08 Julho 2011
Publicamos aqui o apelo da comunidade do Khalil, na Síria, por "dinheiro, empenho e oração" para superar "a incolumidade física dos familiares sírios dos nossos monges e monjas" e a "angústia difundida de uma crise econômica desenfreada".
A carta foi publicada na revista dos jesuítas italianos, Popoli, 07-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Caríssimos amigos, neste apelo, pedimos, em um crescendo de importância, dinheiro, empenho e oração. No entanto, gostaríamos, para começar, de atualizá-los sobre a situação.
Subindo para o mosteiro na noite de ontem, um monge carregada sobre as costas, como um São Cristóvão, uma criança de dois anos e meio, W., segurando-lhe as mãos. Os pais desapareceram na tormenta que aflige este país. Uma viúva com três meninas recolheu o pequeno W., e veio até aqui em cima: para nós, é como ganhar na loteria.
Às preocupações sobre a incolumidade física dos familiares sírios dos nossos monges e monjas, se acrescenta a angústia difundida de uma crise econômica desenfreada, ainda mais grave para o setor turístico completamente em crise. Até a Páscoa, havíamos sido cercados por centenas de visitantes... Hoje à noite, recebemos uma turista chinesa olhando-a como a um marciano. Por outro lado, são inúmeros os jovens, na maioria das vezes muito pobres, que vêm participar da nossa vida para reagir com trabalho e oração ao risco da depressão, do estresse que ameaça a todos nós.
A situação política continua empantanada. Uma parte da população se inclinou radicalmente para a mudança, sofrendo perdas humanas e sendo obrigada às vezes a se refugiar em outro lugar. Uma outra parte se envolveu, sobretudo moralmente, no desvio da repressão e também chora pelos seus mortos, se aflige pelos feridos e em geral por uma situação que parece estar sempre mais comprometida. Essa sociedade não tem no sangue a não violência. Por outro lado, não é "gandhianamente" que esse sistema de Estado se conservou por 40 anos. É preciso um milagre para que a mudança seja feita pacificamente. Somos muitos aqui na Síria os que invocam isso em duas frentes, a da inovação e a da conservação, unidos por um sentimento patriótico-religioso que nos faz dizer: "A Síria... é Deus quem a protege!".
O espaço da mediação está crescendo. Reuniões importantes de uma parte da oposição foram autorizadas, e um debate começa a tomar forma. A vontade popular se agarra a isso para que não se afunde na guerra civil e na fragmentação da unidade nacional. Continuar vivendo normalmente é um pouco o nosso modo de resistir e de querer atravessar o vau rumo a uma sociedade mais humana.
Dinheiro
Neste momento, estamos tentando conectar definitivamente os canos do esgoto. Também corrigimos a estrada de acesso para as pessoas em dificuldade e logo poderemos acolher as convivências das comunidades de assistência aos deficientes "Fé e Luz". Nos dois mosteiros de Mar Musa e de Mar Eliyan, os projetos relacionados às nossas atividades de desenvolvimento, de diálogo etc. financiados por diversas agências, estão ou em fase de conclusão ou bloqueados por causa da situação política, ou avançam dificilmente. Em geral, somos muito bons em gastar mais do que o previsto, embora tentando economizar em tudo!
A comunidade monástica cresce e, contando com os postulantes, somos 16 pessoas. No setor masculino, estamos terminando a construção de cinco quartos individuais e de um grande reservatório de água de alvenaria. Contando com o retorno dos turistas, depois que o clima político tiver se tranquilizado, teremos, assim, mais espaços para retiros espirituais personalizados e para os membros da comunidade. Nota de humor: colocamos um pouco de água no envase da nossa barragem e conseguimos salvar os peixinhos de um lago artificial que estava secando, esperando dispor, em breve, de uma maior quantidade de fósforo na dieta doméstica...
Cresce a atividade de produção de laticínios nas infraestruturas completamente remodeladas, e nos esforçamos para não interromper a atividade ambiental, encorajados também pelo interesse da população local. Porém, o fato nu e cru é que a ausência de turistas nos coloca em risco de falência. Se as coisas continuarem assim, em poucas semanas seremos incapazes de sustentar os encargos relacionados aos nossos colaboradores leigos: fato gravíssimo no plano humano e também no das capacidades e dos conhecimentos acumulados ao longo dos anos. No fim, a vida da comunidade monástica também se tornaria muito difícil, sem falar das famílias em necessidade que ajudamos regularmente.
A atividade de produção de laticínios, admitindo-se que conseguisse ter um sucesso imediato de público, o que é bem improvável em uma situação de recessão dramática, seria insuficiente para cobrir as despesas. Por outro lado, desejamos que o local para a construção das casas para as jovens famílias da paróquia em Nebek avance sem interrupções, embora lentamente, para dar um sinal de esperança na contramão e satisfazer as necessidades de futuro dos jovens.
Finalmente, gostaríamos de ressaltar o nosso compromisso na perspectiva de iniciar uma fundação em Suleiman, no Curdistão iraquiano, mas o ir e vir para explorar e programar não é grátis! Daí, com simplicidade, o pedido de dinheiro. Por favor, enviando para nós as suas ajudas para a fundação Magis dos jesuítas italianos, não se esqueçam de especificar a causa: Deir Mar Musa.
Empenho
O que os italianos podem fazer para o sucesso do movimento árabe de 2011? Certamente, as situações são diferentes, assim como as possibilidades de intervir. Mas, se as ONGs contam apenas com a ajuda financeira pública nacional ou europeia, não haverá fundos suficientes. É preciso encorajar a vontade de participação efetiva de tantas pessoas que têm disponibilidade. Muitas vezes, é excessivo o apego a objetos que não são necessários nas nossas casas... Faz muito bem para os nossos corações exercitar-nos no desapego em vista da solidariedade!
A perspectiva a ser apoiada é a do amadurecimento de uma sociedade solidária e equilibrada (microcrédito, pequenas cooperativas de serviços, transformação da agricultura da de exploração do solo à da amizade com a terra etc.). A estabilidade da democracia terá necessidade, além disso, de fontes renováveis de energia. Nesse sentido, o nosso sonho de alimentar um dos poços do mosteiro com energia solar poderia ter um significado que vai muito além da economia na conta de eletricidade.
Há, evidentemente, um nível mais político de empenho, e ele será diversificado de acordo com a história e a situação de cada um. Mas nos parece necessário sublinhar a urgência de que a solidariedade mediterrânea se expresse em uma rede de iniciativas de administrações locais para administrações locais. O sucesso das revoluções depende também do sucesso do nosso cuidado uns pelos outros.
Em nível de opinião, será preciso aconselhar para dois extremos: o primeiro é o de um certo maximalismo democrático que não se encarrega da lentidão concreta das evoluções locais e, portanto, corre o risco de favorecer a violência, talvez depois se admirando e se arrependendo por ter involuntariamente defendido deslizes rumo a autoritarismos confessionais, islâmicos ou outros. O outro risco, que espelha o primeiro, é a prática de uma espécie de relativismo folclórico para justificar os atrasos mais escandalosos e os lucros comerciais relacionados. Em vez, o "esperar bem", fomentando espirais evolutivas virtuosas, é uma lógica que deve se tornar tanto mediterrânea quanto global.
A esperança é de que a Itália, que vai se libertando do populismo "tevecrático" [da televisão], seja capaz de expressar uma diplomacia da amizade não interesseira, que, no fim, é aquela que produz o mais longo e duradouro bem-estar. Pelo bem da Síria, precisamos de diplomatas que possam contribuir com ideias, projetos, exemplos e experiências para ajudar na realização de uma democracia de natureza consensual que saiba proteger os direitos das minorias religiosas, étnicas e ideológicas, sem humilhar as maiorias.
A condição é que a referência à maioria não seja unívoco e, portanto, não desemboque em uma ditadura do grupo dominante. A política e a diplomacia italianas também deverão evitar projetar sobre as sociedades árabo-muçulmanas um desejo de sociedade secular, que permanece, às vezes, insatisfeito dentro de casa.
Oração
Dinheiro, empenho e... oração! Para que justamente nos momentos mais difíceis a transparência do mundo não desapareça aprisionando-nos nas lógicas de fachada e de superfície. A vida devota mostra a sua coerência justamente por ocasião das grandes crises. Propomos-lhes, portanto, que reboquemos juntos, com cordas espirituais de desejo do bem, o barco da história entre as margens desse canal de espiritualidade e de civilização que constitui o vale mediterrâneo. Como um só homem, esforcemo-nos para fazer avançar a evolução do mundo segundo aspirações humano-divinas.
Exercitemo-nos por meio da vigília e do jejum, da participação no Ramadã já próximo, do ir em busca de alguma missa sobrevivente no início da manhã, do não renunciar facilmente à celebração dominical, do não ter vergonha de colocar o Evangelho bem à vista, e sobretudo de abri-lo e de lê-lo juntos em casa, ou com a cabeça no travesseiro... Deus, que quer proteger a Síria, certamente precisa dessa convergência. As pessoas espirituais sempre souberam: o fato de se ocupar para elevar a alma na Comunhão dos Santos desloca de um modo muito concreto os equilíbrios de uma geração, em um tempo e um espaço particulares, no horizonte do Reino.
Uma última nota: em uma carta à irmã Margherita, paralítica, o padre Teilhard de Chardin reconheceu-lhe um primado na eficácia relativa à evolução espiritual do cosmos, jamais desancorada da matéria. Isso para pedir para aqueles entre nós que estão feridos na alma e no corpo a graça de querer fundir correntes de paciente solidariedade que levem a bom fim o drama hodierno.
Afeto e gratidão no Senhor,
a Comunidade do Khalil
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Dinheiro, empenho e oração": um apelo de Mar Musa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU