15 Julho 2016
A Marinha italiana prometera não descansar sem encontrar os destroços do pesqueiro e resgatar os corpos dos que lá perderam a vida a tentar alcançar a Europa. Demorou, mas assim aconteceu. As operações terminaram esta quinta-feira e já é possível ter uma dimensão da tragédia: “No total, temos 675 body bags”, os sacos que contém os corpos das vítimas, diz o comandante Nicola De Felice, citado pela agência italiana de notícias AGI.
A reportagem é de Sofia Lorena, publicada por Público, 14-07-2016.
Foi na noite de 18 para 19 de Abril do ano passado que o pesqueiro que abandonara a Líbia pouco antes naufragou entre as costas do país do Norte de África e a ilha italiana de Lampedusa. Segundo se percebeu na altura, o naufrágio deu-se quando um porta-contentores de bandeira portuguesa se aproximou por solicitação das autoridades italianas, que acabavam de receber um pedido de socorro.
Só sobreviveram 28 pessoas e estas estimavam que seguissem 700 a bordo. Mais de um ano depois, confirma-se que não estavam longe da realidade. No dia do desastre foram recuperados 48 corpos, aos que se somaram 169 recuperados entretanto em redor do lugar do naufrágio, uma zona com fortes correntes a 135 quilómetros da costa líbia. Desde que o pesqueiro foi encontrado e levado para uma base da NATO em Augusta, na Sicília, há duas semanas, foram recuperados mais 458 corpos.
Os destroços da embarcação estavam a 370 metros de profundidade, o que implicou que marinha contratasse uma empresa para ajudar a construir uma estrutura metálica capaz de os erguer e retirar da água. Depois, o que sobrava do pesqueiro foi levado até à base militar e colocado num hangar refrigerado para que bombeiros com máscaras e fatos protectores tentassem extrair os corpos do seu interior.
Cinco pessoas por metro
“O aspecto mais impressionante é que havia cinco pessoas por metro quadrado no convés”, descreve Giuseppe Romano, responsáveis dos bombeiros que tiveram a cargo esta tarefa.
De acordo com os relatos feitos pelos sobreviventes aos membros do ACNUR (a agência da ONU para os Refugiados), o pesqueiro virou-se quando os que seguiam a bordo se dirigiram para um dos lados, tentando assim colocar-se em posição para serem salvos pela tripulação do porta-contentores. O que se seguiu foi uma “tragédia de enormes proporções”, disse na altura a porta-voz do ACNUR para o Sul da Europa, Carlotta Sami.
Com estas tentativas de socorro por parte de bem-intencionadas mas mal equipadas tripulações da marinha mercante, que faziam, na prática, o que os governos da União Europeia recusavam, os naufrágios durante as operações de resgate tornaram-se muito comuns. Foi com este desastre que a União Europeia começou a discutir a necessidade de voltar a promover operações de patrulha e salvamento no Mediterrâneo – depois de as ter interrompido com o argumento de que a sua existência incentivava a “imigração ilegal”.
No Verão de 2015, no pico das chegadas, o movimento de pessoas deslocou-se do Mediterrâneo Central para a fronteira oriental do mar do Sul da Europa (através da rota Turquia-Grécia e Balcãs), uma mudança que Bruxelas tentou resolver com o encerramento de fronteiras e com a negociação de um polêmico acordo com o Governo turco de Recep Erdogan, que tem como objetivo impedir os refugiados de abandonarem a Turquia para pedir asilo nos países europeus.
Medidas que a UE anunciou como soluções mas que, na verdade, não o são, como mostra o aumento de mortes de refugiados que atravessam o Mediterrâneo. Só este ano (até 10 de Julho), morreram pelo menos 3783 pessoas em fuga, diz a Organização Internacional das Migrações, incluindo 2933 no Mediterrâneo. Desde 2014, mais de 10 mil pessoas morreram ou despareceram na travessia (em cada naufrágio há sempre gente que nunca é encontrada). E entre Janeiro e Julho, só na Itália, já foi registada a chegada de 77.436 pessoas.
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Marinha italiana recupera cadáveres de mais 458 afogados no Mediterrâneo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU