23 Novembro 2011
De Brunelleschi a Leonardo, assim mudamos de perspectiva. Antecipamos um trecho do último livro do matemático e lógico italiano Piergiorgio Odifreddi, Una via di fuga.
O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 21-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No início do século XV, provavelmente em 1416, Filippo Brunelleschi surpreendeu primeiro Florença e depois o mundo. Na verdade, ele foi até a Catedral de Santa Maria del Fiore, se posicionou no centro da porta maior e desenhou, segundo as regras da perspectiva, o Batistério que estava em sua frente.
Depois, ele foi à Piazza della Signoria, se posicionou na esquina da Via dei Calzaiuoli, e desenhou segundo as mesmas regras o Palazzo Vecchio. As duas tábuas de Brunelleschi se perderam, e só sabemos da sua existência graças ao testemunho de Leon Battista Alberti. Hoje, podemos reconstruí-las com facilidade, simplesmente fotografando os dois lugares a partir das mesmas posições em que o arquiteto havia se colocado. Mas desenhá-las na época não era nada banal, porque as regras da perspectiva ainda não haviam sido descobertas. Foi justamente Brunelleschi que entendeu que se podia deixar horizontais as linhas horizontais e verticais as linhas verticais, mas era preciso fazer convergir em pontos imaginários as linhas de profundidade.
O Batistério não havia sido escolhido por acaso: sendo um edifício octogonal, ele oferecia à vista uma face perpendicular, e duas faces em 45 graus. E Brunelleschi jogou de forma astuta: desenhou-o sobre uma tabuleta de madeira de forma especular, fez-lhe um buraco na parte de trás e a colocou diante de um espelho. Quem olhava para o espelho através do buraco, tinha assim a ilusão de ver aparecer milagrosamente o próprio Batistério, como se fosse verdadeiro. Esses truques, hoje, nos deixam indiferentes, porque a perspectiva se tornou uma segunda natureza nossa. Mas, naquele tempo, o fato de serem surpreendentes e espetaculares é demonstrado pelas lendas que floresceram sobre as duas tábuas de Brunelleschi (...).
A descoberta de Brunelleschi era um ovo de Colombo, porque a imagem retínica é rigorosamente prospectiva: as fotografias demonstram isso exatamente. Mas o cérebro não leva em conta as perspectivas a uma curta distância, e, portanto, paradoxalmente, faz com que apareçam distorcidas as fotografias tiradas de perto. A compensação do efeito prospectivo ocorre, porém, apenas para a visão horizontal e a uma curta distância, não para aquela vertical: talvez porque estamos pouco acostumados a olhar para cima ou para baixo. Mesmo antes da descoberta da teoria científica por parte de Brunelleschi, a prática artística tinha muitas vezes introduzido correções de perspectiva. Na História Natural, Plínio, o Velho, narra o espanto do público quando uma estátua de Atenas, esculpida por Fídias com membros e rosto deformados, aparecia perfeita depois da acomodação sobre a coluna à qual ela estava destinada.
Nos tempos de Platão, esses estratagemas já eram tão comuns que, no Sofista, o filósofo se lançou contra aqueles que os usavam, porque não representavam as coisas como elas são na realidade. E os exemplos clássicos de correção de perspectiva são incontáveis: a inclinação para o interior dos eixos das colunas do Partenon, a ampliação para o alto da torre de Giotto em Florença, o alargamento para o fundo da Piazza San Marco, em Veneza...
Com o aumento da distância do objeto de nós, a percepção da sua grandeza, ao contrário, diminui: um fato registrado pela primeira vez em uma tabuleta assíria do reino de Assurbanipal. Outros fenômenos perceptivos relacionados ao afastamento de um objeto são a perda de definição dos seus contornos e a atenuação de sua cor. O estudo das leis da visão foi abordado desde a antiguidade: já existia uma teoria completa, codificada por Euclides na Ótica. As mais importantes dessas leis estabelecem que os objetos determinam um "cone" de raios retilíneos convergentes no olho, que tem como base o contorno do objeto.
A percepção da grandeza de um objeto é determinada pelo ângulo subentendido pelo seu cone com relação ao nosso olho. Em particular, enquanto ele se afasta, o objeto aparece cada vez menor, até desaparecer em um ponto de fuga: um nome introduzido em 1715 por Brook Taylor, no seu tratado sobre a Perspectiva linear. Na percepção, duas retas paralelas aparecem, portanto, convergentes, e duas retas convergentes são interpretadas como paralelas. Se a ótica determina o cone da visão formado por um objeto com relação a um olho, a perspectiva estuda, ao contrário, a interseção desse cone com um plano, pensado como uma tela sobre a qual se pode representar a imagem vista pelo olho.
Isto é, trata-se de considerar a tela como uma janela através da qual se vê, olhando com um único olho, o mundo externo. E assim fizeram efetivamente os pintores renascentistas, usando vários artifícios descritos em 1525 por Dürer, no Tratado sobre a medida com régua e compasso. Embora ótica e perspectiva sejam, portanto, dois estudos complementares, os gregos nunca embarcaram no segundo. Há exemplos inconscientes de perspectiva do século VI, nas grutas de Ajanta, Índia, e em pinturas chinesas entre osséculos X e XIII, mas as primeiras realizações conscientes parecem ser as duas tabuletas de Brunelleschi a partir da qual começamos.
A sua descoberta se espalhou como uma mancha de óleo, primeiro na Itália e depois ao exterior. E quase imediatamente apareceram as mais antigas obras de perspectiva que permaneceram: São Jorge liberta a princesa, de Donatello em 1417; o Cristo em piedade, de Masolino da Panicale, em 1424; a Trindade de Masaccio (imagem ao lado) em 1426; e A Adoração do Cordeiro dos irmãos Jan e Hubert van Eyck em 1432.
Pouco depois, em 1435, foi compilado o primeiro manual da nova técnica, o Della pittura, de Leon Battista Alberti, ao qual se seguiram La prospettiva per la pittura, de Piero della Francesca, por volta de 1480, e La prospettiva artificiale, de Jean Pélerin, em 1505. Quase a sugerir um ideal prosseguimento da história que estamos contando, a primeira descrição de uma construção prospectiva que chegou até nós se refere à representação de uma pavimentação regular, de lajotas quadradas. O assunto tornou-se uma das peças de exposição da época, mesmo em obras em que, na realidade, ela tinha pouco a ver: por exemplo, o Sangue do Redentor, de Giovanni Bellini, de 1460 (imagem abaixo) (...).
E foi (ainda) Leonardo o primeiro a descobrir um complemento paradoxal da perspectiva: a chamada anamorfose (de ana, de novo, e morphé, forma), que permite deformar as figuras de forma que apareçam corrigidas apenas de um ponto de vista particular. O mais antigo exemplo conhecido data de 1514-1515 e se encontra justamente no Código Atlântico, de Leonardo. O mais conhecido é de poucos anos depois, de 1533, e é um particular do quadro Os Embaixadores, de Hans Holbein. O mais espetacular é o São Francisco de Paula em oração pintado por Emmanuel Maignan em 1642, no claustro de Trinità dei Monti.
A anamorfose, além disso, não é uma obra tão fútil, como poderia parecer pelas curiosas imagens concebidas para serem refletidas em espelhos cilíndricos ou cônicos, introduzidos pelos chineses durante a dinastia Ming e que estavam de moda na Europa do século XVII. É também a técnica necessária para realizar afrescos destinados a serem vistos de lado, ou pintados em superfícies curvas. Quem se deu conta disso foi Michelangelo, um de cujos lemas era que "o artista deve ter o compasso nos olhos".
Quando foram removidos os andaimes da primeira metade do teto da Capela Sistina, de fato, ele se deu conta de que o seu compasso ocular tinha falhado, e as figuras tinham ficado muito pequenas. Na segunda metade, ele foi obrigado a ampliá-las gradualmente, até chegar às proporções corretas. Mas aprendeu a lição: 20 anos depois, quando teve que pintar o Juízo Final, ele planejou as figuras do alto de modo que fossem muito maiores do que as de baixo.
Matematicamente, o erro de Michelangelo estava ligado ao fato de que, a arcos iguais, correspondem tangentes angulares desiguais, mas crescentes. Dürer, ao contrário, estava perfeitamente consciente disso e, em 1525, dedicou algumas ilustrações do seu Tratado sobre a medida com régua e compasso a esse assunto. O mestre indiscutível dessas técnicas, no entanto, foi Andrea Pozzo, jesuíta, no fim do século XVII. O seu livro Prospettiva dei pittori e architetti é maravilhosamente ilustrado, e os seus afrescos na Igreja Santo Inácio, em Roma, são espetaculares (imagem ao lado). Em particular, uma falsa cúpula e a Glória de Santo Inácio são vistos corretamente somente a partir de pontos particulares, e o teto dá a ilusão de ser uma continuação natural da estrutura da igreja.
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Uma outra geometria é possível. Andrea Pozzo, jesuíta, um mestre indiscutível - Instituto Humanitas Unisinos - IHU