Por: André | 07 Abril 2016
“Chegou a hora. Reconhecemos o nosso fundador culpado de abusos e pedimos perdão”. Em meio a uma profunda crise interna, o Sodalício de Vida Cristã faz um acerto de contas com um passado lastimável. O movimento de origem peruana, até há poucos anos conhecido na Igreja por sua pujança e apontado como exemplo da nova evangelização, acaba de declarar “persona non grata” o seu fundador, Luis Fernando Figari. Consideram-no responsável por, pelo menos, um ataque sexual contra menor. E muitos outros abusos de autoridade.
A reportagem é de Andrés Beltramo Álvarez e publicada por Vatican Insider, 05-04-2016. A tradução é de André Langer.
Sem esperar o resultado de uma investigação do Vaticano, o atual superior dessa sociedade de vida apostólica, Alessandro Moroni, dirigiu-se aos “sodálites” e à opinião pública através de um vídeo postado no YouTube. (O vídeo pode ser visto clicando aqui, em espanhol.) E lançou três mensagens: perdão, separação e reforma integral.
“Os últimos meses foram muito duros para a Família Sodálite, porque nos confrontaram com um passado lamentável. Um passado que voltou como um terremoto ao presente por causa de uma série de denúncias e revelações jornalísticas que todos pudemos acompanhar através dos meios de comunicação e das redes sociais”, indicou.
Assegurou que o Conselho Superior do Sodalício decidiu “tomar a dianteira” e publicar sua resposta aos fatos “tão tristes e condenáveis”, após cinco meses de oração, reflexão e uma “dura autocrítica interna”.
Sua primeira mensagem foi pedir perdão “às vítimas por qualquer abuso e violência” de que foram objeto por parte de algum membro, assim como aos denunciantes que, “durante anos”, não receberam “uma resposta contundente e satisfatória” por parte das autoridades da sociedade.
Moroni pediu perdão a todos os membros dessa obra religiosa: consagrados, leigos e fiéis que viram seu trabalho afetado porque “suas autoridades não estiveram à altura das circunstâncias”. Também se desculpou com todos aqueles que fazem parte das obras do Sodalício: alunos, suas famílias, beneficiários, voluntários, colaboradores, amigos e a sociedade. “Perdão por termos demorado tanto para dar-lhes uma explicação”, apontou.
Sobre o fundador, Moroni falou de “separação”. E precisou: “Respeitamos as investigações que o Vaticano e a Promotoria vêm desenvolvendo sobre estes temas; colaboramos totalmente com eles e aguardamos os seus resultados. Mas, além da condenação eclesiástica ou judicial que mereça o fundador do Sodalício, que respeitamos e acataremos como correspondente, não queremos deixar de dar a conhecer a nossa condenação moral frente às suas faltas e delitos”.
“Depois dos testemunhos recebidos, consideramos o cidadão Luis Fernando Figari culpado pelos abusos que se lhe imputam e o declaramos persona non grata para a nossa organização, que deplora totalmente seus comportamentos. Reiteramos às autoridades do Vaticano o pedido que fizemos pessoalmente ao Papa Francisco, em audiência privada em dezembro passado, para que se decrete sua imediata separação da nossa comunidade e termine seu insustentável retiro espiritual em nossas casas”, acrescentou.
Fundado no dia 08 de dezembro de 1971 por Figari, na época leigo peruano, o Sodalitium Christianae Vitae foi aprovado definitivamente no dia 08 de julho de 1997 pelo Papa João Paulo II como sociedade de vida apostólica. Desta instituição fazem parte leigos consagrados e sacerdotes.
Embora as acusações de abuso contra o fundador e as denúncias sobre seu exagerado estilo de disciplina interna datem de vários anos atrás, a cúpula desta obra negou-as sistematicamente. As acusações não alvejaram apenas o fundador; atingiram também a segundos, o histórico vigário Germán Doig.
Doig faleceu muito jovem, no dia 13 de fevereiro de 2001, tendo desenvolvido um impressionante trabalho social e pastoral que levou o Sodalício a ter presença nos cinco continentes. Seus companheiros o consideram um modelo cristão. Tanto que, após seu falecimento, começaram a investigar sua vida e obra com o objetivo de iniciar seu processo de beatificação.
Em 2008, apareceram os primeiros testemunhos que o vinculavam a abusos. Em 2011, os superiores anunciaram a desistência de buscar sua canonização por causa de “graves indícios de falta de conduta moral”. Pouco antes, em dezembro de 2010, Figari se afastou como guia do Sodalício, no mesmo tempo em que começou a apresentar problemas de saúde.
As denúncias atingiram o próprio Figari: uma judicial e outra eclesiástica. A primeira reação do fundador e de seu entorno foi de negar. Tiveram que passar meses antes que tudo desmoronasse. E o clamor midiático explodiu em outubro de 2015 após a transmissão, na TV peruana, de uma reportagem relacionada ao livro Mitad monjes, mitad soldados, do jornalista Pedro Salinas.
O livro reuniu os testemunhos de 30 ex-sodálites que revelaram abusos físicos, psicológicos e inclusive sexuais aos quais teriam sido submetidos dentro de suas comunidades. A primeira reação dos superiores ao livro foi tão ambígua, que poucos dias depois de um primeiro comunicado, tiveram que emitir um segundo. Isto depois de numerosas queixas e pressões que receberam dos próprios membros, em um contexto de profunda crise.
Por esses dias também – em abril de 2015 – tornou-se público que o Papa Francisco havia determinado uma investigação interna. Para fazê-la a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica designou como “visitador apostólico” o bispo prelado de Chota, no Peru, Fortunato Pablo Urcey.
Ao longo de várias semanas, o clérigo visitou as comunidades e seu trabalho terminou em fevereiro passado. Os resultados de suas pesquisas foram entregues em um informe à Santa Sé. Até agora, a congregação vaticana responsável não comunicou sua decisão final. Ela deve determinar se considera Figari culpado e estabelecer qual será o seu futuro. Enquanto não for expulso ou mandado para muito longe, talvez a um mosteiro para expiar as suas culpas, ele seguirá com seu “retiro insustentável” em uma casa da obra por ele fundada, em Roma.
A outra questão é saber o que irá acontecer com o Sodalício todo. Se o Papa decide apoiar uma profunda renovação e em que maneira, ou se toma outras decisões. Enquanto isso não ocorrer, a anunciada “reforma integral” estará pendente. À espera de aprovação oficial.
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Crise no Sodalício: “O fundador é culpado” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU