28 Fevereiro 2011
No 13º dia da revolta, o coronel Muammar Gaddafi, cercado por seus filhos, forças especiais do exército e de seus últimos partidários, ainda reina em Trípoli. Mas para o mais antigo dirigente do mundo árabe, no poder há quase 42 anos, a capital líbia parece cada vez mais com um bunker.
A reportagem é de Rémy Ourdan, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 01-03-2011.
Embora o coronel Gaddafi tenha repetido, no domingo (27), que “a Líbia está absolutamente calma” e que “pequenos grupos de rebeldes estão cercados e serão vencidos” – durante uma entrevista por telefone dada à rede de televisão sérvia “Pink” – na verdade é Trípoli, bem como sua cidade natal Sirte, que parecem cercadas.
A 200 quilômetros a leste da capital, Misrata está nas mãos dos opositores. Estes poderão efetuar a junção com os manifestantes que já tomaram todo o leste do país e estabeleceram seu quartel-general em Benghazi. A 50 quilômetros a oeste da capital, Zawiya caiu. Em todo o país, cidades e tribos passam, uma a uma, para o lado da oposição. Em Trípoli mesmo, a situação parece caótica. Um bairro como Tajur foi desertado pelas forças de segurança e, por trás das barricadas de palmeiras e pedras, são os opositores de Gaddafi que dominam as ruas.
Essas constatações, tanto em Trípoli quanto em Zawiya, foram efetuadas pelos jornalistas convidados à capital líbia desde 25 de fevereiro. A Jamairia (República), que outrora impunha um rígido bloqueio de informações, sendo que os repórteres se mantinham junto com os rebeldes a leste ou na fronteira tunisiana a oeste, agora começava a distribuir vistos e cartas-convite.
“Cantar a noite inteira”
Alguns conseguiram chegar no sábado ao bairro de Tajura e no domingo à cidade de Zawiya. “Trípoli está até calma, com tiros de automáticas durante a noite”, nos escreve um fotógrafo. “Há algumas centenas de partidários de Gaddafi na praça Verde, mas a 5 quilômetros do centro da cidade, para além dos postos de controle da polícia e de milicianos à paisana, há barricadas erguidas por rebeldes.”
A última aparição pública do coronel Gaddafi, no dia 25 de fevereiro nas muralhas da Praça Verde, foi surreal. De chapka na cabeça, ele convocou seus partidários a “cantar e dançar a noite inteira”. “Jovens da Líbia, Muammar Gaddafi é um de vocês!”, gritou.
As entrevistas de dois dos filhos Gaddafi, Saif e Saadi, concedidas à jornalista Christiane Amanpour e divulgadas no domingo pela televisão americana ABC, foram igualmente surreais e seriam pura comédia líbia se o país não estivesse vivendo uma tragédia sangrenta. Saif al-Islam, considerado antes da revolta o herdeiro político do coronel, afirmou que o país estava “sob controle”, atribuindo a versão contrária a “uma distância entre a realidade e os relatos da mídia”. Já Saadi lamentou que a resolução adotada pela ONU o tenha proibido de viajar ao exterior e afirmou que deveria empregar seu tempo livre em “ir caçar, fazer um safári”. Antes de murmurar sorrindo: “Mas não sei onde...”, o que poderia indicar que ele tem ciência de que o país está perdido para os Gaddafi.
Em Ras Jdir, na fronteira com a Tunísia, onde o êxodo dos trabalhadores estrangeiros continua, um casal chega de Trípoli. Zak é argelino e sua esposa, Caroline, é britânica. Eles contam que a repressão em Trípoli foi conduzida pelas forças especiais do exército, sendo que cada uma dessas unidades leva o nome de um filho Gaddafi. “Os Khamis foram os primeiros a chegar na cidade, camuflados. Eles atiravam nos manifestantes, mas também em qualquer grupo com mais de três ou quatro pessoas na rua”, conta Zak. “Do terraço de um amigo, eu os vi matarem cinco pessoas. Depois veio um caminhão buscar os corpos...”
Zak acredita que “Gaddafi vai cair, ele já era”. Quando falamos nos últimos partidários do coronel, ele sacou seu celular. “Olhe o SMS que recebemos, enviado pela operadora de telefone”. Está escrito: “Alá protege Gaddafi. Transmita essa mensagem 35 vezes e você receberá um crédito de 100 dinares.”
Quanto tempo o Guia da Revolução conseguirá resistir? É difícil saber se os jovens de Trípoli, com o apoio de soldados e policiais que desertaram, podem derrubar o governo, ou se eles só se exporiam inutilmente a outras represálias sangrentas.
Na quarta-feira, o coronel Gaddafi comemoraria o 34º aniversário de sua “Grande Jamairia [República] Árabe Popular e Socialista da Líbia”, nome oficial do país. Os líbios que se manifestam pelo Twitter esperam ou temem que, dependendo do humor do coronel, o dia termine de maneira espetacular, com a liberdade ou com outro banho de sangue.
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O coronel Gaddafi isolado em seu bunker de Trípoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU