Por: Cesar Sanson | 11 Fevereiro 2016
"A proposta de Sanders é empoderar uma classe média como fizeram Roosevelt, Truman e Johnson, como reivindica sua campanha. Trata-se de uma plataforma tipicamente social-democrata como implementada em diversos países na Europa, garantindo aos cidadãos um sistema de saúde público e universal, um direito à educação superior sem endividamento excessivo da juventude, um salário mínimo condizente com as necessidades básicas, uma rede expandida e mais forte de proteção e seguridade social". O comentário é de Renan Quinalha em artigo publicado por Brasil Post, 10-02-2016.
Eis o artigo.
It's not me, us!"
Com esta frase, Bernie Sanders respondeu ao questionamento de um jornalista sobre quem seria o candidato mais forte nas eleições presidenciais dos Estados Unidos da América.
Senador pelo pequeno estado de Vermont, Sanders emergiu como uma das grandes surpresas das primárias que definirão quem serão os candidatos democrata e republicano a disputar a Casa Branca.
Negando-se a aceitar dinheiro proveniente de doações empresariais para sua campanha, Bernie tem despertado a simpatia de um setor do eleitorado descontente com as promessas não cumpridas do governo Obama.
As esperanças mobilizadas pelo primeiro presidente negro da história dos EUA já não se sustentam diante das desilusões de uma ampla parcela da juventude nos limites da democracia representativa.
A mensagem mais potente e radical de Sanders é justamente de resgatar o que resta de democracia no sistema político antes que haja sua completa colonização pelo poder econômico, por meio das milionárias doações empresariais e dos lobbies. Não é mais possível que tão poucos se enriqueçam às custas do bem-estar da grande maioria de trabalhadores e setores sociais vulneráveis.
Há tempos que o tema da desigualdade econômica e da financeirização predatória não ocupa espaço tão central em uma campanha presidencial. Após a crise financeira de 2008, provocada por conglomerados de Wall Street, a vida de milhões de norte-americanos foi afetada e a expectativa era, ao menos, de punição dos responsáveis e até mesmo de uma reorientação capaz de garantir mais justiça social.
Nenhuma dessas respostas foi adequadamente construída. Ao contrário, prevaleceu uma política de ajuda pública aos bancos "quebrados" e prevaleceu cenário de total impunidade, o que foi bastante denunciado pelo movimento Occupy Wall Street, que se espalhou por diversas partes dos EUA.
Agora, Sanders parece catalisar essa insatisfação, aliando-a ao melhor da tradição da rebeldia da luta pelos direitos civis dos anos 60, em um programa que ousa caracterizar como "socialismo democrático".
Em verdade, nada do que propõe se aproxima do socialismo soviético ou do comunismo chinês, lembranças que causam pavor no país que hegemonizou o bloco capitalista durante a Guerra Fria. É preciso desfazer essa confusão que apenas busca provocar o medo dos eleitores localizados mais ao centro.
A proposta de Sanders é empoderar uma classe média como fizeram Roosevelt, Truman e Johnson, como reivindica sua campanha. Trata-se de uma plataforma tipicamente social-democrata como implementada em diversos países na Europa, garantindo aos cidadãos um sistema de saúde público e universal, um direito à educação superior sem endividamento excessivo da juventude, um salário mínimo condizente com as necessidades básicas, uma rede expandida e mais forte de proteção e seguridade social.
Parece pouco, mas significa muito para o país que simboliza a mais acabada sociedade de livre mercado e da cultura da meritocracia. Essa agenda é tipicamente redistributiva e seria financiada, segundo a proposta, com a taxação progressiva dos mais ricos, em especial do sistema financeiro.
Sua oposição a guerras intermináveis também é uma ideia de usar mais racionalmente os recursos públicos e afronta, ainda que parcialmente, o belicismo que tem dominado a política externa norte-americana.
Além disso, a plataforma de Sanders integra pautas formuladas de maneira bastante avançada no combate ao preconceito e à discriminação às mulheres, aos negros e às pessoas LGBT. Tais posições são afiançadas pela postura de Bernie, que sempre defendeu as ditas "minorias" na sua atuação enquanto congressista. Seu desafio é ganhar o reconhecimento e apoio desses setores, que ainda parecem confiar mais na campanha de Hillary.
Enquanto Hillary - que integra um dos clãs mais poderosos da política estadunidense -- adota um discurso autocentrado, que fala mais de si do que de seus projetos, Sanders consegue priorizar uma mensagem que faz sentido para o povo. Ele consegue ser mais propositivo e positivo na sua agenda, enquanto que ela precisa ficar justificando a impossibilidade e a negação constante das propostas dele. Isso significa que ele está pautando o campo da disputa política e não ela.
Não à toa, ele tem surpreendido nos primeiros resultados. Em Iowa, ele alcançou um impacte ténico e em New Hamphshire, ontem, ele venceu por quase 60% dos votos.
Sua vitória é sobretudo entre os mais jovens, entre aqueles que votam pela primeira vez, entre os independentes que agora se empolgaram para participar das eleições, entre aqueles que têm menor renda.
O grande desafio é ganhar os setores mais moderados do Partido Democrata para sua indicação. Nas próximas primárias, o poder econômico da campanha de Hillary vai colocar em questão essa onda contagiante que tem tomado as ruas e as redes sociais em favor de Bernie.
Mas, mesmo que não vença a indicação, Sanders já conseguiu amplificar a constatação de que as ligações escusas entre dinheiro e política não são saudáveis para a democracia. E que o antídoto para isso é maior participação social e coragem para contrariar grandes interesses. Só por isso, podemos dizer que sua revolução política está sendo vitoriosa.
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A revolução política de Bernie Sanders - Instituto Humanitas Unisinos - IHU