"O referendo italiano que rejeitou maciçamente as usinas nucleares é modelo de participação popular; talvez seja o caso de imitá-lo aqui", escreve
Alfredo Bosi, professor emérito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras e participante da Coalizão Brasileira contra as Usinas Nucleares, em artigo publicado no jornal
Folha de S. Paulo, 21-08-2011.
Eis o artigo.
Se a construção de uma usina nuclear fosse apenas uma questão técnica, seria reduzido o número das pessoas capazes de opinar sobre o assunto. Mas os riscos a que estão sujeitas as populações que vivem perto dos reatores são inegáveis. Como nenhum cientista pode afirmar que o risco é zero, a questão passa a ser ética.
Como delegar a sorte de milhares de cidadãos à onipotência de alguns tecnocratas e aos interesses desta ou daquela empresa? Um programa sem o respaldo da opinião pública esclarecida é acintosamente antidemocrático. O referendo italiano que rejeitou maciçamente as usinas nucleares é modelo de participação popular. Talvez seja o caso de imitá-lo.
Na
Alemanha, a decisão do governo de suspender o programa nuclear atendeu a um movimento cívico que exige investimento em formas de energia renováveis e seguras. Por que o
BNDES se dispõe a malbaratar bilhões de dólares em
Angra 3 em vez de aplicar esse capital, arrancado aos contribuintes, na difusão em larga escala daquelas formas de energia?
As empresas nucleares preferem privatizar benefícios e socializar prejuízos, no caso, perigos.
Mas não há dinheiro que possa indenizar câncer hepático ou leucemia nas crianças vítimas dos vazamentos. O cidadão brasileiro tem o direito de perguntar: o que será feito com o lixo de
Angra 1,
2 e
3? Que direito temos de legar aos pósteros esse pesadelo?
O
presidente Bush autorizou a remoção dos rejeitos para depósitos a serem cavados em
Yucca Mountain, mas a população do Estado de Nevada e as comunidades indígenas que lá vivem há séculos rebelaram-se contra uma decisão que violava o seu território.
Obama prometeu revogar o decreto do antecessor, mas o impasse continua.
Físicos da envergadura do saudoso
Mário Schenberg (que condenou a instalação de uma usina em Iguape),
J. Goldemberg,
Pinguelli Rosa,
Cerqueira Leite,
Ildo Sauer e
Joaquim Carvalho alertam para o caráter desnecessário da energia nuclear no Brasil. As potencialidades de nossa biomassa, bem como de outras fontes renováveis, fornecem base segura para um desenvolvimento sustentável.
Nossos cientistas são evidentemente favoráveis a pesquisas na área nuclear que tenham aplicações na biologia, na medicina e na agricultura. A energia nuclear é cara. Dados do
Greenpeace: "O preço da tarifa ao consumidor pode sair por US$ 113/MWh, contra US$ 74/ MWh da energia gerada pela biomassa e US$ 82/MWh da eólica".
Arriscada, desnecessária, cara..., mas dirão que é limpa; desde quando lixo atômico é sinal de limpeza?
O enriquecimento do urânio depende de eletricidade gerada por combustíveis fósseis, como o carvão. Duas das minas de carvão mais poluentes dos Estados Unidos, em Ohio e em Indiana, produzem eletricidade para enriquecer urânio. É o que informa
B. Sovacool no número 150 da "
Foreign Policy".
Enfim, uma boa notícia. A
OAB anunciou, em 4 de julho de 2011, que está recorrendo ao Supremo Tribunal Federal exigindo que a eventual retomada das obras de
Angra 3 só possa fazer-se com autorização do Congresso Nacional e mediante nova legislação federal.
Assim o requer a Constituição de 1988. Que os parlamentares ouçam a voz dos eleitores e não se dobrem às pressões de empresários gananciosos e políticos desinformados.
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Angra 3 é uma questão ética - Instituto Humanitas Unisinos - IHU