16 Agosto 2011
Franklin Delano Roosevelt, aspirante a ditador, e o New Deal como uma variante norte-americana do coletivismo. Essa é a ideologia que alimenta L`uomo dimenticato, da jornalista Amity Shlaes.
A análise é de Fabrizio Tonello, professor de ciências da opinião pública da Universidade de Pádua, na Itália, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 10-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um livro que se apresenta com o subtítulo Uma Nova História da Grande Depressão promete implicitamente aos leitores novos documentos, novas histórias, novas interpretações. Infelizmente, no livro de Amity Shlaes, L`uomo dimenticato (Ed. Feltrinelli, 412 páginas), não há nada disso.
Aqueles que esperam muitas histórias individuais, uma coleção de materiais "de baixo", vão ficar desapontados: no livro da jornalista norte-americana, fala-se muito de Franklin Roosevelt e de alguns dos seus colaboradores (Paul Douglas, Felix Frankfurter, David Lilienthal, Harold Ickes, Rexford Tugwell), mas se encontram muito poucos "homens esquecidos".
Há muito espaço para os opositores do New Deal: Andrew Mellon, Samuel Insull, Wendell Willkie, mas o livro se concentra na construção da Tennessee Valley Authority e sobre a sua "desleal" concorrência com os produtores privados de energia elétrica, como se essa fosse a questão central de todo o período de 1929-1940. Na realidade, nessa reconstrução da Depressão, não se entende muito bem qual é o problema de fundo, senão uma genérica "hostilidade" do governo Roosevelt contra os empresários, um "ódio" em relação aos ricos absorvido pelos homens do New Deal ao longo de uma viagem à União Soviética em 1927, expedição à qual é dedicado todo o segundo capítulo.
Pelo buraco da fechadura
Se as frequentações bolcheviques de Tugwell, Douglas, Baldwin e de vários sindicalistas merecem, para Shlaes, 33 páginas, a terça-feira negra de outubro de 1929, quando o colapso da Wall Street deu início à crise, é concluída em 19 páginas, precedidas pelo surpreendente título O incidente. Nem a autora sente a necessidade de se deter de algum modo sobre as razões da crise, que evidentemente não são consideradas relevantes para explicar o que aconteceria depois, senão em quatro páginas da introdução (18-22). Só o Smoot-Hawley Act, a lei que, aumentando fortemente as tarifas aduaneiras provocou um colapso do comércio mundial, é discutido brevemente.
Ao compilar a sua história da Grande Depressão, Shlaes mostra uma evidente predileção pelo buraco da fechadura: "John Dewey, já perto dos 60 anos, em 1917, se apaixonou por Anzia Yezierska, uma ativista de cabelos ruivos vinda da Rússia, conhecida também como a Cinderela dos laboratórios clandestinos". "Em Nova York, Bill Wilson continuou tendo problemas. Ele e sua esposa Lois não tinham nenhum tostão e andavam de um lado para outro, mudando-se dezenas de vezes. Bill, pelo menos, tinha parado de beber". "Willkie gostava das apostas. E fez a sua, lançando a campanha (à presidência) do apartamento no West Side, de Irita, embora os jornais tenham evitado citar o endereço. (...) Edith também seguiu no jogo, apresentando-se gentilmente em público como a esposa legítima do candidato. Alguns anos depois, o filme Sua Esposa e o Mundo, com Katharine Hepburn, traria para as telas esse ménage à trois".
As reconstruções jornalísticas e a predileção pelas fofocas não seriam tão irritantes se a autora de The Forgotten Man não tivesse ambições totalmente desproporcionais à sua competência tanto na política, quanto na economia. Sobre a crise de 1937 entre Roosevelt e a Suprema Corte, Shlaes, por exemplo, escreve que o presidente "anunciou que pularia a ratificação dos Estados e simplesmente enviaria ao Congresso um projeto de lei para aumentar os juízes da Corte dos atuais nove até mesmo a 15". Fica implícito que o "ditador" Roosevelt estava fazendo algo patentemente inconstitucional.
Ao contrário, a Constituição, no artigo III, não indica o número dos membros da Suprema Corte e, portanto, não é necessária uma emenda constitucional para mudar a sua composição (historicamente, a Corte teve de 5 a 10 membros). Não só: se se quisesse introduzir uma emenda constitucional para fixar o número dos juízes de uma vez por todas, seria o Congresso que teria que tomar a iniciativa, aprovando o texto e depois enviando-o aos Estados para ratificação por uma maioria de 3/4. Portanto, Roosevelt não "pulou" nada especificamente: o fato de o seu projeto de Court packing ser discutível é claro, mas dificilmente pode-se acusá-lo de tendências ditatoriais por causa disso.
Déjà vu analítico
Naturalmente, em um livro sobre a Grande Depressão, o problema central é a economia. Sobre isso, Shlaes tem pouco a dizer: à pergunta sobre as origens da crise, a autora cita quatro causas: o colapso em Wall Street, a redução das trocas internacionais, as bizarrices meteorológicas e, finalmente, aquilo que ela define como "o problema mais sério, o intervencionismo público, a falta de confiança no mercado (...) Foi a gestão central, no final dos anos 1920 e durante a década seguinte, que infligiu grandes danos à economia".
Shlaes não diz nada de original: a sua tese de que "o colapso acionário não causou a Grande Depressão. Foi uma correção necessária de uma bolsa inflada, mas não um desastre necessário" havia sido proposta desde 1963 por Milton Friedman e Anna Schwartz em seu A Monetary History of the United States, 1867-1960.
A explicação de Friedman era que os erros do Federal Reserve é que transformaram uma "correção" da bolsa no pânico bancário e em uma onda de falências.
L`uomo dimenticato está pontilhado de afirmações fideísticas sobre as virtudes do laissez faire: tanto Hoover quanto Roosevelt, escreve a autora, "subestimaram a força da economia americana; ambos duvidavam da sua capacidade de se levantar novamente na tempestade". Há uma boa dose de ideologia nisso, uma fé religiosa na capacidade dos mercados de se autocorrigem sempre e em todo o lugar.
Roosevelt herdou um país sob o domínio da deflação, em que um em cada quatro americanos estava sem trabalho: se o setor privado podia reiniciar a economia, ele certamente não dava sinais de querer fazer isso na primavera de 1933 ou nos meses seguintes. A autora insiste que "onde a iniciativa privada podia ter contribuído para relançar a economia, por exemplo no setor das empresas de serviços públicos, as chamadas utilities, Roosevelt e os seus New Dealers muitas vezes a sufocaram. A criação da Tennessee Valley Authority matou no berço o esforço crescente, e potencialmente de sucesso, com vistas a iluminar os Estados do Sul".
No que se refere à Tennessee Valley Authority, ela foi concebida quando apenas duas em cada cem fazendas na área de interesse do projeto tinham eletricidade, e o Rio Tennessee inundava regularmente os campos da sua bacia de 640 milhas quadradas, destruindo os esforços dos agricultores de cultivar um terreno pouco fértil e sem barreiras contra a erosão.
Não havia praticamente nenhuma indústria, a renda média da região era a metade da média nacional, a mortalidade infantil era quatro vezes superior, a pelagra e a tuberculose eram endêmicas, e a vida era, como aquela descrita no capítulo 13 do Leviatã de Hobbes: "solitary, poor, nasty, brutish, and short". A Commonwealth and Southern, a gigante da energia nos Estados do Sul, da qual Shlaes louva os méritos por páginas e páginas, remediaria tudo isso?
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O incidente da Grande Depressão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU