A dificuldade e a demora dos 17 países da zona do euro em tomar decisões a respeito da crise da dívida de países como a Grécia tornam a situação europeia delicada e imprevisível, podendo resultar num desfecho desordenado, acredita a economista
Anne Krueger, ex-número 2 do
Fundo Monetário Internacional (FMI).
Unidos pela moeda única, mas sem um governo supranacional, os países europeus têm um processo decisório lento, o que pode custar caro num cenário de incerteza como o atual, diz Krueger. "É como se todos os Estados americanos tivessem de concordar sobre medidas de estímulo fiscal", exemplifica ela. "Nada ocorreria."
A reportagem é de
Sergio Lamucci e publicada pelo jornal
Valor, 06-10-2011.
Para
Krueger, a incerteza em relação ao destino da Europa é um dos fatores que explicam a cautela dos empresários americanos. "Bancos americanos emprestaram dinheiro para empresas europeias, e 20% das exportações dos Estados Unidos vão para a Europa", diz
Krueger, professora de economia internacional da Johns Hopkins University. A economista falou ontem ao Valor, depois de participar de um painel de discussões no
Simpósio Econômico Global (GES, na sigla em inglês), em Kiel, na Alemanha.
Em 2001, quando estava no FMI,
Krueger sugeriu a adoção de um mecanismo de reestruturação de dívidas soberanas. A ideia é que um código de falência para países ajudaria os mercados a funcionar de modo mais apropriado, evitando calotes desordenados. Se tivesse sido implementado, o mecanismo serviria para a Grécia?
Krueger diz ter dúvidas a esse respeito, porque a Grécia hoje faz parte da zona do euro. "Seria mais difícil. Acho que seria possível fazer, mas eu precisaria pensar mais cuidadosamente sobre o assunto."
Com ou sem o mecanismo, não seria o caso de a Grécia declarar-se em default, já que a dívida parece totalmente insustentável?
Krueger acredita que há um ponto que torna mais complicado o país tomar essa decisão. A Grécia tem déficit primário, o que significa que as receitas são inferiores às despesas mesmo quando se excluem os gastos com os juros da dívida. "A Grécia precisa de fundos externos para não ter de cortar ainda mais dramaticamente as suas despesas." Segundo
Krueger, sem que o FMI e as instituições europeias mantenham os desembolsos ao país, a situação poderia ficar ainda mais difícil.
Krueger cogita ainda que, a exemplo da Argentina em 2001, a Grécia pode estar na "fase da negação" - há um problema muito grave a ser enfrentado, mas as pessoas têm dificuldade em reconhecê-lo, o que as faz buscar soluções alternativas, em vez de lidar com o inevitável.
O grande risco a ser evitado hoje, segundo ela, é que a crise atinja a Espanha e a Itália, ou um dos países, que são muito grandes. Se isso ocorrer, há o potencial de uma crise à
Lehman Brothers estourar. Em 2008, quando o banco de investimentos americano quebrou, o grande problema era que, no sistema financeiro, ninguém sabia que papéis os outros tinham em suas carteiras. Segundo ela, já há um pouco disso na Europa hoje, mas a situação tenderia a se agravar e muito se Itália e Espanha entrarem na roda da desconfiança.
Nesse cenário, seria fundamental que os países europeus conseguissem chegar a uma solução mais rápida, evitando que a demora em decidir provoque uma crise ainda mais grave que a atual. Como muitos analistas,
Krueger acredita que o atual momento de incerteza se deve em parte a uma crise de liderança política, que dificulta. Dado o lento processo decisório na zona do euro, Krueger diz que não há como dizer qual é o desfecho mais provável para a crise europeia.
A resolução da situação europeia ajudaria, por tabela, os Estados Unidos, diz a economista. Para ela, a economia americana está num estado melhor que o da Europa. Ainda que a um ritmo fraco, o Produto Interno Bruto (PIB) continua a crescer. O fundamental, segundo ela, é reduzir as incertezas - além da questão da Europa,
Krueger considera crucial que se diminuam as dúvidas quanto à situação fiscal americana.
Independentemente do que se faça em termos fiscais agora, é imprescindível que seja combinado a um programa de consolidação fiscal de médio prazo, afirma ela, uma das cotadas para vencer o Nobel de Economia neste ano, segundo previsões da
Thomson Reuters. O ganhador será anunciado segunda-feira.
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"Crise europeia pode virar novo Lehman Brothers" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU