11 Mai 2011
A gigante de eletrônicos Foxconn, que fabrica produtos para a Apple e outras empresas ocidentais, atraiu publicidade indesejada em 2010, quando 13 trabalhadores cometeram suicídio. Em uma visita às suas fábricas na China, o "Spiegel Online" viu como a empresa respondeu aos episódios, incluindo a contratação de conselheiros e a instalação de redes anti-suicídio.
A reportagem é de Hannes Koch, publicada pela revista Der Spiegel e reproduzida pelo Portal Uol, 12-05-2011.
Eles correm pela área industrial em fileiras duplas ordenadas. Os jovens, que parecem ter entre 19 e 20 anos, esperam ser futuros montadores do iPad. Cada um segura um envelope marrom na mão esquerda que contém seu pedido de emprego. Ao comando do capataz, eles viram uma esquina para a entrada do escritório de recrutamento.
Os jovens estão aqui porque a fabricante de componentes eletrônicos Foxconn está contratando dezenas de milhares de funcionários. A empresa construiu novas fábricas na cidade chinesa de Chengdu para produzir milhares de iPads para a Apple. O fornecedor é conhecido pelas regras estritas que impõe a seus funcionários. No ano passado, essa disciplina estrita pode ter ajudado a levar o suicídio de 13 funcionários em uma instalação da Foxconn em Shenzhen. Na época, observadores falaram das terríveis condições de trabalho no local.
O "Spiegel Online" fez uma visita à fábrica de Chegdu para verificar se a empresa agora está tratando melhor seus funcionários.
"Trabalho é trabalho"
"Não temos permissão de falar ao trabalho", diz Wang Cui de 19 anos, cujo nome foi mudado para esta história. Ela tem olhos proeminentes e pele escura e veste uma camisa azul com o logotipo da Foxconn por baixo de sua jaqueta de plástico branca. Suas unhas longas são bem cuidadas. Ela não trabalha na linha de produção, e sim no controle de qualidade das armações do iPad.
Se ela se incomoda com a rigidez das regras? "Trabalho é trabalho, o resto é o resto", diz Wang, dando de ombros.
Depois ela fala, apesar da proibição. Ela diz que tem medo dos chefes. "Os supervisores não respeitam os trabalhadores", diz ela, acrescentando que seus colegas foram punidos mesmo por pequenos erros. Os supervisores forçaram-nos a ficar entre as linhas de produção para todos verem –quase como se estivessem no pelourinho.
"A ordem e a obediência mandam aqui", diz Wang. Seus colegas acenam positivamente com a cabeça.
A Foxconn admite a possibilidade que pode ter havido erro de conduta. "Não apoiamos isso, mas não podemos dizer que não acontece", disse a empresa em declaração. "Queremos mudar isso."
Hora extra obrigatória
Na hora do almoço, milhares de trabalhadores deixam a fábrica para a área na frente do portão da fábrica. A comida no refeitório da fábrica não lhes apetece, então compram macarrão e vegetais ao vapor em pratos de plástico de barraquinhas montadas sobre bicicletas e motocicletas. Os caminhões de carga pesada se espremem pela multidão para entrar na fábrica, abusando da buzina.
"Trabalho de segunda a sábado, 12 horas por dia", diz Zhang Feng, 20, que também faz parte do controle de qualidade. Ele penteia seu cabelo pintado de castanho diagonalmente pelo rosto, segundo a moda japonesa. Cada dia de trabalho tem duas horas extras obrigatórias e os sábados também contam como hora extra. "Assim, são quase 20 horas extras por semana", diz Zhang, "e um total de 80 por mês".
Esses turnos de trabalho são padrão na Foxconn de Chegdu, mas as leis trabalhistas chinesas só permitem 36 horas extras por mês. "A hora extra da Foxconn muitas vezes excede o limite legal em mais de 100%", diz Chan Sze Wan do Sacom, grupo sem fins lucrativos que defende os direitos dos trabalhadores, com base em Hong Kong. Junto com a campanha "Faça de forma justa", que está sendo apoiada pela União Europeia, Chan investiga regularmente as condições de trabalho da Foxconn.
A empresa diz que está buscando limitar as horas extras em 36 horas por mês. Para tanto, está trabalhando junto com as autoridades locais para construir mais dormitórios e fábricas. "Além disso, estamos procurando para elevar o salário básico e garantir que os funcionários não tenham que trabalhar além do tempo para cobrir suas necessidades básicas", diz um porta-voz.
Cidade dentro da cidade
A construção de fábricas em Chengdu só começou no ano passado, mas 100.000 pessoas já estão trabalhando no local. Poucas pessoas de fora até hoje visitaram as fábricas.
A principal fábrica Foxconn, que tem sede em Taiwan, fica no interior da China em Shenzhen, a 1.500 km ao sul de Chegdu, perto de Hong Kong. Ali, tudo parece estar em ordem. Cerca de 400.000 pessoas trabalham em um complexo de fábricas que tem vários quilômetros quadrados – uma cidade dentro da cidade. Antes, as pessoas de fora não podiam visitar o campus, mas a empresa agora permite visitantes nas instalações para melhorar sua imagem após a série de suicídios de 2010.
Dezenas de linhas de produção ficam lado a lado nos prédios super iluminados da fábrica, que têm centenas de metros de cumprimento. Os pisos brilhantes são pintados de cinza. Tudo é extremamente limpo, quase estéril. Os trabalhadores que montam os iPhones, MacBooks e outros produtos usam jaquetas anti-estática. Os visitantes têm que usar capacete e cobrir os sapatos, para não trazerem sujeira.
Alguns dos passos da produção são totalmente automatizados, mas muitos funcionários têm que repetir os mesmos movimentos monótonos com as mãos milhares de vezes por dia. Falar não é permitido, a não ser que seja absolutamente necessário, e os trabalhadores têm que pedir permissão aos supervisores para irem ao banheiro.
Redes de proteção
A rua principal que leva do portão da fábrica para o interior é cercada de palmeiras e canteiros de flores, passando por barreiras e pontos de controle. Há bancos, lojas, bibliotecas, piscinas e cafés onde se pode comprar uma boa xícara de expresso.
As únicas que não se encaixam tão bem com a imagem de instalação industrial civilizada são as redes de segurança presas às fachadas dos prédios mais altos. Elas foram instaladas há um ano para impedir que funcionários perturbados se joguem para a morte. Ao mesmo tempo, a empresa abriu um "centro de atendimento" no qual há conselheiros disponíveis o tempo todo para ajudar os funcionários com seus problemas pessoais e de trabalho.
"Não éramos uma empresa muito aberta antes", diz o gerente da Foxconn Louis Woo, "mas agora estamos ouvindo mais nossos funcionários para descobrir o que esperam da vida". Com 63 anos, é um senhor distinto, de camisa com suspensórios, que tirou a jaqueta por conta do calor.
Ele diz que sabe que a lei trabalhista chinesa só permite 35 horas extras por mês, mas explica que a falta de infra-estrutura torna difícil aderir às diretrizes. "Isso não deveria ser desculpa", diz Woo. "Não queremos quebrar as regras. Para cumpri-las, estamos construindo mais fábricas e dormitórios para os trabalhadores e estamos contratando mais pessoas."
Violação do código de conduta da Apple
Em outras palavras, a demanda da Apple, Nokia, Sony e de outras empresas de renome é tão alta que a Foxconn simplesmente está deixando seus funcionários trabalharem além dos limites legais.
Em teoria, essa prática empresarial viola o código de conduta que a Apple exige de seus fornecedores. Sua política dita que as horas de trabalho não devem exceder os limites legais sob nenhuma circunstância.
Mas quando contatado pelo "Spiegel Online", o porta-voz da Apple Alan Hely não tratou da questão da hora extra. Em vez disso, meramente apontou para as melhorias que a Foxconn fez desde 2010.
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Uma visita ao interior da Foxconn, a fornecedora chinesa linha dura da Apple - Instituto Humanitas Unisinos - IHU