militar. Louis, depois de frequentar os estudos superiores em matemática, alistou-se na Escola Naval. Em 1917, em plena guerra, já era oficial de manobra em um contratorpedeiro. Em 1920, tornou-se instrutor dos oficiais na Escola de Brest. Logo foi enviado para Beirute, onde foi encarregado do tráfego portuário. Aos 23 anos, foi nomeado Cavaleiro da Legião de Honra e tenente de navio.
Durante aqueles anos na Marinha, Louis Lebret foi amadurecendo o propósito de se tornar religioso. Abandonada a brilhante carreira marítima que tinha empreendido, se tornou dominicano. Fez o noviciado em Angers e os estudos em filosofia e teologia em Rijckholt, na Holanda. Por razões de saúde, durante o último ano de estudos, foi enviado por convalescença ao convento de Saint-Malo.
Assim, voltou para a sua terra natal, às margens do mar, e foi lá que entrou em contato com uma realidade muito próxima, mas da qual não tinha estado consciente, ou seja, a dos pescadores locais, que viviam pobremente, à beira da miséria, e não pareciam ter direito a um mínimo de dignidade. A fim de lhes oferecer uma ajuda espiritual, fundou a Juventude Marítima Cristã, mas bem logo se deu conta dos limites dessa iniciativa e, depois de um certo tempo, com a colaboração de Ernest Lamort, conseguiu fundar a Federação Francesa dos Sindicatos Profissionais dos Marítimos. De 1932 a 1939, publicou um jornal sindical, La Voix du Marin. Por mais de 10 anos, dedicou todos os seus esforços e as suas energias para a questão dos pescadores e dos setores conexos.
Esse período do Movimento de Saint-Malo foi de enorme significado na vida do padre Lebret. Nele, observam-se todas as características do seu modo de agir. Acima de tudo, deve-se notar que, na origem e no coração de tudo o que ele empreendeu ao longo da vida, a motivação fundamental é a misericórdia evangélica. Ela explica o que o padre Louis fez e dá unidade a todo o seu dinamismo. A sociologia, a economia humana e o desenvolvimento econômico não têm sentido para ele, senão em função do ser humano que vive em condições degradantes, às quais é necessário subtraí-lo, fazendo-o progredir.
Para o padre Lebret, a misericórdia não era sinônimo de paternalismo ou de esmola. E não era nem mesmo o corretivo a ser levado a um mundo injusto. Era muito mais do que o fato de se interessar pelas pessoas infelizes: era viver em comunidade de destino com elas. Quem é tocado por esse sentimento, fica marcado a fogo por ele e não pode abrir mão de lutar ativamente em favor do ser humano que sofre. Quanto mais faz, mais vê quanto trabalho é necessário na grande obra de eliminar toda miséria.
Na sua terra natal, o padre Louis levou a termo a primeira aplicação do método que se seguiria em todas as suas atividades posteriores: as suas célebres pesquisas. Ele repetia incansavelmente que era necessário partir dos fatos. Nada, na sua opinião, podia substituir a observação direta e sistemática. A partir daí, podia-se pensar no que fazer, delinear a ação concreta.
Como filho de São Domingos e de São Tomás, ele era um homem de profunda formação e muito reflexivo. Ele quis fundamentar sobre sólidos princípios tudo o que ele fez. A suas célebres sessões de pesquisa começaram já em Saint-Malo. Foi esse o momento em que ele compreendeu que era preciso ir até as raízes dos males, depois de estudar as suas causas.
O padre Louis sabia identificar as pessoas válidas e educá-las. Para ele, colaborar com os leigos era tão natural quanto necessário. Ele se cercou de grandes personalidades, como Ernest Lamort. Para ele, era indiscutível que os problemas temporais requerem soluções da mesma ordem temporal. Como tais soluções deviam ser fundamentadas, sobre esse ponto, ele derramou todo o seu saber e todas as suas energias, fazendo pesquisas sociológicas, análises estatísticas e estudos econômicos que o tornassem capaz de formular uma estratégia e uma tática resolutivas. Isso é o que nós encontramos no Voix du Marin que ele inspirou.
Em 1947, a permanência no Brasil e a viagem para outros países latino-americanos o afetaram profundamente. A condição de autêntica indigência da maior parte daquela população o tocou de maneira tão forte que ele fez a sua escolha em favor dos países subdesenvolvidos.
Ao voltar para a França, o padre Lebret parece quase outro homem. Ele descobriu o que significa a falta de desenvolvimento através das suas manifestações mais degradantes, ou seja, a fome, os barracos, o analfabetismo, a mortalidade infantil e a falta crônica de trabalho. O contato com aquela pobreza impressionante, tão generalizada, fê-lo dizer que o francês mais pobre é rico em comparação com aquela gente dos países latino-americanos.
A partir desse fato, pode-se falar de um novo período na sua vida, em que o padre Louis concentrou a atenção nos problemas sociais e econômicos dos países subdesenvolvidos. Portanto, em 1958, totalmente convencido de que o desenvolvimento era o problema do século, fundou o Instituto Internacional de Pesquisa para a Formação e o Desenvolvimento (Irfed).
Nesse momento da sua vida, o padre Lebret já havia se tornado uma autoridade mundial. Ele era chamado por diversos episcopados da América Latina, da África e até do Vietnã. Era conselheiro do Senegal. De 1960 a 1964, empreendeu uma missão naquele Líbano que tinha conhecido e amado quando jovem. Essa seria a sua última grande obra. Anteriormente, ele tinha se dirigido ocasionalmente para a Ruanda e a Venezuela. O Vaticano o enviou como seu representante para várias conferências da ONU.
Durante a sua vida, as suas obras e o seu pensamento sempre lhe foram reconhecidos. Isso lhe valeu a estima e a confiança de João XXIII e de Dom Montini. Em 1962, o padre Lebret foi nomeado chefe da delegação da Santa Sé na Conferência das Nações Unidas sobre a aplicação da ciência e da tecnologia em favor dos países em desenvolvimento, que foi realizada em Genebra. O seu discurso pode ser considerado um verdadeiro testamento. Nele, ele traçou magistralmente as grandes linhas da sua concepção central sobre o desenvolvimento harmonioso.
O padre Louis consagrou os seus últimos quatro anos a serviço direto da Igreja em Roma. Ele considerava que não era capaz de fazer nada que tivesse mais sentido e mais valor do que esse serviço. Eram os anos em que, por meio do Vaticano II, a Igreja se abria ao mundo. Paulo VI manifestou ao padre Lebret uma afetuosa admiração e, em 1964, nomeou-o perito conciliar. Recebido várias vezes em audiência privada, ele teve a oportunidade de expressar ao papa o seu ponto de vista sobre as expectativas criadas pelo anúncio do esquema "A Igreja no mundo contemporâneo". Em fevereiro de 1965, ela entregou a redação do capítulo sobre a comunidade internacional.
Infelizmente, quando foi realizada a última sessão do Concílio, o padre Lebret estava gravemente doente. Ele estava reduzido apenas à sombra do que tinha sido. O próprio Paulo VI o aconselhou a não ir além das suas possibilidades. O esquema XIII tinha dado origem à Gaudium et spes. O padre Lebret cultivava a ideia de fundar um Secretariado para a Justiça, assim como era desejado no documento. Ele considerava que ele devia ter uma função doutrinal, uma vez que, como escrevera Paulo VI, o desenvolvimento era o novo nome da paz. A tarefa mais decisiva de tal secretariado seria o de pensar uma doutrina coerente do desenvolvimento integral e harmonioso. Além disso, deveria promover uma ação que o transformasse em realidade.
O padre Lebret morreu antes que esse projeto se tornasse realidade, no dia 20 de julho de 1966. No ano após a sua morte, apareceu a Populorum progressio, no qual ele foi citado explicitamente por Paulo VI. A influência do padre Lebret na redação desse documento fundamental é captada praticamente em cada parágrafo.
Àqueles que tinham conhecido a sua obra escrita, o seu modo de se expressar e o seu vocabulário, foi muito fácil reconhecer não apenas a sua inspiração, mas também as citações de frases inteiras dele. A partir do seu diário, sabemos quando e como Paulo VI pediu-lhe a sua colaboração para a encíclica. Portanto, não surpreende que o próprio papa dissesse que sentia veneração e devoção pelo padre Lebret e que a encíclica sobre o desenvolvimento dos povos era uma homenagem à sua memória, à desse grande homem da Igreja.
Para o padre Lebret, o bem comum é o bem de uma sociedade humana. Os seus membros buscam-no, realizam-no e recebem-no todos juntos. Ele é desejado em comum e obtido por meio da virtude da justiça social. Cada um de nós é incapaz de encontrar o seu próprio bem sozinho: precisamos de ajuda. Está escrito na nossa natureza que precisamos dos outros para sermos capazes de alcançar a nossa perfeição.
Todo homem deve servir o bem comum. Portanto, o rico deve colocar, de algum modo, os seus bens à disposição dos outros; o sábio deve comunicar a verdade; e quem tem mais dons deve ajudar os seus irmãos. É assim que a propriedade está em relação com o bem comum. Por isso, para o padre Lebret, a desordem nasce quando as situações vantajosas recebidas (terras, fábricas, ciência, qualidade) são utilizadas para si mesmos. Segundo ele, foi isso que o capitalismo moderno fez: não quis se colocar a serviço e traiu o bem comum. Com a sua livre concorrência, o capitalismo cria uma estrutura social contrária à justiça social. Favorece quem é menos humano e menos honesto, quem abusa dos seus empregados, fazendo-os trabalhar o máximo possível com um salário mínimo e, ajudado por uma publicidade enganosa, reduz os preços e se adona do mercado. Uma condição essencial para o bem comum é uma prosperidade geral e uma confiança recíproca. Isso requer uma educação profunda, ou seja, uma educação religiosa. Decorre daí o papel absolutamente necessário da Igreja para a realização do bem comum.
Apesar de ser animado por esse grande ideal humanitário, o padre Lebret se opôs decididamente ao marxismo. Ele tinha lido "O Capital" e, graças a essa leitura, havia compreendido que, nas suas realizações, o marxismo estava muito longe da doutrina do bem comum. Portanto, rejeitou-o, com base na sua antropologia cristã, como um sistema quase determinista, em que não há lugar para a noção de pessoa, para o uso da liberdade e, portanto, para a moral. Ele o considerou menos prejudicial do que o capitalismo, o outro lado da mesma moeda.
O padre Louis lutou energicamente por uma nova civilização: essa foi a sua proposta. Para entendê-la, devemos começar pela sua ideia de que o desenvolvimento compreende muito mais do que o crescimento econômico. Ele não se esgota em nada em um aumento do PIB. Mais ainda, um desenvolvimento que se limitasse a esse fato – conseguir aumentar a produção – não seria um verdadeiro desenvolvimento. O padre Lebret deduziu a noção de desenvolvimento a partir de uma realidade bem conhecida: a de uma planta, de um animal ou de um ser humano que cresce. Portanto, trata-se de um equilíbrio interno que se mantém durante o crescimento. É uma harmonia que pertence à natureza do ser no seu desenvolvimento. Isso mostra o valor do ser, é a evolução das suas potencialidades em relação ao estado que as realiza. Consequentemente, é avançar rumo ao ótimo e se conclui quando o alcança. Mas, para o ser humano, os estados ótimos são sucessivos. Há o da altura, o das forças, o da capacidade ativa, o da maturidade intelectual, o da plenitude da vida moral e espiritual.
Às aspirações do ser humano, responde-se apenas com essa concepção orgânica do desenvolvimento. É um crescimento ordenado, semelhante ao dos seres vivos. Ele transcende muito a parte econômica. Tem como objeto os propósitos de ordem humana, de modo que envolve expressões como desenvolvimento econômico, social, cultural e assim por diante.
Para o padre Lebret, o problema essencial, tanto nos países desenvolvidos quanto nos subdesenvolvidos, era o de criar uma civilização solidária. Preocupava-o o impacto da civilização industrial ocidental sobre os valores das civilizações tradicionais. O desenvolvimento do terceiro mundo não podia consistir em um crescimento econômico que o fizesse perder a identidade, a alma, as razões para viver. O padre Louis compreendia que, ao preservar os valores tradicionais, corre-se o risco de renunciar ao desenvolvimento, e que destruí-los por meio da civilização industrial equivale a renunciar a si mesmos. O que fazer? Como sair desse impasse? O padre Lebret responde que a solução reside em uma simbiose dos sistemas de valores. Quando isso ocorre, o desenvolvimento é muito mais do que aumentar as cifras globais de uma produção global mal repartida: é uma harmonização dinâmica dos valores anteriores e dos novos, dos autóctones e dos importados. Esse desenvolvimento harmonioso é caracterizado pela realização de uma economia tão integralmente humana quanto possível, em um regime de solidariedade efetiva.
Acreditamos que é muito oportuno encorajar o estudo da obra completa do padre Lebret, para torná-lo conhecido e aprender muito com ele. Esse bretão – e, como tal, homem de grande personalidade – levou muito a sério os problemas sociais da sua terra natal, do seu país e do mundo. Devemos em grande parte a ele a introdução de toda a temática do desenvolvimento na doutrina social da Igreja. Ele antecipou o seu tempo com a sua concepção do que é desenvolvimento autêntico, ou seja, o desenvolvimento do homem todo e de todos os homens. Na sua época – os anos 1950 e 1960 – a nascente teoria do desenvolvimento era muito limitada, marcadamente economicista. Hoje, quando lemos os seus escritos, não se pode deixar de admirar a clareza e a atualidade do seu pensamento. Neles, tudo nasce da sua profunda espiritualidade, do fato de se ver obrigado à ação social, por ter sido tocado pela misericórdia divina. A sua grande herança merece reconhecimento e admiração.
A doutrina social para além da Igreja. Artigo de Alessandro Santagata
Consenso cristão sobre doutrina social
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Cinquenta anos da morte do padre Louis Lebret, profeta da doutrina social da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU