12 Fevereiro 2016
"É necessário lembrar que eles podem ficar 'adormecidos' por um ano e na próxima chuva retomar o ciclo de nascimento dos mosquitos. Portanto, prevenção é no ano todo", escreve Sucena Shkrada Resk, jornalista, em artigo publicado por EcoDebate, 05-02-2016.
Eis o artigo.
Lembro como se fosse hoje. O ano era 2002 e trabalhava como repórter no Diário do Grande ABC. Uma das pautas que mais cobri, neste período, foi com relação à epidemia de dengue e aos diversos focos do mosquito fêmea do Aedes aegypti que havia na região e no país. Em outras cidades paulistas e demais estados brasileiros, a situação era alarmante. As campanhas preventivas, o fumacê, as blitz da vigilância em saúde e a atualização de registros de casos nutriam as matérias regularmente. Praticamente quinze anos depois, com o que nos deparamos? Um quadro mais complexo, em que o inseto se tornou vetor de mais doenças e tem sua propagação facilitada por extremos climáticos, como o El Niño, que amplia a incidência de chuvas e calor, além da falha da gestão preventiva pública e da sociedade. O Brasil baixou a retaguarda e assim, abre precedentes para o perigo de retomada de aumento de casos de outras doenças, como malária e febre amarela.
A desaceleração da prioridade desta pauta na área de saúde está tendo um custo alto, que envolve também o campo científico. O investimento na pesquisa tem de ser prioridade tanto para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação como para o Ministério da Saúde.
No decorrer deste tempo, produzi outras matérias, para diferentes publicações, como na Revista Viva Saúde, sobre os testes da vacina contra a dengue em processo no Instituto Butantan (que ainda não foram produzidas e estão em fase final de testes) e artigos para o blog. Hoje o que se tem de alternativa é a vacina criada pela empresa farmacêutica francesa Sanofi Pasteur, que teve registro aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 28 de dezembro do ano passado, e que tem um custo elevado, de acordo com o ministro da Saúde, Marcelo Castro.
Neste período, o que foi possível observar é que a retaguarda do país com relação à prevenção foi diminuindo gradativamente até praticamente ficar adormecida. Saiu da agenda de prioridades do contexto dos centros urbanos, justamente onde o mosquito prevalece, por ter uma característica doméstica e se proliferar em água parada e limpa. Cada fêmea pode gerar 1.500 mosquitos.
A memória histórica também foi praticamente apagada. Até os anos 30, é interessante lembrar que o Aedes era vetor da febre amarela urbana e foi erradicado no país, em 1955. Mas a sua incidência em outros países possibilitou sua reintrodução, segundo histórico descrito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Nos últimos anos, a incidência de casos começou a se destacar novamente nas manchetes. E hoje temos uma situação epidemiológica das mais graves, com a dengue, o zika vírus – com grande possibilidade de relação com microcefalia de fetos e casos da síndrome de Gullain-Barré, que é caracterizada por um colapso neurológico – e a febre chikungunya. Para completar, um Ministério da Saúde fragilizado pelas declarações do seu atual ministro, que disse mais recentemente que “o Brasil perdeu feio a batalha para o Aedes aegypti…”. Esta não foi a única declaração polêmica, nos últimos meses, o que causa um mal-estar quanto ao enfrentamento do problema.
Mais que cuidados ininterruptos com caixas d`água, cisternas, latas, pneus, pratinhos de vasos com água parada e calhas entupidas, estamos falando hoje de um estágio de evolução do Aedes como vetor de doenças, nunca antes visto. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que neste ano, 4 milhões de pessoas possam contrair zika vírus, nas Américas, sendo que 1,5 milhão no Brasil. Nesta escala global, 23 países já divulgaram a presença da doença. Para isso, foi criado um comitê de emergência.
Em cidades de pequeno porte como Cotriguaçu, onde vivo e trabalho há um ano no noroeste mato-grossense, o número de casos no único hospital local e no posto de saúde é assustador. Famílias inteiras estão contraindo as doenças (com predominância da dengue) e algumas desenvolvem sintomas mais graves, exigindo internação. Isto sem falar dos casos subnotificados.
O corpo de profissionais é reduzido, fazendo com que um único médico, dependendo do plantão, se desdobre entre uma unidade e outra (o que já faz parte da rotina). O município só tem três médicos que atendem a população nestes locais, além dos atendentes e alguns enfermeiros.
Esse é um dos gargalos também presenciados em várias localidades. O país, tanto nos pequenos como nos grandes centros, não está preparado para uma epidemia. Vide a situação dos complexos hospitalares nas capitais como Rio de Janeiro.
Os repelentes que encontramos no mercado, por muitas vezes, não dão conta por muito tempo, de afastar os mosquitos. Empiricamente, dá a impressão de que os insetos estão ficando cada vez mais resistentes, inclusive, em locais com refrigeração mais fria. Constatei isto, por exemplo, em uma sala climatizada a 17 graus em uma rodoviária mato-grossense, no município de Juína, neste mês, onde diferentes insetos (com aspecto semelhante ao Aedes sobrevoavam sem cerimônias).
Algumas alternativas encontradas em alguns municípios são de investir na produção de repelentes naturais. Entre eles, a crotalária, a citronela e o nim. Ao se produzir sementes e mudas em escala, em viveiros, é possível fazer a distribuição à população e para o plantio em espaços públicos.
Outra lacuna na prevenção é o efeito tardio de ações coletivas. Fazer mutirões depois que os ovos já eclodiram também revela a carência de planejamento estratégico que é vista em todo o território nacional. É necessário lembrar que eles podem ficar “adormecidos” por um ano e na próxima chuva retomar o ciclo de nascimento dos mosquitos. Portanto, prevenção é no ano todo.
Em 2015, em todo o Brasil, 843 pessoas morreram em decorrência da dengue em um total de 1,6 milhão de casos registrados. No ano anterior foram 473 óbitos. Este é um dado relevante, que aponta um estágio mais agressivo da doença, pouco a pouco.
Desde o século XIX, há registros da presença do Aedes, no Brasil e mundialmente, a partir do século anterior. O mosquito é procedente do Egito e se espalhou aos demais continentes por meio da África. Portanto, uma história longa, que não faz parte de uma realidade só das últimas décadas. Segundo a Fiocruz, na atualidade há registros de sua presença nas Américas, na África, Ásia, Austrália e Polinésia Pacífica. Quando falamos do Aedes aegypti, estamos tratando de um status de emergência mundial. Não há tempo a perder.
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Aedes aegypti – lá se vão quinze anos e uma constatação: o Brasil baixou a retaguarda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU