"Jesus é o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de vida. “Comê-lo” será escutar a sua Palavra, acolher a sua proposta, assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de viver, fazer da vida um dom total de amor aos irmãos.
"É Jesus o Pão vivo que sacia os desejos mais profundos de vida e verdade. Não há o que temer. Ele conhece nosso coração. Sabe das nossas buscas, cansaços, desejos e realizações. É preciso acreditar!"
A reflexão é da teóloga Élida Debastiani, religiosa da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria - ICM. Ela possui graduação em teologia pela Escola Superior de Teologia - ESTEF (1995), licenciatura em Filosofia pela Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul - PUCRS (1999) e Mestrado em Ciências Bíblicas pelo Instituto Bíblico de Roma (2004) e pós graduação em Juventudes pela Faculdade Dom Bosco, Porto Alegre (2017). Atualmente é Conselheira Geral da Formação na Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria.
Referências bíblicas
1ª Leitura - Ex 16,2-4.12-15
Salmo - 77 (78)
2ª Leitura - Ef 4,17.20-24
Evangelho – Jo 6,24-35
Estamos refletindo hoje sobre a Liturgia do 18º domingo do Tempo Comum, ano B. No Brasil, Agosto é o mês vocacional, neste domingo, celebra-se a Vocação ao Ministério Ordenado. Nossa comunhão e prece de gratidão ao Senhor da Messe.
O livro do Êxodo desenvolve nos capítulos 15,22 a 18,27 um tema muito caro ao Pentateuco: a marcha do povo pelo deserto, que vai desde a passagem do mar, até ao Sinai. O texto de hoje (Ex 16,2-4.12-15) aborda a primeira etapa dessa marcha. O episódio começa com a murmuração do Povo “contra Moisés e contra Aarão” (v. 2). Parece-nos estranho o povo sentir saudades do tempo em que passou no Egito, pois, pelo fato de ter comida, aceitava a escravidão. A murmuração revela que o povo não aprendeu a confiar no seu Deus, a segui-Lo incondicionalmente no caminho da fé, sem hesitação. Deus é paciente, como resposta “fazer chover pão do céu” (vers. 4) e dá ao Povo carne em abundância (v. 12). No momento de crise, o povo experimenta o cuidado, a solicitude e o amo de Deus.
Deus é Aquele que vai conosco ao longo da nossa caminhada pelo deserto da vida, vê as nossas necessidades, conhece os nossos limites, percebe a nossa tendência para o egoísmo e o comodismo e, em cada dia, aponta-nos caminhos novos, convida-nos a ir mais além, mostra-nos como podemos chegar à terra da liberdade e da vida verdadeira.
O texto extraído do quarto capítulo da Carta aos Efésios (Ef 4,17.20-24), é uma “carta circular” que Paulo envia a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor. É uma carta onde Paulo apresenta duas expressões opostas sobre as exigências da vida nova em Cristo: homem velho e homem novo. Quem é marcado pelo Batismo, é também chamado a um modo de vida segundo Deus, na “justiça e santidade da verdade” (v.24).
O Evangelho deste domingo (Jo 6,24-35) vem na continuidade do domingo anterior. O capítulo 6 do Evangelho de João é um dos capítulos mais significativos. É o maior e se lê em 31 ocasiões no Ano Litúrgico. O texto de hoje (Jo 6,24-35) é uma parte do longo discurso proferido na Sinagoga de Cafarnaum. É um texto revelador da identidade de Jesus. O tema central deste domingo é crer em Jesus “pão de vida”, “pão do céu”, “pão vivo”. Quem come deste pão tem a vida duradora, a vida eterna. Comida e vida vão juntas como conceitos vitais.
A multidão busca Jesus e o encontra na Sinagoga. A pergunta dirigida a Jesus é: Rabi, quando chegaste aqui? (Jo 6,24-25). Jesus não responde, mas os adverte porque não o buscam por ter reconhecido os sinais, mas por ter comido pão.
Para compreender um sinal não basta apreciá-lo passivamente, mas é preciso penetrar/ adentrar-se no significado que contem. Jesus percebe que a multidão está mais ligada nos dons do que no doador, por isso não o reconhece como o Enviado do Pai, aquele que Ele mesmo dá, como enviado e portador do selo do Pai, isto é, do Espírito Santo.
Jesus diz: “Trabalhai pelo alimento que permanece até a vida eterna, alimento que o Filho do Homem vos dará”. (v. 27) Ele os censura porque seu horizonte é muito estreito.
Na sequência perguntam-lhe: “Que faremos para trabalhar nas Obras de Deus?” (v. 28). Jesus vai aprofundando as exigências do seguimento, e responde: “A obra de Deus é que creiais naquele que Ele enviou” (v. 29).
Acostumados com a Lei, onde estão prescritos os mandamentos e observâncias, perguntam a Jesus quais são os que ele prescreve. Jesus corrige o pressuposto da pergunta. Deus não imporá nada de novo. O trabalho que Deus exige é um só: dar adesão permanente a Jesus como enviado. Este é o trabalho que ganha o pão que permanece e a vida definitiva. Esta exigência é nova e eles não a esperavam. Jesus não os exorta a aderirem nem a imitarem Deus, mas da parte de Deus pede-lhes adesão à sua própria pessoa. É preciso acreditar!
A resposta é clara: é preciso aderir a Jesus e ao seu projeto (v. 28). Na cena da multiplicação dos pães, a multidão não aderiu ao projeto de Jesus que falava de amor, de partilha, de serviço; apenas correu atrás do profeta milagreiro que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância… Mas, para receber o alimento que dá vida eterna e definitiva, é preciso, que a multidão acolha as propostas de Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na partilha daquilo que se tem com os irmãos, no serviço simples e humilde aos outros. É acolhendo e interiorizando esse “pão” que se adquire a vida que não acaba.
Os interlocutores de Jesus não estão acreditando em Jesus, antes, o desafiam dizendo: “que sinal realizas para que vejamos e creiamos em ti? Que obras fazes?” (v. 30). Demonstram-se incrédulos, provocam e desafiam Jesus com a memória do maná, dizendo nas entrelinhas: por que é que Jesus não realiza um gesto espetacular – como Moisés, que fez chover do céu o maná, não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada – para provar que a proposta que Ele faz é verdadeiramente uma proposta geradora de vida (v. 31)? São sinais de controvérsias entre os judeus e a comunidade cristã.
“Jesus reage dizendo-lhes: Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu, mas meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu; porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (v.32-33).
A resposta de Jesus é taxativa: a crença dos interlocutores é ilusória. Somente seu Pai dá o verdadeiro pão do céu. O maná é coisa do passado. Foi um dom de Deus para saciar a fome material do seu Povo. Mas o maná não é esse “pão” que sacia a fome de vida eterna do ser humano. Só Deus dá, de forma contínua, a vida eterna; e esse dom do Pai não veio ao encontro da humanidade através de Moisés, mas através de Jesus.
Disseram-lhe: “Senhor, dá-nos sempre deste pão!”. Chamam-no de Senhor, com respeito pedem o pão para si, mas ainda sem adesão a Jesus. Respondeu-lhes Jesus: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim, nunca mais terá fome, e o que crê em mim nunca mais terá sede” (v.35). É preciso acreditar!
Jesus é o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de vida. “Comê-lo” será escutar a sua Palavra, acolher a sua proposta, assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de viver, fazer da vida um dom total de amor aos irmãos.
Jesus de Nazaré é o “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”. É esta a questão central que o Evangelho deste domingo nos propõe. É em Jesus e através de Jesus que Deus sacia a fome e a sede das pessoas e lhes oferece a vida em plenitude. Para nós que celebramos a Eucaristia num contexto de desigualdade social, onde falta pão por causa do acúmulo, do desperdício e da ganância, nos perguntamos: que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? O reconhecemos como o Filho de Deus continua vivo caminhando ao nosso lado, oferecendo-nos vida em plenitude?
É Jesus o Pão vivo que sacia os desejos mais profundos de vida e verdade. Não há o que temer. Ele conhece nosso coração. Sabe das nossas buscas, cansaços, desejos e realizações. É preciso acreditar!
Retomando: Na primeira leitura (livro do Êxodo), Deus ouve as murmurações do povo, atende seu pedido assegurando-lhe sua presença, educando-o à confiança, chamando-o a superar a mentalidade escravagista para a liberdade. Na segunda leitura (Carta aos Efésios) , Paulo chama os cristão das novas comunidades a transformarem-se, a partir da renovação da mente, em deixando o homem velho, assumindo o modo de ser de Deus na justiça e na verdade.
No Evangelho Jesus corrige aqueles que O buscam para a satisfação do pão material, revelando-se: Eu sou o pão da vida.
Quem comunga o Pão da Vivo descido do céu é chamado a cuidar da vida, ser pão de vida para o mundo, para os pobres a fim de saciar a fome de comunhão, de cuidado, de compaixão. Fome de Vida!