11 Mai 2016
Onde quer que se decida começar a história da simplificação moderna do papado, um ponto-chave neste trajeto tem de ser a primeira vez que o mundo viu um papa demonstrar em público um coração partido.
Isso aconteceu no dia 10 de maio de 1978, há 38 anos.
No dia anterior, em 9 de maio, o primeiro-ministro italiano Aldo Moro foi executado por um movimento terrorista italiano de esquerda chamado Brigadas Vermelhas. Moro era amigo próximo do Papa Paulo VI, quem havia se esforçado para salvá-lo, e Paulo ficou arrasado pela perda.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 10-05-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Moro conhecia o Papa Paulo, hoje Beato Paulo VI, dos dias que passaram juntos na Federação Universitária Católica Italiana – FUCI. Em suma, o assassinato de Moro enfraqueceu a força que Paulo VI tinha, com razão apressando a sua própria morte, que veio três meses depois.
Moro fora sequestrado 55 dias antes enquanto ia para o Parlamento saborear o que era para ser a sua realização política definidora: o “compromesso storico”, um plano de fazer o Partido Comunista da Itália firmar uma aliança governista com os democratas cristãos a fim de promover a estabilidade nacional. A sua política de abertura cautelosa aos comunistas seguiu-se à própria política do Ostpolitik do Papa Paulo VI, que se abriu ao diálogo com o bloco soviético.
A agitação de Paulo estava clara em seus pronunciamentos públicos, antes e depois da morte de seu amigo.
Num raro rompimento do que era então ainda o costumeiro nos papados, o Papa Paulo fizera, em 23 de abril de 1978, um apelo em primeira pessoa aos terroristas para que libertassem Moro. Numa nota escrita a mão pelo papa publicada pelo L’Osservatore Romano, o jornal do Vaticano, o pontífice disse:
“Estou lhes escrevendo, homens das Brigadas Vermelhas (...) vocês, adversários desconhecidos e implacáveis deste homem merecedor e inocente, eu rezo-lhes de joelhos, libertem Aldo Moro simplesmente e sem quaisquer condições”.
De acordo com o jornalista italiano Giovanni Bianconi, funcionários vaticanos, a pedido do Papa Paulo, utilizaram-se de capelães em penitenciárias italianas para fazer contato com os chefes das Brigadas Vermelhas, oferecendo uma coleta do dízimo em troca de um resgate.
O ex-primeiro ministro italiano Giulio Andreotti, que estava no poder na época da execução de Moro, mais tarde confirmou que Paulo VI havia oferecido pagar uma grande quantia em dinheiro para pôr Moro em liberdade. Segundo um relatório, a quantia girava em torno de 10 milhões de dólares. Outros sugerem que Paulo VI ofereceu-se para ficar no lugar de Moro como refém a fim de garantir a soltura.
No final, os sequestradores insistiram na libertação de dezenas de militantes das Brigadas Vermelhas que estavam presos, exigência que o governo italiano se recusou a cumprir. Após ser declarado culpado dos crimes contra o povo, Moro foi posto no porta-malas de um carro e crivado de dez balas de revólver.
No dia seguinte, 10 de maio de 1978, Paulo VI iria se encontrar com um grupo de adolescentes italianos que a pouco haviam recebido a Primeira Comunhão. Incapaz de segurar as lágrimas, ele chorou abertamente ao chamar a morte de Moro de uma “marca sangrenta que desonra o nosso país”.
“Nós o conhecíamos desde os seus anos de juventude, desde que ele era um estudante universitário”, disse Paulo VI. “Era uma pessoa boa e sensata, incapaz de prejudicar alguém, um professor e uma figura política e governamental muito boa, um alguém de grande valor, um pai exemplar e, o que conta ainda mais, um homem de altos sentimentos religiosos, sociais e humanos”.
“Este crime chocou toda pessoa honesta no mundo, toda a sociedade”, declarou ele.
“O seu assassinato premeditado e calculado, levado a cabo às escondidas e sem misericórdia, horrorizou a cidade, toda a Itália, e comoveu o mundo inteiro com indignação e piedade. Todos falam dele, todo mundo está indignado. E até mesmo vocês, jovens e crianças reunidos nesta basílica, estão horrorizados e entristecidos”.
Esta expressão de sentimentos chocou a muitos na Itália e ao redor do mundo, pessoas que não estavam acostumadas a testemunhar um papa demonstrar emoções assim em público.
Três dias depois, Paulo VI fez algo semelhante a um protesto contra a providência divina.
Em 13 de maio, dirigiu-se a Deus na Arquibasílica de São João Latrão, dizendo: “O senhor não atendeu ao nosso apelo pela segurança de Aldo Moro, este homem bom e gentil, sensato e inocente (...) que era meu amigo”.
A esta altura de seu papado, Paulo VI não era uma figura atraente entre a multidão, ainda carregando as cicatrizes das batalhas que irromperam uma década antes em torno de sua encíclica polêmica Humanae Vitae, que reafirmava a proibição tradicional católica ao controle de natalidade.
No entanto, a sua demonstração de tristeza e angústia espiritual não resolvida humanizou-o, lembrando ao mundo que, por debaixo das vestimentas e dos símbolos do cargo, para além dos posicionamentos polêmicos e autoridade magisterial, estava uma pessoa real, de carne e osso.
Hoje, é claro, esta situação não é algo que precisa ser dito, especialmente com o Papa Francisco, que sempre traz junto a sua personalidade nas aparições públicas. Embora possa ser difícil imaginar como era antes, houve um tempo não muito distante em que a humanidade dos homens que se tornavam papas era amplamente ocultada do mundo.
O dia 10 de maio de 1978 pode entrar para a história como um dos momentos-chave de quando tudo isso começou a mudar... um dia em que uma perda pessoal quase insuportável levou um papa a dar um passo atrás de seu ofício, estabelecendo um precedente sobre o qual os seus sucessores, cada um a seu modo, se edificaram.
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Papa Paulo VI: Recordando o aniversário de um coração partido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU