Na sala onde o papa João Paulo II despachou quando esteve em Porto Alegre, em 1980, e dando à ocasião a solenidade de “anúncio de um ato relevante”, o arcebispo metropolitano,
Dadeus Grings, fez uma declaração de guerra ao Poder Judiciário, a quem classificou de “corrupto e arbitrário”. O motivo que gerou a reação: dom
Dadeus está contrariado com decisão do
Tribunal de Justiça de São Paulo que o condenou, quando liderava a diocese de
São João da Boa Vista (SP), a pagar indenização de R$ 940 mil a uma família de
Mogi Guaçu (SP). Adiantou que não vai cumprir a decisão.
– O problema da corrupção no Brasil tem sua base exatamente ali, no Judiciário. Todos sabem disso, mas poucos têm coragem de denunciá-lo. Nossa presidente começou a faxina no Executivo. Quando será a vez do Judiciário, onde o problema é mais grave? – pergunta o arcebispo.
A reportagem é de
Léo Gerschmann e publicada pelo jornal
Zero Hora, 01-11-2011.
Dom Dadeus chamou representantes da sociedade para seu pronunciamento. Sua primeira frase foi o anúncio de que “chegou ao fim mais um capítulo da agressão do Judiciário contra a Igreja Católica”.
Em seguida, exaltou-se ao dizer:
– Não posso, por coerência e dever de consciência, acatar essa sentença inválida e desrespeitosa, porque contraria aos requisitos do direito nacional e internacional, como intromissão – e não é a primeira – nos assuntos internos da Igreja. Estou disposto a dar a vida por essa causa.
Religioso diz que escreverá cartilha sobre Judiciário
Era visível o impacto causado pela manifestação, de 18 minutos, nas pessoas que o acompanhavam. Alguns ficaram preocupados com a repercussão que o fato poderá tomar. Ainda assim, dom Dadeus continuou em sua prédica contra o Judiciário:
– Vê-se que os juízes estão desligados da realidade. Os ministros da Igreja Católica não recebem salários polpudos, como eles, nem amealham fortunas.
O arcebispo adiantou que escreverá uma “cartilha” sobre o tema:
– Diante da gravidade do assunto, escreverei nova cartilha para apontar as mazelas do Judiciário e assim colaborar na urgente reforma. Ou o Brasil muda o Judiciário, ou o Judiciário acaba corrompendo o Brasil.
Sentença exige pagamento de R$ 940 mil a advogados
A passagem de uma avenida por terrenos onde havia uma série de casas na cidade de
Mogi Guaçu (SP) levou o então bispo de
São João da Boa Vista,
Dadeus Grings, a reclamar dos valores que ele considerou excessivos para indenizações pagas pelo município por determinação judicial.
O religioso conta que foi procurado pela prefeitura e por fiéis inconformados com os valores considerados altos. Escreveu, então, o artigo “
Judiciário arrasa Mogi Guaçu”, contra as indenizações.
Os
Bueno, uma das famílias beneficiadas pela indenização, encaminharam ao religioso uma carta, que foi respondida por
Dadeus. O bispo escreveu que não havia problema em recorrer à Justiça reclamando direitos, mas entendia que os advogados deles “não agiam com lisura”.
Consequência dessa observação: os advogados entraram com queixa-crime de calúnia, difamação e injúria contra
dom Dadeus. O bispo não contestou nem se retratou. Passou a escrever novos artigos criticando os advogados – no processo, consta que ele fazia citações e insinuações de que eles pagariam no “inferno”.
Os três advogados entraram com ação por danos morais contra
dom Dadeus e a diocese de São João da Boa Vista. Em 18 de outubro, dom Dadeus e a diocese foram informados de que terão de pagar indenização de R$ 940 mil aos três autores da ação. Dom Dadeus, sozinho, terá de pagar cerca de R$ 500 mil.
A reação da Ajuris.
Eis a nota oficial emitida pela
Ajuris.
A
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris vem a público manifestar toda a indignação da Magistratura gaúcha em face das declarações do Arcebispo de Porto Alegre, Dom
Dadeus Grings, que atribui ao Poder Judiciário a condição de ente corrompido, impulsionado por ter sido condenado em ação de indenização por fato que lhe foi imputado, ocorrido na cidade de
Mogi Guaçu (SP).
Esta prática adotada pelo Arcebispo está cada vez mais disseminada no Brasil, notadamente quando o Judiciário decide em desfavor de segmentos que desfrutam de poder diferenciado na sociedade.
É necessário que a cidadania perceba que um país, para ser substancialmente democrático, deve contar com um Poder Judiciário laico, imparcial e independente. Lamentavelmente, alguns quadros da vida pública ainda não se deram conta do quanto é importante tal condição para uma nação.
Reiteramos que a postura inquisitorial do Arcebispo é inaceitável. Da mesma forma, registramos o grande respeito que temos pela Igreja Católica, e todas as outras religiões.
Entretanto, não podemos admitir que qualquer religioso, em nome de sua crença, insulte pessoas e instituições de forma arbitrária, numa quase retrospectiva da inquisição medieval.
A Ajuris sempre exigirá pronta apuração de qualquer irregularidade no Poder Judiciário, mas não admitirá a ofensa generalizada e irresponsável, de qualquer autoridade, simplesmente pelo fato de ter seus interesses contrariados por decisão judicial. Repudiamos tal comportamento pelos evidentes danos que causa à democracia.
João Ricardo dos Santos Costa
Presidente da Ajuris
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"Ou o Brasil muda o Judiciário, ou o Judiciário acaba corrompendo o Brasil", diz arcebispo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU