09 Agosto 2016
A bancada evangélica da Câmara dos Deputados é apontada como uma das mais fortes e conservadoras do Congresso Nacional. Os 199 deputados que a integram pautam sua atuação pelo que consideram os “valores da família tradicional” brasileira e tem cacife político até mesmo para dobrar presidentes. Agora, um de seus principais nomes, o pastor Marco Feliciano (PSC), entra na mira da polícia: uma estudante de jornalismo e militante do PSC, Patrícia Lélis, registrou na noite de domingo um boletim de ocorrência contra o parlamentar. Ela afirma ter sido vítima de estupro praticado pelo deputado, que é autor de projeto de lei que defende a castração química de estupradores, além de defender o amplamente criticado projeto da "cura gay" - que permitiria aos psicólogos aconselhar pacientes no sentido de alterar a orientação sexual.
A reportagem é de Gil Alessi, publicada por El País, 08-08-2016.
De acordo com a jovem, o crime teria ocorrido no apartamento funcional do deputado na manhã do dia 15 de junho. Segundo ela, Feliciano marcou uma falsa reunião no local para atraí-la, e então passou a assediá-la. “Ele chegou sentou do meu lado, pegou na minha mão e disse que, se eu fosse amante dele, ele me daria um cargo alto dentro do PSC. Ele me ofereceu 15.000 (reais) de salário e eu logicamente não aceitei”, contou Patrícia. O deputado então teria ficado “alterado”, e “veio pra cima de mim, me deu murro, um chute e tentou tirar minha roupa”. Ela só teria conseguido escapar do apartamento porque começou a gritar “e uma das vizinhas ouviu e perguntou se estava tudo ok”. Patrícia afirma ter como prova do ocorrido mensagens trocadas com Feliciano no WhatsApp, n as quais ela escreve que "tinha ficado com a boca roxa" após a agressão, ao que ele responde com risadas e pede que ela "passe batom para esconder".
Patrícia também falou às autoridades sobre uma tentativa de acobertamento do caso por parte do PSC, que teria incluído ameaças de morte. Em seu depoimento na Delegacia Especializada de Atendimento à mulher, em Brasília, ela revelou que lideranças do PSC, como o pastor Everaldo, presidente nacional da legenda, teriam tentado comprar seu silêncio, além de ameaçá-la caso ela procurasse a polícia. De acordo com ela, dias após o encontro com Feliciano ela teve uma reunião com caciques do partido: “Aí o próprio pastor Everaldo me ofereceu dinheiro. ‘Está aqui esse dinheiro, vou te entregar. Se você levar essa história para frente, a gente vai te matar, a gente conhece a sua família, sabe onde você fa z faculdade”. A jovem nega ter aceito qualquer quantia para não tornar público o caso.
Em sua página na rede social Facebook, Patrícia escreveu: “Procurei o partido assim que os fatos ocorreram. Resultado? Me disseram: ‘Patrícia é melhor você ficar calada, não vamos tomar nenhuma providência". De acordo com o post, o PSC estaria “passando a mão na cabeça do Feliciano”.
A legenda sabe a importância do pastor para suas aspirações políticas. Em 2014 o deputado foi reeleito com 398.087 votos: o terceiro deputado federal mais bem votado em São Paulo. Na semana passada o diretório nacional do partido divulgou nota afirmando que será criada uma comissão interna “para apurar a acusação de assédio sexual e agressão”. Não foi determinado um prazo para a apresentação dos resultados desta sindicância.
Nesta segunda-feira Patrícia convocou uma entrevista coletiva em Brasília na qual reiterou os fatos narrados à polícia, mas afirmou que não poderia dar mais detalhes sobre o caso a pedido de seus advogados e do delegado responsável. “Eu sei que não sou a única [a ter sido supostamente assediada por Feliciano]. Peço a todas as mulheres que tiveram algum problema semelhante com deputados ou pastores que não se calem”, afirmou. José Carlos Carvalho, advogado de Patrícia, disse que nos próximos dias ela deverá prestar um depoimento à Procuradoria-Geral da República para esclarecer os fatos. O defensor cogitou a possibilidade de deixar o caso por temer pela sua segurança: "Eu queria garantir a minha segurança, da minha equipe e da própria Patrícia. Só resolvi assumir depois que me garanti", afirmou. Carvalho disse que não recebeu nenhum tipo de ameaça, mas casos de grande repercussão devem ter cuidados redobrados.
Patrícia disse também que sempre teve e continua tendo ideias de direita. Mas agora, quando percebeu que nenhum membro do PSC lhe deu apoio, percebeu que "a direita também tem seus bandidos favoritos, como a esquerda sempre teve". Ela afirma que sempre criticou as mulheres de movimentos feministas, mas vê nelas um suporte para tentar incriminar Feliciano. "Quem mais tem me dado apoio neste momento são as feministas, mulheres as quais sempre ofendi são as que mais me ajudam. As que estão nas redes lutando para que esse caso não fique sem punição", afirmou.
O chefe de gabinete de Feliciano, Talma Bauer, também foi alvo de acusações por parte da jovem, e chegou a ser detido pela polícia. De acordo com ela, após a história do estupro ter sido publicada pelo Blog Coluna Esplanada, o assessor foi encontra-la em seu hotel. “Ele chegou lá armado e disse ‘você vai fazer um vídeo desmentindo toda essa história’, me ameaçando mesmo. Aí eu fiz o vídeo”, diz. Em seguida ele teria pedido as senhas das redes sociais da jovem e publicado o desmentido em seu perfil.
Patrícia gravou duas conversas que teve com Bauer, anteriores ao encontro no hotel. Em uma delas ele chega a tentar justificar a ação de Feliciano, dizendo que ela teria “uma beleza diferente”. Além disso, o assessor se compromete a conversar com os militantes do partido que se indispuseram com a jovem após as denúncias terem vindo à tona. “Se quiser eu falo, olha, aconteceu, foi um erro, é uma menina bonita, vim pedir desculpa”, diz Bauer no áudio.
Feliciano não é o primeiro integrante do PSC a se ver envolvido em acusações relacionadas a crimes sexuais. Em 22 de junho, o deputado federal de extrema direita Jair Bolsonaro (PSC-RJ) se tornou réu por incitação ao crime de estupro e injúria, nesta terça-feira (21). Por quatro votos a um, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou duas denúncias contra o parlamentar, uma feita pela deputada Maria do Rosário (PT-RS) e outra da Procuradoria-Geral da República. Em dezembro de 2014, Bolsonaro afirmou no plenário da Câmara após discussão com a petista que ele só não “estupraria” a colega porque ela “não merecia”, por ser muito feia. Dias antes ele havia dado entrevis ta ao jornal Zero Hora com teor semelhante. A decisão da Corte chega em um momento no qual o debate sobre a cultura do estupro no país ganha grande visibilidade, após casos de violações coletivas ocorridas no Rio de Janeiro e Piauí.
Questionado pelo jornal O Estado de São Paulo sobre os fatos envolvendo o colega de partido, Bolsonaro afirmou que "se é vida particular dele, que tenho a ver com isso? Não estou sabendo de nada. Cuido da minha vida”. A reportagem não conseguiu entrar em contato com os políticos citados ou com seus advogados.
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Feliciano, um expoente da bancada evangélica na berlinda por acusação de estupro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU