As sucessivas quedas de ministros no governo
Dilma Rousseff estão sendo utilizadas pela presidente para escolher nomes de sua confiança, algo que ela não pôde fazer ao tomar posse como sucessora de seu padrinho político, o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. É assim que o cientista político
Fabiano Santos, do Iesp-Uerj, analisa a sexta demissão de um ministro, agora foi
Orlando Silva (PCdoB), no Esporte, após denúncias de corrupção na Pasta.
A entrevista é de
Cristian Klein e publicada pelo jornal
Valor, 28-10-2011.
Santos não vê uma causa comum entre os episódios e destaca que, apesar de tudo, a sequência de escândalos, em apenas dez meses, não criou um clima de instabilidade no governo. Presente no 35º encontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), Santos concedeu esta entrevista, na qual também explica os principais achados de seu novo livro, "
Fundamentos informacionais do presidencialismo de coalizão" (Appris), em co-autoria com o pesquisador
Acir Almeida, do Ipea.
Eis a entrevista.
Com a demissão de Orlando Silva, já são seis ministros que caem em apenas dez meses desde que a presidente Dilma Rousseff assumiu. Hoje há mais corrupção no governo?
Não vejo dessa maneira. Existe uma sistemática mais rigorosa nas instituições de controle. Hoje elas estão muito mais preparadas. O tratamento não ortodoxo com a coisa pública é uma prática muito arraigada no Brasil, que foi acentuada pelos governos militares. É decorrência de anos e anos de falta de transparência. E desde a
Constituição de 1988 as instituições foram organizadas e têm sido importantes. O fato desses episódios estarem se multiplicando é muito mais um sintoma de força das instituições do que o seu contrário.
As demissões refletem um estilo diferente da presidente em relação a seus antecessores?
Quando a presidente
Dilma organizou o ministério, ela negociou. Nessa negociação, o resultado final nem sempre é aquele que se quer. O ministério que se organiza é um ministério do equilíbrio possível num dado momento. Esse contexto político vai se modificando. É uma oportunidade que ela tem visto para mudar o ministério num sentido mais próximo ao dela. Agora, o que tem de ser enfatizado é que não existe nenhuma implicação política substantiva na mudança desses nomes. Não há nenhuma instabilidade dentro do Congresso, não há mudança na composição partidária, nem nas políticas de governo. Do ponto de vista político, é uma semana de manchete; depois acaba.
Ela está fazendo o ministério que ela não conseguiu ao tomar posse?
Ela está aproveitando a oportunidade para aproximar os nomes aos de sua preferência. É natural. O momento ideal para se fazer uma reforma desse tipo é a eleição municipal, só que acontecimentos políticos têm precipitado essas mudanças.
Já nas eleições presidenciais previa-se que Dilma, ao assumir, teria que se blindar contra os escândalos de corrupção pois ela não desfruta da mesma popularidade e do carisma de Lula, cuja margem de manobra era maior e bancava a permanência dos ministros. As demissões são fruto dessa necessidade de blindagem?
Não vejo dessa maneira. Vejo que há uma evolução crescente na capacidade das instituições de controlar o comportamento dos agentes públicos.
Dilma talvez esteja experimentando algo mais agudo do que experimentaram
Lula e
FHC. Cada presidente vai se deparar com essa evolução aguda até haver uma mudança consistente no comportamento dos agentes públicos.
A que instituições podemos creditar uma melhora no controle da corrupção?
A sociedade civil faz parte disso. A imprensa faz parte. Não há um vazio. Hoje em dia, a ritualística em torno da apuração dos casos que são denunciados é muito mais forte, mais precisa e isso acaba tendo implicação política.
O que há em comum entre as seis demissões?
São casos que surgiram por motivos diferentes. Em certas situações, refletem práticas enraizadas; em outros, foi algo tópico, de gravidade menor. O caso [Antônio]
Palocci [ex-ministro da Casa Civil] foi resultado de um comportamento privado, dele, antes de assumir o ministério. Completamente diferente da queda do ex-ministro do Turismo [Pedro Novais], que envolveu recursos manejados pela própria Pasta que não estavam sendo aplicados da maneira como deveriam.
Sobre seu novo livro, qual a principal contribuição dele para se entender a política brasileira?
A literatura trata o Congresso a partir principalmente de duas perspectivas: ou o Congresso é organizado a partir dos partidos, que são o ator-chave e dão o tom, em articulação com o Executivo, ou o foco está nos parlamentares individualmente. Nenhuma dessas visões trabalhou um tema importante para qualquer processo decisório que é a questão da informação. Como um ator, que precisa tomar uma decisão, busca as informações necessárias para que a decisão não seja prejudicial a ele ou seja a melhor possível. Esse problema de adquirir e distribuir informação necessária também está necessariamente presente na relação entre o presidente e o Congresso.
Em que bases se assentam essas informações?
Conseguimos dados interessantes e que caminham contra o que a literatura vem falando sobre alguns pontos a respeito do trabalho do Congresso. Fundamentalmente, a respeito das comissões. Em geral, se tem a ideia de que o Congresso, por ser uma instituição em desvantagem vis a vis o Executivo, no que diz respeito à capacidade técnica, ele não teria fontes próprias para um trabalho bem subsidiado em termos de políticas públicas. E aí observamos, sim, que as comissões em diversas circunstâncias são ativadas pelo Congresso para produção de informação relevante para a tomada de decisão. O sistema de comissões é algo relevante e faz um trabalho em torno de políticas públicas muito importante sob determinadas condições.
Que condições são estas?
Quando o presidente, por exemplo, é muito enviesado, afastado do que o Congresso quer em determinada política, ele aciona a comissão para que ela possa subsidiá-lo e fazer um parecer ou uma proposta alternativa de política.
Como isso se verifica?
Por exemplo, a emissão de medidas provisórias foi muito menor no
governo Collor do que em outros governos, e isso se dá fundamentalmente por conta da distância da agenda do
Fernando Collor em relação à agenda central do Congresso.
Não seria maior?
Não. Por quê? Aí é que está a questão da informação. O Congresso delega para o presidente a prerrogativa de utilizar medidas, como a medida provisória, nos momentos em que confia mais no presidente. Portanto, a proximidade ideológica do Congresso com o presidente faz com que essa delegação seja maior. É o contrário do que o senso comum pode supor: que a medida provisória é utilizada para impor uma agenda a um Congresso recalcitrante. A medida provisória é mais utilizada nos momentos em que o Congresso é mais próximo do presidente. O
Collor utilizou menos do que o
Fernando Henrique, que utilizou menos do que o
Lula. Porque as agendas desses presidentes foram, num crescendo, caminhando para o centro do Congresso. O
Collor foi bem enviesado para a direita,
Fernando Henrique ainda estava um pouco enviesado, e o
Lula casou muito com a tendência central do Congresso.
O Congresso é de centro?
Podemos dizer que o ator que está no centro do Congresso e que dá o voto de minerva, que a literatura chama de ator pivotal, tem sido o PMDB, nesses anos todos. A nossa medida de distância do presidente para o centro do Congresso é sempre dada por sua posição ideológica em relação à do PMDB.
E o PMDB estando no governo facilita essa delegação?
Esse é um ponto interessante. O fato de estar no governo - ou não - não facilita a vida do presidente se ele quer ter uma agenda distante do Congresso. O PMDB estava dentro do governo Fernando Henrique, mas em vários momentos a agenda do presidente foi muito à direita, muito neoliberal. O PMDB tem uma facção importante nacionalista, desenvolvimentista. Isso criou conflitos importantes em diversas medidas e reformas que o Fernando Henrique gostaria de passar e não foram bem sucedidas, como a administrativa, a tributária. Com o Lula, há uma maior aproximação do presidente em relação a esse ator central que é o PMDB, o que aumenta então a edição de medidas provisórias. Agora, se as propostas do presidente estiverem deslocadas, distantes ideologicamente, o Congresso vai trabalhar. O Congresso não é tão aquiescente, não é um ator tão submetido às vontades do Executivo quanto a gente quer imaginar.
O Código Florestal é um exemplo dessa situação?
É um caso muito interessante. O projeto foi enviado, mas estava bastante deslocado em relação à preferência do ator central do Congresso. O que ocorreu então? O Congresso permitiu que a oposição emplacasse várias emendas e trouxesse o projeto bem mais para aquilo que ele queria. Então, a comissão trabalhou muito mais. Teve muito mais audiência, mais trabalho de leitura e de proposição de emendas e o resultado final ficou longe daquilo que o governo queria e mais próximo do que o Congresso e seu ator central queriam.
A imagem que se tem, no entanto, é que o processo decisório funciona sob a lógica da barganha e da troca de votos do Congresso por recursos e cargos no Executivo, e não pelo mérito das políticas. Essa visão está errada?
Está errada. Com o modelo informacional testado, derivando hipóteses, conseguimos mostrar que ele trabalha em termos de políticas, muito mais do que diz a literatura e o senso comum estão dispostos a conceder.
Nesse modelo, a oposição ganha uma importância que também não tem sido atribuída a ela.
A oposição é acionada a partir das desavenças havidas no interior da coalizão. Para que ela busque informações necessárias para a produção de projetos e propostas alternativas ao governo. Isso resulta numa visão mais congressual da política.
As legendas de oposição são manipuladas como partidos de programa, digamos, para atender aos desejos das siglas governistas?
Sim, claro. Mas esse programa que é feito com o partido insatisfeito é feito em nome de uma boa causa, que é da política pública, que é aproximá-la da visão do Congresso, que expressa na verdade a pluralidade das visões da sociedade. Mas quando a oposição é manipulada ela também faz o seu jogo, porque consegue aproximar os projetos das suas preferências.
Há quem considere, porém, que o Congresso brasileiro é muito conservador, obrigando que medidas mais progressistas como o reconhecimento da união civil homoafetiva e a liberação da pesquisa com células-tronco só fossem decididas pelo Supremo Tribunal Federal. Ele é mesmo conservador?
Ele é conservador do ponto de vista comportamental. Mas não da economia. É um Congresso que admite intervenção forte do Estado na economia e para políticas mais igualitárias. Agora, a questão é saber se a sociedade brasileira também é conservadora em sua maioria e se o Congresso está realmente discrepando.
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"Troca de ministros preserva coalizão e evita instabilidade", diz Fabiano Santos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU