Por: André | 30 Mai 2016
“Francisco inaugurou um novo estilo de exercer o Primado romano. Ele não é teólogo profissional e não impõe sua própria teologia, mas é sobretudo pastor, abriu as portas da Igreja, deseja uma Igreja que saia às ruas e cheire a ovelha (...), que viva a alegria do Evangelho e acredite na novidade sempre surpreendente do Espírito. O clima eclesial mudou nestes anos, há maior liberdade, pode-se respirar melhor”, escreve Víctor Codina, teólogo jesuíta, em artigo publicado por Religión Digital, 26-05-2016. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Não deixa de ser surpreendente e muito significativo o fato de que uma série de teólogos considerados “malditos” durante o longo inverno eclesial do pós-Concílio seja agora não apenas admiradores entusiastas do Papa Francisco, mas que se tenha convertido em seus defensores diante daqueles que o atacam e acusam.
Estes teólogos e teólogas foram considerados suspeitos em suas doutrinas, alguns foram excluídos de suas cátedras, outros foram censurados por seus escritos e tiveram que se defender dos “monita” ou advertências que recebiam dos responsáveis de suas Igrejas locais e muitas vezes de Roma. Seu sofrimento foi grande, seu silêncio muito doloroso, mas agiram com “resistência e submissão” e permaneceram fiéis à Igreja.
Sem querer ser exaustivo, cito alguns dos nomes que me são mais conhecidos e familiares: Hans Küng, Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, Jon Sobrino, Eleazar López, José María Castillo, Juan Masiá, José Antonio Pagola, Marciano Vidal, Benjamín Forcano, Andrés Torres Queiruga, Juan José Tamayo e um longo etc. no qual se deveria nomear teólogas como Ivone Gebara, Elisabeth Johnson e teólogos anglo-saxões.
O que aconteceu? Nenhum deles ou delas se retratou de suas opiniões, talvez tenham matizado e esclarecido alguns mal-entendidos, mas não mudaram de rumo. Francisco inaugurou um novo estilo de exercer o Primado romano. Ele não é teólogo profissional e não impõe sua própria teologia, mas é sobretudo pastor, abriu as portas da Igreja, deseja uma Igreja que saia às ruas e cheire a ovelha, que não exclua mas que acolha e seja sacramento de misericórdia, uma Igreja que seja dialogante, não autorreferencial, pobre e dos pobres, que viva a alegria do Evangelho e acredite na novidade sempre surpreendente do Espírito. O clima eclesial mudou nestes anos, há maior liberdade, pode-se respirar melhor.
E espontaneamente pode-se recordar a notável semelhança que existe entre esta situação e aquela dos anos do pré-concílio quando uma série de teólogos foi censurada e acusada de defender a chamada Nouvelle Théologie, mas que depois, no pontificado de João XXIII, foram os grandes teólogos do Vaticano II: Rahner, Congar, De Lubac, Chenu, Daniélou e inclusive Teilhard de Chardin já falecido nessa época, mas que inspirou em grande parte a Constituição sobre a Igreja no mundo contemporâneo, a Gaudium et Spes.
Estas mudanças, para além das anedotas pessoais ou históricas, desde um olhar de fé, nos levam a reconhecer que a Igreja, Povo de Deus peregrino na história rumo ao Reino, apesar de seus erros, limitações e pecados, sempre é animada e guiada pelo Espírito do Senhor e que embora, assim como a lua, atravesse diferentes fases de escuridão e de luz, nunca é abandonada pelo Senhor Jesus, que é a luz dos povos, Lumen Gentium, e a conduz “das sombras e aparências à verdade”, como se pode ler no epitáfio do beato cardeal Newman.
E tudo isso produz em nós grande alegria e a esperança de uma nova primavera pascal. E é um estímulo para que a teologia continue sendo uma instância profética e de fronteira na Igreja de hoje.
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Os teólogos ‘malditos’ e o Papa Francisco. Artigo de Víctor Codina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU