30 Agosto 2012
Nestes últimos dias de agosto, Judas Iscariotes, o discípulo que entregou Jesus aos sacerdotes em troca de dinheiro, novamente desperta interesse e atenção. Acima de tudo porque o Papa Bento XVI, no domingo passado, no Ângelus, lembrou-se dele como zelota (fato não óbvio), pertencente àquele movimento que pedia a independência política do reino judeu, utilizando até a violência.
A reportagem é de Armando Torno, publicada no jornal Corriere della Sera, 28-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Flávio Josefo, o historiador de referência dos fatos da Palestina daquele tempo, no segundo livro da sua Guerra Judaica, não hesita em definir os pertencentes do grupo de "bandidos", capazes de assassinar sem problemas. Judas, em outras palavras, que desejava – recorremos às palavras do papa – "um Messias vencedor que liderasse uma revolta contra os romanos", se sentiu traído pelo mestre que "havia desiludido essas expectativas". E tentou resolver a questão à sua maneira.
O rabino-chefe de Roma, Riccardo Di Segni, respondeu lembrando outras hipóteses de interpretação da figura controversa.
Além disso, morreu Marvin Meyer, o estudioso norte-americano que dirigia o projeto da National Geographic Society sobre o Evangelho de Judas. O texto desse apócrifo, dois fólios, foi restaurado em 2001 e publicado em 2006. Encontrado em Minya (Egito) em 1978, composto entre 130 e 170 da nossa era, reporta algumas conversas entre Jesus e Judas: o apóstolo adquire uma nova luz, até se tornar um dos amigos mais próximos do Filho de Deus.
O livro teve um notável sucesso – superou um milhão de cópias em todo o mundo –, e agora Domenico Devoti o traduz novamente, com o copta original na frente e um acuradíssimo comentário, para os clássicos da editora Carocci (392 páginas). O falecimento de Meyer, diretor do Coptic Magical Texts Project, nestas horas, chamou novamente a atenção para o Judas "bom" em diversos sites norte-americanos.
Lembremos que, durante sua homilia da Quinta-feira Santa de 2006, Bento XVI já falara de Judas como de um ambíguo e mentiroso. As referências de então e de hoje se baseiam nos textos canônicos, na base da tradição eclesial. Segundo as interpretações feitas até agora, a figura que emerge do apócrifo é oposta (mas o gnosticismo é um campo minado...).
Também não nos esqueçamos de que Judas é aquele que “entrega” Jesus aos sacerdotes, mas o sentido da "traição" ainda está para ser totalmente decifrado e também interpretado do ponto de vista histórico. A hipótese mais estimulante parece ser a de uma tentativa do Iscariotes (poderia significar "o homem do punhal"; daí deriva o nosso "sicário") de criar um contato entre Jesus e os sumo sacerdotes de Jerusalém para fazer estourar a grande revolta contra a ocupação romana (o pagamento seria a recompensa pela informação correta).
Interpretação que vê em acordo historiadores como Claude Aziza, com Judas, le premier martyr (em L'Histoire, de setembro de 1985). Judas e os zelotas queriam uma libertação política; ele se alia com os sacerdotes, mas Jesus recusa a conversa e segue o seu caminho. O Iscariotes, depois, teria se matado pelo fracasso do projeto.
A qualificação de "traidor" não é fácil de encontrar no Novo Testamento. Marcos (14, 10-11) escreve: "Judas foi ter com os chefes dos sacerdotes, para entregar Jesus. Eles ficaram muito contentes quando ouviram isso, e prometeram dar dinheiro a Judas". Mateus (26, 14-16), embora piorando o seu perfil, não fala de traição. Lucas (22, 3-6), mesmo que veja Satanás entrar em Judas, lembra que "foi tratar com os chefes dos sacerdotes e com os oficiais da guarda do Templo, sobre a maneira de entregar Jesus". Apenas João evoca o tempo (12, 4-6), mas lembra que ele "tomava conta da bolsa comum". E o dinheiro, em geral, não era confiado a um estúpido.
Moral da história: o papa ofereceu uma bela lição de exegese. Sem o apócrifo Evangelho de Judas.
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Militante ou traidor: o eterno mistério de Judas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU