21 Janeiro 2016
Desde o começo o Papa Francisco, como todos os seus antecessores recentes, manifestou um desejo de ter boas relações com as religiões do mundo, bem como com as várias denominações cristãs. Raramente, no entanto, este desejo se fez tão visível ou intenso quanto hoje.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 19-01-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Estamos num mês que conta com três eventos de alto calibre: um pode ser descrito como rotineiro, mas os outros dois são novidades.
No dia 17, Francisco cruzou a cidade de Roma para visitar a Grande Sinagoga, a sua primeira visita a um lugar judaico de adoração desde que foi eleito para o papado em março de 2013. Esta vista marcou a terceira vez que um papa vai a esta sinagoga romana, localizada nas fronteias daquilo que certa vez foi chamado de um gueto judaico.
No dia 25, conforme os papas fazem todos os anos, Francisco irá à Basílica de São Paulo Fora dos Muros para marcar o fechamento da Semana de Oração pela Unidade entre os Cristãos. Em geral, esta é a ocasião anual mais importante para os papas refletirem sobre o ecumenismo.
É bem possível que Francisco deixe o Vaticano de novo no dia 27 deste mês para visitar a Mesquita de Roma, um dos maiores lugares de adoração islâmicos fora dos países árabes. Se a informação se confirmar, ele se tornará o primeiro papa a visitá-la, e historicamente esta será somente a nova vez que um pontífice entra em uma mesquita.
Em meio a todos estes movimentos, poder-se-ia perguntar: Por que a relação com as demais religiões e por que a unidade entre os cristãos estão tão presentes nas ações deste papa?
Até certo ponto, temos apenas uma coincidência. Dado que João Paulo II e Bento XVI visitaram a sinagoga romana, era esperado que Francisco faria o mesmo em algum momento, estando praticamente certo que esta visita aconteceria em janeiro, no dia anual da Itália para o diálogo judaico-cristão.
Francisco, ao visitar a sinagoga, pôde pensar em uma viagem à mesquita também como um sinal de que o seu trabalho juntos aos judeus não é um exercício aleatório apenas.
Posto que sempre será um papa com pressa, ele não iria querer esperar muito tempo para chegar ao ponto onde quer chegar, o que pode explicar o motivo por que a visita veio a apenas 10 dias depois de sua ida à sinagoga.
Da mesma forma, o dia 25 de janeiro vem sendo, há muito, usado pelos papas como um dia dedicado ao ecumenismo à luz da Semana da Oração pela Unidade entre os Cristãos, observância que se estende até 1908. Nesse sentido, Francisco está apenas conservando a tradição.
Em outras palavras, as estrelas se alinharam para que tudo isso acontecesse em poucos dias de diferença.
Por outro lado, há pelo menos três motivos pelos quais Francisco está provavelmente feliz com que estes compromissos estejam vindo um atrás do outro.
Primeiro, com eles fica dado que a unidade entre os cristãos e o diálogo inter-religioso, embora distintos, estão não obstante relacionados.
Com certeza, o diálogo ecumênico entre cristãos é diferente do envolvimento dos cristãos com as demais religiões. Quando os cristãos conversam entre si, o objetivo final é a unidade plena, visível e estrutural em uma casa comum. Quando religiões diferentes se envolvem, o objetivo é conhecer uma a outra melhor e trabalhar juntos, sempre respeitando as diferenças inalteráveis de crença e prática entre as religiões.
No entanto, a realidade prática é que o ecumenismo dá um impulso renovado para o diálogo inter-religioso.
Se os judeus, muçulmanos, hindus, budistas e assim por diante apreenderem uma mensagem dos católicos e uma outra dos batistas, ou uma mensagem dos ortodoxos e uma outra dos pentecostais, isso pode acabar atrapalhando as coisas. Quanto mais os cristãos estiverem unificados, mais fácil vai ser o trabalho junto às outras religiões.
Em segundo lugar, a coincidência de todos estes três eventos estarem acontecendo em um mesmo mês permite a Francisco fazer notar que ele não está simplesmente escolhendo entre várias opções, ou que estaria dando preferência a um grupo em detrimento de outro.
Pelo contrário, a mensagem aí é que a construção de laços com os judeus, muçulmanos e outros cristãos faz parte de um mesmo pacote. Nas palavras do Papa Paulo VI, diante das Nações Unidas em 1965, a Igreja Católica quer ser uma “especialista em humanidade”, o que inclui as várias expressões religiosas de toda a família humana.
Em terceiro lugar está, evidentemente, a realidade imponente de que o mundo nunca precisou de um contratestemunho ao extremismo religioso e à violência tanto quanto precisa hoje.
Dado o derramamento de sangue associado com o ISIS, o Boko Haram, o conflito entre cristãos e muçulmanos na República Centro-Africana, o aumento do extremismo hindu e budista em regiões da Ásia, ataques terroristas em toda a Europa, e assim por diante, até mesmo pessoas razoáveis podem estar tentadas a concluir que a religião destina-se, inevitavelmente, a pôr as pessoas umas contra as outras.
Nesse sentido, a determinação de Francisco em mostrar que as coisas não precisam ser assim – que a religião pode ser parte tanto da solução como do problema – parece vir em boa hora.
Seja por sorte ou desígnio, o mês de janeiro de 2016 está dando ao Papa Francisco uma plataforma para transmitir essa mensagem em alto nível. O que resta saber é se este seu frenesi de trabalhar junto aos demais irá se compensar em termos de transformação dos corações e mentes onde isso se faz necessário.
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Papa Francisco e a busca pela unidade cristã e o diálogo inter-religioso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU